Herminio Miranda e os bastidores da conversa com os espíritos
Por Eliana Haddad
Durante os meses de junho e julho, o canal do Youtube do divulgador espírita Bruno Tavares apresentou em cinco episódios uma série de lives com Ana-Maria Miranda, filha de Herminio Miranda (1920-2013), compartilhando com o público um vídeo inédito de uma palestra que o escritor e pesquisador realizou em abril de 1987, em Botucatu, interior de São Paulo.
“Sou um escriba e não um tribuno,” disse Herminio, justificando as raras vezes que realizou uma palestra, ao iniciar o seminário “Mediunidade, obsessão e desobsessão”, de duas horas e meia, no Encontro espírita sobre mediunidade e desobsessão.
No encontro, Herminio fala sobre suas emocionantes experiências com os espíritos em reuniões mediúnicas.
Para explicar sua trajetória no espiritismo, Herminio analisa a vida como um tapete: “A gente vai tecendo e fazendo desenhos com diversos fios, que seriam as nossas experiências”.
Muito interessante constatar como ele foi levado, aos poucos, à autoria de centenas de artigos e cerca de 40 livros, tão importantes para a pesquisa e estudo sobre mediunidade, desobsessão e compreensão do sofrimento de tantos espíritos que com ele conversaram, expondo suas revoltas, medos e desconhecimento de compromissos assumidos com a lei divina.
Essas experiências foram publicadas pela Correio Fraterno na consagrada série “Histórias que os espíritos contaram” (Veja ao lado) e serviram também como base para um dos títulos mais lidos pelos espíritas, o livro Diálogo com as sombras (FEB). “Eu não sei lidar com os espíritos sem sofrer ou rir com eles. Nessa tarefa, é preciso ter emoção”, explica Herminio, que revela nunca haver pensado em escrever um livro como esse.
“Resolvi entrar no espiritismo pela porta da frente. Procurei um amigo espírita, Euclides Fleury, que me relacionou as obras que eu deveria ler para me inteirar do assunto – O livro dos espíritos, o livro dos médiuns, O evangelho segundo o espiritismo, O céu e o inferno e A gênese” – anotou mais dois nomes: Léon Denis e Gabriel Delanne.
“Fiquei perplexo quando li O livro dos espíritos. Parecia que eu já o havia lido. Anos depois, Divaldo [Franco] me revelaria que em vida anterior eu havia conhecido pessoalmente Kardec e teria feito a ele, inclusive, algumas perguntas”, comenta. [Herminio teria vivido em Paris, de 1856 a 1861.]
Não pela mente, mas pelo amor
Sua experiência em reuniões mediúnicas começou quando Fleury o convidou para frequentar um pequeno grupo que realizava a antiga ‘sessão com o copo’. Depois, o trabalho se aprimorou através de alguns médiuns, dentre os quais Deolindo Amorim, que segundo ele recebia muitos sacerdotes. O grupo decidiu que Herminio conversaria com os espíritos. “Aceitei a decisão, e foi assim que comecei a aprender com eles. Depois de muito estudo, cria-se maior segurança para se conseguir até debater, mas não é pelo intelecto que se chega até eles, mas pelo coração. Muito cedo descobri isso”, esclarece.
“É preciso buscar sempre onde está a emoção, qual a ‘melhor corda a se tocar’. Os espíritos não são demônios, são gente com dor, com agonias milenares. Eles querem e precisam sair daquela situação e não conseguem. É preciso buscar e indicar a saída. E quando se fala de seus amores, eles se defendem. Mas é preciso ter certeza de uma coisa: a chama do amor está ali, porque não se apaga nunca. Se você conseguir soprar um pouquinho, ela logo se acende – é uma chama que não queima, só ilumina.
É preciso ter muita paciência, muito carinho. São criaturas cheias de dor e que se metem em complicações tão grandes com a Lei, que acham que não tem mais volta, que de onde estão é só para a escuridão maior. Mas eles são todos seres de luz rumo à perfeição, porque Deus colocou em nós a sua partícula e temos assim todas as possibilidades de crescimento”, explica.
Conta que uma vez perguntou a um deles: “Meu amigo, você foge de quê?” Segundo Herminio, fogem de si mesmos, porque as leis de Deus estão à nossa disposição para que façamos o caminho de volta. “Por que correr de Deus, para onde você vai? Não existe um lugar sem Deus em nenhuma parte do universo. Vamos racionalizar! Não é inteligente o que você está fazendo”.
Compromisso da reunião mediúnica
O escritor chama a atenção também para o sério compromisso dos componentes de uma reunião mediúnica. “O trabalho mediúnico tem tempo integral, não dura uma ou duas horas. Estamos trabalhando e sendo ‘vigiados’ sempre para nosso melhor aprendizado”. E isso seria oportunidade e não um fardo, diz ele, destacando também que é preciso fazer as pessoas compreenderem que a lei é educativa e não punitiva. Ela não aprova, mas autoriza a cobrança, e vai agir na consciência sobre aquele que errou. “Ora, que negócio é esse de querer impor a dor, se ela vai voltar pra mim?”, alerta. Outro ponto importante a ser considerado é o perdão. “Quem perdoa se liberta”, lembra.
Herminio revela também alguns bastidores de muitos casos relatados em seus livros. Sobre a “dama da noite” – personagem que dá nome a um dos livros da citada série – explicou que uma senhora o havia procurado no Rio de Janeiro com “diversas complicações cármicas” e que os espíritos ligados àquele caso começaram a ser levados para as reuniões. “Eu nunca falei com ela sobre isso e ela nem sabe que ela é a “dama da noite”. A obra, explica Herminio, traz narrativas de espíritos ligados à Grécia Antiga. “São histórias curiosíssimas. Nunca passei tanta emoção na minha vida inteira como com esses companheiros. Não eram pessoas más, eram seres inteligentes; tinham uma cultura enorme e de uma grande sabedoria”.
Uma vez, também, veio um espírito do capítulo “Angélica e a fé” – de As mãos de minha irmã – que disse: ‘Eu vim aqui para agradecer, não só pelo o que vocês fizeram por nós, como também pelo livro que você escreveu, que está sendo lido por pessoas muito sensíveis, que se emocionam e, ao lerem essa história, se envolvem e suscitam tantas vibrações de amor em favor daquelas criaturas”.
Conta também o caso de uma mulher cientista que tinha uma dor muito grande, um companheiro que dela se distanciou de tal maneira que ela não tinha como alcançá-lo. Em sua fantasia, ela estava construindo uma nave especial para que pudesse voar e encontrá-lo. “Você não vai conseguir...”, disse e, após muitas batalhas verbais, ela se convenceu. “Não pela inteligência, pelos meus argumentos, mas pelo amor.”
Em dezembro de 1987, ela e também “o exilado” se manifestaram e vieram se despedir. E o exilado ainda comentou: “Achei bonito aquele desenho com o chapéu que vocês colocaram na capa do livro”.
Saudades do futuro
Emocionado, Herminio esclarece que “aquele que quer te destruir é o amigo que você ainda não conseguiu fazer. Depois que eles se tornam amigos, tornam-se verdadeiros companheiros e querem fazer algo por você. São coisas que nos deixam marcas, que ficam registradas no nosso espírito. Todas essas experiências me deixaram realmente perplexo. Como fui colocado nesse trabalho, como conquistei tantos amigos?” – questiona-se.
“Às vezes tenho saudades do futuro, um tempo de paz e felicidade onde todos vamos nos encontrar e que está programado para nós, porque fomos criados para a perfeição”, desabafa.
Segundo Herminio, o que se aprende no trabalho mediúnico são fatos da vida. “São lições que a gente não cansa de aprender. Tenho aprendido mais com os espíritos do que ensinado. A gente precisa ter paciência para ouvir primeiro. São histórias fascinantes. Eles têm necessidade de ser ouvidos e às vezes os grupos mediúnicos são muito apressados. Temos que dar tempo para ouvir o que a pessoa está sentindo, o que precisa falar, quais são suas necessidades, qual a sua dor. Há sempre uma criatura escondida atrás da dor. E como fogem da dor, como fogem de si mesmos! Sabem que uma vez assumidas as responsabilidades, não há como não as reparar. Eles se alienam no esquecimento. Vão ter que enfrentá-las. Não há o que fazer. Temos que servir com amor, paciência, empatia. Você tem que participar das emoções daquele espírito.”
O escritor ainda comenta na palestra sobre as obsessões individuais e coletivas, a respeito do movimento espírita. “O espiritismo é hoje a única forma de cristianismo puro, se tivermos o cuidado de zelar pela doutrina que nos foi confiada ou vamos responder por isso”.
Terminada a apresentação do vídeo, Ana-Maria comentou como o pai era mesmo um homem de bem. “Ele era um homem bom e a tônica da vida dele sempre foi baseada em Deus e o Amor. Agradeço a Deus todos os dias por tê-lo como pai”, enfatizou.
As lives foram gravadas e podem ser acessadas em:
O série de livros que Herminio publicou pelo Correio Fraterno traz os diálogos realizados com os espíritos em seu pequeno grupo mediúnico. Além das narrativas emocionantes das histórias, vale ressaltar o modo como Herminio Miranda conversa com os espíritos desencarnados, que trazem suas dores e buscam alguma saída. Ele os escuta com empatia, interesse e muito amor, valorizando o que trazem ao revelar suas histórias mais íntimas, e busca conscientizá-los sobre seus enganos perante a lei divina, despertando suas mais profundas emoções. Sua cultura possibilita uma conversa inteligente, lógica e amorosa, acolhendo detalhes e defesas muitas vezes inconscientes que servem para retardar o despertamento para o Bem e a felicidade. Os quatro livros que formam a coleção – A dama da noite, O exilado, A irmã do vizir e As mãos da minha irmã – podem ser lidos também em e-book.
Leia a história completa de O exilado em https://correio.news/leitura/angelica-e-a-fe