Alzheimer: O papel da doença e o desafio do envelhecimento

Por Eliana Haddad

Médico geriatra Luís Gustavo

Médico geriatra Luís Gustavo

O Alzheimer é uma doença degenerativa que preocupa a população e desafia profissionais da área de saúde, constituindo-se em interessante objeto de análise quando o assunto é envelhecimento. Há pontos importantes a serem descobertos na delicada integração corpo – mente. O médico geriatra Luís Gustavo Langoni Mariott, secretário da Associação Médico-Espírita de São Paulo, coordenou a elaboração da cartilha Cuidados paliativos – conhecer e multiplicar, com a finalidade de oferecer gratuitamente informações sobre este assunto, destacando a necessidade de se considerar as pessoas através da dimensão bio-psico-socioespiritual. Vale conferir a entrevista que ele concedeu ao Correio Fraterno.

O que é o Alzheimer?
É uma doença cerebral degenerativa, progressiva e incurável, que leva à morte de neurônios cerebrais. O mecanismo da doença está associado a um acúmulo de proteínas tóxicas junto a células cerebrais saudáveis, resultando em sua morte. Seus sintomas são caracterizados principalmente pelo comprometimento ou perda de memória de forma lenta e relacionada a fatos recentes ou atuais, diminuindo a capacidade de reconhecimento de coisas e pessoas. Também há prejuízo da linguagem e da capacidade de fazer julgamento, planos, executar tarefas ou resolver problemas. Nas fases mais avançadas, há o comprometimento na capacidade de autocuidado e alguns sintomas psiquiátricos podem estar presentes. A pessoa portadora da doença frequentemente terá mudanças em seu comportamento, tornando-se ansioso, irritável ou deprimido, perdendo o interesse em atividades e hobbies.

 

O que pode predispor à doença?
A literatura científica atual apresenta alguns fatores que parecem estar associados a um maior risco de desenvolvimento da doença: a idade avançada, história familiar, alterações genéticas, hipertensão arterial, diabetes, dieta inadequada, inatividade física, história anterior de traumatismo cerebral, história de doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral) e o baixo nível sócio-econômico-educacional.


Quais os principais sintomas observados no início do quadro dessa doença?
Eles começam discretos, mas pioram ao longo do tempo e começam a interferir no dia a dia: perder objetos dentro de casa, esquecer panelas ligadas no fogão e de trancar portas, repetir várias vezes a mesma história, dificuldade para encontrar a palavra certa em uma conversa ou esquecer o nome de alguém muito próximo; esquecer conversas ou compromissos, perder-se em um lugar familiar, repetir várias vezes o mesmo assunto ou perguntas, dificuldade em se concentrar ou organizar para cozinhar uma refeição, tomar medicamentos; confusão com datas, dificuldade em nomear objetos.


O esquecimento faz parte do envelhecimento? A memória não está no espírito? Por que isso acontece?
A perda de memória pode fazer parte do envelhecimento normal. Isto está relacionado a uma série de mudanças estruturais, neurofisiológicas e neuroquímicas, que enfraquecem a memória, a atenção e outras funções cerebrais, mas não afetam significativamente o dia a dia. Dentro da concepção espírita, o ser humano é constituído de corpo físico, perispírito e espírito, onde essas partes se relacionam entre si continuamente quando está encarnado. Logo, se há uma lesão ou desgaste natural no corpo físico, o Espírito encontrará dificuldades proporcionais a essas alterações para se manifestar e atuar no corpo. Podemos supor, desta forma, que haveria a memória mais abrangente e mais duradoura, situada no Espírito, e aquela menos abrangente e menos duradoura, perecível aos efeitos do envelhecimento e sujeita aos processos neurodegenerativos, localizada no cérebro físico.


E espiritualmente, como podemos analisar o Alzheimer?
Se estudarmos todos os fenômenos relacionados ao processo saúde e doença, a partir das obras de Kardec e André Luiz, chegaremos à conclusão de que todos eles se originam do pensamento. Há um bom exemplo, dado pelo orientador Clarêncio a André Luiz no livro Entre a terra e o céu, no capítulo 20. Ele observa que, quando a nossa mente, por atos contrários à lei divina, prejudica a harmonia de qualquer fulcro de força de nossa alma, naturalmente se escraviza aos efeitos da ação desequilibrante, obrigando-se ao trabalho de reajuste. Logo, de alguma forma, determinados pensamentos, atitudes ou sentimentos contrários a lei divina, elaborados ou cultivados nesta presente encarnação ou em outras, estão na base de qualquer forma de adoecimento, incluído a doença de Alzheimer.

 

Qual o aprendizado para o espírito e seus familiares quando essa doença se instala?

Acredito que o grande aprendizado para o doente e sua família seja saber conviver com as limitações, com as perdas resultantes do comprometimento cerebral, ter um enfrentamento positivo, com ressignificação desta etapa da vida. A perda progressiva da capacidade funcional e da autonomia resultam em um processo árduo, em que paciente e familiares necessitam de conhecimento sobre o curso natural da doença e do recebimento de cuidados de suporte emocional, social, físico e espiritual. Muitas vezes, o quadro demencial vem ao encontro da possibilidade de reaproximação entre os corações, de filhos, netos, cônjuges, uma prova escolhida pelo espírito, e a necessidade pelos familiares do acolhimento fraternal, da manifestação de amor e carinho, de maneira que o paciente recolha todos os sentimentos amorosos, facilitando-lhe o desencarne e o ingresso à vida espiritual. É prudente estabelecer uma rotina em todos os cuidados, incluindo aqueles baseados na prece, na meditação e no uso dos recursos integrativos (água fluidificada, prece, leitura), o que poderá auxiliar até mesmo para os quadros de agitação e alteração de humor.


O que acontece com o espírito na velhice? Por que ficamos tão teimosos e carentes?
Para descrever melhor sobre as alterações emocionais que podem acontecer nessa fase da vida, é preciso que consideremos o idoso como um ser integral (corpo-mente-espírito). Do ponto de vista físico, sabemos que o envelhecimento é acompanhado pelas perdas naturais (os cabelos ficam brancos, a pele enrugada, menor acuidade visual, alteração no sistema do funcionamento dos rins, etc). Do ponto de vista social, emocional e espiritual, vamos construindo conquistas, realizações, vivendo estados de alegrias, tristezas ou frustações. A depender dos nossos valores, da nossa forma de enxergar a vida e os problemas inerentes a ela, temos maior ou menor propensão a adoecermos. O medo, a insegurança, a perda de entes queridos, a sensação de não termos realizado aquilo que projetamos para a nossa vida, a não aceitação de si mesmo ou dos outros, a dificuldade em se adaptar à vida pode nos trazer grande sofrimento e faz adotarmos, muitas vezes, comportamentos de vitimização, confronto e desesperança para com a vida.


Há prevenção, afinal?
Além de um controle adequado de condições de saúde que podem estar associadas com a doença de Alzheimer, como a hipertensão e o diabetes, é fundamental: ter uma alimentação saudável e equilibrada; praticar atividade física regular, ter acompanhamento médico regular; procurar estimular a memória e outras áreas do cérebro com leituras, jogos ou oficinas de memória, aprender novas ocupações, línguas diferentes, instrumentos musicais, artesanato, jardinagem; engajar-se em atividades voluntárias; evitar a solidão e o isolamento social; preparar-se para o envelhecimento em todas as suas dimensões; ter a disciplina das emoções, controlar o estresse e cultivar a espiritualidade; desenvolver o enfrentamento positivo para lidar com as situações adversas da vida.


O Alzheimer pode ser agravado por uma obsessão? Como lidar com essa sintonia?
Como toda e qualquer condição emocional, social, física e espiritual, os quadros obsessivos podem atuar nos diferentes problemas vivenciados pelo ser. Por isso, o processo de autoconhecimento, de espiritualização, não necessariamente vinculada a alguma religião, o máximo de bem que pudermos fazer a nós mesmos e aos outros, mantendo-nos num clima de harmonia, paz e auxílio mútuo, além da oração e a vigilância em nossos pensamentos, são instrumentos eficazes para a prevenção e o bom enfrentamento de situações semelhantes.


Em termos de progresso espiritual, que aprendizado pode ter alguém que se esqueceu de tudo e não tem objetivos?
O Espírito nunca está inativo ou estacionado. Podemos dizer, baseados em discussões e aprendizados do ponto de vista espiritual de alguns casos, que até mesmo nos quadros onde os comprometimentos funcional e cognitivo se fazem presentes e graves, o Espírito que passa pela condição do adoecimento é capaz de sentir todos os cuidados recebidos, incluindo sobretudo o amor e a paciência depositados a ele. A percepção do Espírito vai além da consciência física. Aquele que passa por essa condição terá grande possibilidade de mais breve reajuste perispiritual ao desencarnar, se não tiver consigo o sentimento de revolta, de medo e de abandono.


O que a sociedade precisa aprender sobre a velhice? Como você, pela sua experiência, está vendo o envelhecimento da população?
Viver bastante, mas sem propósitos na vida, sem buscar a integração com outras pessoas, sem aproveitar os instantes da existência física para sermos úteis ao semelhante, sem cuidar adequadamente do nosso vaso físico, buscando apenas uma vida de prazeres temporários, sem a capacidade de agregar conhecimentos novos, de conviver com pessoas de culturas diferentes, sem ter o equilíbrio interior e fé é desperdiçar a grande oportunidade que temos nesta encarnação. Precisamos mais do que nunca pensar coletivamente sobre as consequências e necessidades do envelhecimento.


Qual, afinal, o grande segredo para envelhecer bem?
Pesquisadores da Universidade de Harvard acompanharam centenas de pessoas ao longo de quase um século para avaliar os fatores que proporcionam uma vida mais saudável e feliz. Descobriram que bons relacionamentos mantêm as pessoas mais saudáveis e felizes. Conexões sociais são muito importantes: com os familiares, amigos e comunidade. Solidão mata as pessoas e as tornam infelizes, doentes. E não é importante a quantidade de amigos ou familiares que a pessoa tenha, mas a qualidade dos seus relacionamentos.
 

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)