Sobre a mediunidade curadora

Em 1864, em Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme, título original de O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec publicou interessantes comentários sobre a mediunidade de cura, que não foram incluídos nas edições seguintes. Vale conferir:

 A mediunidade curadora consiste na faculdade de curar ou aliviar pela imposição das mãos, e por vezes unicamente pela ação da vontade. Para tanto é preciso infundir ao enfermo um fluido reparador, cuja virtude [curadora] está na razão de sua pureza. O fluido dos encarnados participa sempre, em maior ou menor grau, das qualidades materiais do corpo, ao mesmo tempo em que se altera pelas paixões e sofre a influência moral do Espírito. É, portanto, impossível que o fluido próprio de um encarnado seja de uma pureza absoluta. Essa é a razão pela qual sua ação curadora é sempre lenta, e amiúde nula; somente a dos Espíritos superiores está isenta das impurezas da matéria, sendo, de certo modo, quintessenciada; conseguintemente, sua ação deve ser mais salutar e mais rápida; é o fluido benfazejo por excelência. É a esse fluido que o médium curador serve de condutor. O que distingue o magnetizador ordinário do médium curador é que o primeiro magnetiza com seu próprio fluido, ao passo que o segundo magnetiza com o fluido puro dos bons Espíritos. Trata-se, assim, de dois gêneros de magnetismo, que se distinguem por sua origem: o magnetismo humano e o magnetismo espiritual.

Auxílio dos bons espíritos

A mediunidade curadora requer, portanto, como condição absoluta, o auxílio dos bons Espíritos. Por mais puro que seja, um licor sempre se altera ao passar por um vasilhame impuro. O mesmo se dá com o fluido dos Espíritos superiores, ao passar pelos encarnados. Daí advém, para as pessoas em quem se revele essa preciosa faculdade, e que desejem que ela se engrandeça, ao invés de se perder, a necessidade de trabalhar incessantemente para sua melhoria moral.

Uma vez que os fluidos benfazejos são próprios aos Espíritos superiores, é desses Espíritos que é preciso que se obtenha ajuda. Para tanto, a prece e a invocação são necessárias. Mas para orar, e sobretudo para orar com fervor, é necessário ter fé. Para que a prece seja ouvida, ela tem de ser feita com humildade, e ditada por um sentimento de benevolência e caridade. (...) Se há uma faculdade dada por Deus com objetivo santo, é, sem dúvida, a da mediunidade curadora, porque exige, imperiosamente, o concurso dos Espíritos superiores, e tal concurso não pode ser concedido ao charlatanismo, à cupidez e ao orgulho. Essa faculdade se revela pelos resultados positivos. O desejo de possuí-la para um objetivo útil pode desenvolvê-la; a pretensão não a dá. O orgulho, o egoísmo, a cupidez, a ambição e todos os sentimentos contrários à verdadeira caridade fazem que se perca; pode ser retirada gradual ou instantaneamente. Dentre todas as faculdades mediúnicas, é uma das que menos se prestam à exploração.

O papel da fé

 A fé, por parte do enfermo, não é absolutamente necessária, porém ajuda poderosamente, pois se ele ora atrai para si os bons Espíritos, que podem querer recompensar sua confiança em Deus, como podem também querer punir sua incredulidade. Essa a razão pela qual Jesus muitas vezes dizia àqueles a quem curava: “Ide!, vossa fé vos salvou.”

 Se a mediunidade curadora, no sentido rigoroso do termo, é privilégio de certas pessoas especialmente dotadas, está no poder de qualquer um, médium ou não, de pedir, para um enfermo, a assistência dos bons Espíritos, e de exercer, por si só, uma ação direta mais ou menos salutar sobre ele, pelo pensamento fortalecido pela vontade, pela prece fervorosa e um ardente desejo de aliviar seus sofrimentos.

Compreende-se facilmente que em tais casos unicamente a fé e a intenção podem conferir à prece as qualidades necessárias. (...) Para que a ação seja mais eficaz, é útil que se dê uma base ao pensamento e se compreenda a maneira pela qual ela se produz, concebendo-a como uma corrente fluídica que, no momento em questão, se estabelece entre aquele que ora e o paciente, que recebe assim um eflúvio benfazejo.

O poder dessa ação necessariamente aumenta quando várias pessoas se unem, pela intenção, para obter o mesmo resultado.

A prece, nessas circunstâncias, torna-se todo-poderosa; mas mesmo que não seja suficiente para levar a uma cura completa, e mesmo que o doente sucumba, não se deve concluir que não teve nenhum resultado. Não conseguisse ela senão dar a calma moral e amenizar os sofrimentos dos últimos instantes, já seria alguma coisa. Tem, porém, um efeito ainda mais importante: tornar a passagem de uma vida à outra menos penosa, auxiliando o desprendimento da alma. Além disso, ainda que a vida não se tenha, por efeito da prece, prolongado senão de umas poucas horas, isso já poderá propiciar ao enfermo salutares reflexões para o seu porvir. 

Os comentários de Kardec

A mediunidade curadora tem diferentes graus de poder. Os que a possuem no mais alto grau obtêm curas quase instantâneas por um simples toque, e algumas vezes só pelo olhar. Alguns atuam eficazmente mesmo à distância, dirigindo para o enfermo o pensamento. Certos médiuns curadores são também dotados de uma segunda vista, que lhes permite, sem que estejam em sono magnético, ver o mal interno e descrevê-lo. Nem todas as curas se obtêm com a mesma prontidão, o que depende tanto da natureza da doença como do poder do médium. Casos há em que se fazem necessárias muitas emissões fluídicas, raramente porém de mais de cinco a dez minutos cada uma.

Novos horizontes

A mediunidade curadora vem abrir novos horizontes à ciência, provando-lhe que existe algo além do que ela conhece e ensina. Foi com vistas a fazê-la sair da trilha do materialismo, abalando os incrédulos por fatos numerosos e autênticos, que os fenômenos desse gênero tendem hoje a se multiplicar, como já foi anunciado. Para que ficasse demonstrado que essa faculdade não é nem uma exceção, nem um dom maravilhoso, e sim a aplicação de uma força natural, de uma lei até agora desconhecida, era preciso que os instrumentos se multiplicassem. É um dos mil modos providenciais empregados para apressar o estabelecimento do espiritismo, e que terá, além disso, o resultado de fazer que a medicina entre num novo caminho. Se tão frequentemente ela fracassa, é porque não vê senão a matéria. Quando levar em conta, na economia orgânica, a ação do elemento espiritual, e quando os médicos souberem se fazer auxiliar pelos bons Espíritos, a medicina triunfará naqueles casos em que agora se vê forçada a admitir sua impotência. 

Além da matéria

Não vendo em seu enfermo senão uma máquina desorganizada, o médico materialista busca apenas restaurar a matéria por meio da matéria. Como não se dá conta da existência da alma, dela não se ocupa. Conhecesse, porém, o papel fisiológico da alma e de seu perispírito, bem como as relações fluídicas existentes entre o Espírito e a matéria, compreenderia ele a reação salutar que o Espírito pode operar sobre os órgãos, agindo sobre a alma pelo pensamento, tornando-se ao mesmo tempo médico da alma e médico do corpo. O pulso, as oscilações, não passam, para ele, de sintomas materiais. Mas se seu pensamento não se limitasse à matéria tangível, ao tomar o pulso poderia fazer correr nas veias do enfermo um eflúvio benfazejo mais eficaz que os medicamentos; pelo olhar infundiria nele um fluido reparador capaz de apressar a cura. Numa palavra: com a fé e a assistência dos bons Espíritos o médico decuplicaria os recursos da ciência e operaria prodígios. A mediunidade curadora não vem, portanto, destronar a medicina, nem os médicos em geral, mas apenas a medicina e os médicos materialistas.