O sentido espiritual da Páscoa

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Por Eliana Haddad

Com a aproximação das festas religiosas da Páscoa, é preciso lembrar que muito mais do que a fixação das imagens de suplício e de dor, do Mestre na cruz, devem prevalecer em nossas mentes os exemplos de amor que Ele deixou. Sua figura calma e serena e suas lições de felicidade e esperança, essas sim, devem fazer parte das nossas lembranças, convidando-nos à nossa renovação constante de todos os dias e não apenas nas datas comemorativas.

A verdade é que fazemos parte de uma história, cujas tradições e hábitos ainda estão fortemente arraigados em nós, que já passamos entre idas e vindas por tantas fases de despertar e conhecimento espiritual. Por isso é bom saber sobre os feriados “santos” de que desfrutamos.

Afinal, o que é a Páscoa?

De acordo com a Torá, os judeus preparavam todos os anos a ceia tradicional da Páscoa, relembrando o êxodo do Egito de seus antepassados em busca da Terra Prometida. Vinda da palavra hebraica pesach, Páscoa quer dizer passagem, podendo significar passagem da escravidão para a liberdade, passagem da morte para a vida, do velho para o novo.

Para algumas escolas religiosas, a Páscoa encerra o sentido de ressurreição, isto é, a passagem da libertação do espírito para a Terra Prometida. Como preparo para essa época, há um período de 40 dias (quaresma), caracterizado por jejuns, penitências e reflexões; tristeza, dor e luto, abstinência de carne e longas orações.

Bastante suavizadas pela Igreja a partir dos anos 1960, por ocasião do Concílio Vaticano II, essas práticas aos poucos vão senso substituídas pela maior preocupação de se passar aos fiéis o sentido de transformação da morte em vida, como verdadeiro símbolo da Páscoa, a ressurreição do amor universal.

A ressurreição de Jesus

Como espíritas, sabemos que a ressurreição de Jesus se refere apenas ao seu aparecimento através de seu perispírito (corpo espiritual), materializado ou não, após a morte de seu corpo físico, afinal ele mesmo dissera que não teria vindo para derrogar as leis, no caso as divinas, eternas e imutáveis. A Páscoa para nós representaria, então, o retorno de Jesus à vida espiritual, interessando-nos muito mais as lições que Ele deixara através de tantos exemplos, do que as festas, cerimônias e rituais que foram instituídos para recordar sua passagem terrena.

Diante das comemorações da Semana Santa, vale a pena salientar, contudo, algumas considerações oportunas sobre o assunto, à luz da doutrina espírita.

Praticar o jejum ou aplicar uma mancha de cinza no corpo, por exemplo, de forma alguma apagarão “pecados” ou outorgarão virtudes, algo que é de teor interno, do espírito, e que somente nós mesmos conseguiremos no decorrer de nossas várias experiências, com muito amor, esforço e trabalho.

Os apóstolos de Jesus, também, por exemplo, não eram adeptos do jejum, como estabelecia a tradição judaica da época, tendo o Mestre inclusive comentado que o que de fora entra no homem não pode contaminá-lo, porque não entraria no seu coração, mas no seu ventre, e de lá seria portanto lançado fora, nada lhe restando na essência espiritual.

Jesus ensinou mesmo que é o que sai do coração do homem que contamina e não o que entra pela boca. É que do interior do coração saem os maus pensamentos, as avarezas, a idolatria, a inveja, a blasfemia, a soberba e a loucura, afastando-o de Deus. (Leia-se Marcos 7:13-23)

Jesus vitorioso

É bom lembrar ainda que Jesus sabia, durante a realização da última ceia com os apóstolos, por ocasião das comemorações da Páscoa judaica, que se aproximava o momento de seu retorno à patria espiritutal. Como Jesus poderia anunciar sua despedida com tanta segurança? Somente um espírito muito evoluído poderia ter passado por tantos suplícios físicos e morais com tamanha coragem, fé e serenidade, dando incansavelmente seu testemunho de amor e fraternidade, exemplos de quem sabia verdadeiramente amar.

Ciente de sua vitória espiritual, da sua missão cumprida através de sua vinda à Terra, não lhe cabia o papel de derrotado, de decepções e mágoas como numa relação familiar comum entre espíritos menos evoluídos, que vemos todos os dias pela própria necessidade de nosos aprendizados.

Jesus não tinha o que aprender. Por isso, embora açoitado e crucficado, contava com a resignação dos que confiam, dos que têm o conhecimento da verdade e da justa medida do bem-sofrer. “Não se turbe o vosso coração; na casa do meu Pai há muitas moradas; vou prepará-los e vos levarei comigo; orai e vigiai pra não entrardes em tentação; minha paz vos dou; se eu não for, o Consolador não virá” foram algumas dessas lições de sabedoria que ele deixou, por amar e conhecer em identidade com o Pai.

Daí outras belas lições; “eu e o Pai somos um”, “podeis fazer o que eu faço e muito mais”, “não sou eu que faço, mas o Pai que vive em mim”.

Sem a interpretação espiritual da letra, impossível compreender a profundidade de tantos ensinamentos.

A beleza das lições

Inúmeros exemplos. Mas que não foram suficientes para que a figura de Jesus não fosse senão lembrada e relembrada na Terra como sinônimo de chagas, espinhos, sangue, desilusão, sofrimento.

Se analisarmos sua tarefa terrena, ficaremos emocionados, sim, mas muito mais tocados pela beleza da imensa lição de amor e de sabedoria que representou sua vinda até nós, da sua verdadeira comunhão com Deus por compartilhar, pelo seu grau evolutivo, das Suas ideias. Passagens que trazem a alegria da fé, a esperança, o consolo e a coragem dos que sabem amar.

Essa visão mais positiva – bem oposta, aliás, àquela que nos tem sido passada, principalmente nos tradicionais filmes reprisados nessa época da chamada Semana Santa, de dor, tristeza, lamento, traição e desilusão –, faria com que toda a Humanidade aprendesse a ver realmente o período da Páscoa como mais uma oportunidade de reflexão e renovação, de estímulo para se cultivar as virtudes, porém sem culpas ou remorsos; muito mais com a certeza de incentivo para que participemos ativamente dessa passagem, no esforço de cada dia nesse banquete íntimo de renovação de nós mesmos.

Esta foi a verdadeira missão de Jesus na Terra: exemplificar, mostrar não somente a Lei, mas vivenciá-la em sua plenitude, indicando os caminhos para melhor cumpri-la e sermos mais felizes. Uma felicidade que não é deste mundo, dirão alguns mais afoitos, desanimando-se, por não entenderem que esse mundo não se refere somente à morada terrena, mas ao mundo das coisas puramente materiais, às quais espíritos ainda imperfeitos que somos estão sujeitos em seu caminho evolutivo, como o livro adequado que têm à disposição para seu aprendizado.

A felicidade de que Jesus nos fala se relaciona às aquisições espirituais. E isso é Páscoa, é renovação. Tem por base o desenvolvimento do amor e do conhecimento, que exigem trabalho, observação, dedicação, estudo e prática no exercício do Bem, por amor a Deus, ao próximo e a si mesmo. E esse é o nosso desafio, base da lei para começarmos a compreender o que seria afinal ser feliz e não estar feliz.

Essa mudança requer renovação interior e pode até mesmo começar na Páscoa, por que não? É olhar para dentro de si mesmo e reconhecer-se, esforçando-se para arrumar o que ainda nos faz sofrer.

O perdão de Jesus

Outro ponto importante a considerar é que Jesus não perdeu uma única oportunidade para nos auxiliar na busca dessa felicidade. Não vai trilhar por nós, e deixou isso claro. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Sigamo-lo, então.

Ciente das nossas imperfeições, compreendendo o nosso estado evolutivo, não haveria motivo para nos culpar pela sua condenação e morte, para passarmos depois a adorá-lo num mea culpa sem fim como símbolo da nossa rebeldia. Não. Ele não falou da Boa Nova para nos conquistar pela culpa, deixando nossos corações amargurados e apertados, sofrendo o remorso até o fim de nossos dias, reservados à tristeza e à monotonia de uma fé imatura de pedidos e mais pedidos de perdão. Isso não seria segui-lo.

De que serviriam tantas clemências com tão poucas oportunidades de reformulação? Tanto Jesus sabia da nossa inferioridade e da nossa necessidade de amor e discernimento, crianças espirituais, tolas ainda, que ele mesmo pediu: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!”

O Mestre veio, assim, nos salvar da ignorância, mostrando o amor, como a outra face para a solução dos nossos problemas. Trouxe uma nova ordem, para atingirmos a felicidade, que se prendia muito mais às coisas do espírito. E ensinou que a misericórdia divina está justamente na dádiva das inúmeras oportunidades que nos são concedidas para aprender e amar.

Que aproveitemos, assim, então mais uma delas. Boa reflexão, boa renovação, boa Páscoa a todos!

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