A psicologia e o espiritismo em nossa transformação

Por  Eliana Haddad

Fundadora e presidente da Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas, Ercília Zilli

Fundadora e presidente da Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas, Ercília Zilli

A psicologia e o espiritismo têm muito a oferecer em nossa transformação, em função das conquistas e desafios ainda a serem enfrentados pela ciência com relação à existência do espírito e a importância do autoconhecimento para o processo evolutivo da humanidade. As questões referentes à hereditariedade, ao destino e à fé foram temas abordados pela psicóloga Ercília Zilli, fundadora e presidente da Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas. Em 2001, ela defendeu uma tese de mestrado em Ciência da Religião, na PUC-SP, comparando a teoria do psicanalista Leopold Szondi (1893-1986) e a doutrina espírita, principalmente nas obras de André Luiz. Às vésperas do 3º Congresso Brasileiro de Psicologia e Espiritismo, em 17 e 18 de agosto, em São Paulo, Ercília concedeu essa entrevista ao Correio Fraterno.

Como você analisa hoje a psicologia como ciência?

A psicologia é uma profissão regulamentada há mais de 50 anos. Conta com pesquisas realizadas em diversas partes do mundo. Se consultarmos os artigos publicados por pesquisadores, encontraremos as mais diversas áreas de interesse científico, muitos estudos comparativos e análise de grupos específicos. Hoje, a psicologia é uma ciência consolidada.

Como o espiritismo pode auxiliar a psicologia?

O espiritismo tem como base a ciência, a filosofia e a religião. Kardec elaborou os livros que são as bases da doutrina espírita por meio de pesquisas, conforme podemos comprovar analisando o seu método. O espiritismo propõe um código de evolução pautado em princípios morais e um processo constante de transformação interior. A psicologia oferece a oportunidade de autoconhecimento e de escolhas responsáveis e, portanto, também de transformação interior. O auxílio que o espiritismo pode oferecer à psicologia é o entendimento do psicólogo espírita, de que somos todos espíritos em evolução. Não se pode transformar uma sessão de psicoterapia numa discussão religiosa e proselitista. Mas, pode-se, e é desejável, criar um ambiente propício e acolhedor para que o paciente se sinta à vontade para tratar dos assuntos de seu interesse, inclusive da sua religiosidade.

Qual é o papel do psicólogo espírita?

Não existe uma psicologia espírita ou uma biologia religiosa. O psicólogo espírita tem o entendimento de que a pessoa que o procura em busca de alívio de algum sofrimento, de um processo de autoconhecimento, é um espírito que, entendendo ou não, verbalizando ou não, leva o seu projeto reencarnatório para discussão na psicoterapia. Deixamos claro que esta linguagem não é a do psicólogo no trato com o paciente, mas é frequente que pacientes espíritas utilizem esses conceitos no seu processo de psicoterapia.

No caso da ABRAPE – Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas, a atividade-fim é uma atuação profissional gratuita, voltada a pessoas de baixa renda. Portanto, todos somos voluntários. Os psicólogos são espíritas, mas o atendimento é laico. Unem-se em formato de associação por terem uma visão de trabalho pautada no que Emmanuel diz em Pensamento e vida1: o diploma é uma carta de crédito e a sociedade é o nosso lar coletivo.

 

Qual é a sua visão sobre a hereditariedade? Até que ponto nossos comportamentos e emoções têm a ver com a genética?

Como psicóloga, minha visão sobre hereditariedade é aquela preconizada pelo autor Leopold Szondi, de que o homem nasce com tendências que deverão ser canalizadas de forma socialmente aprovada e produtiva.
Como espírita, compartilho a visão do espírito André Luiz, que em sua obra Missionários da luz2 coloca que nascemos com tendências que deverão ser transformadas em qualidades. Vemos que são conceitos muito semelhantes.
A genética é uma ferramenta da qual o espírito se serve para crescer e evoluir e, ainda em Pensamento e vida, temos a orientação de que herdamos características psicológicas. Vemos a importância da família onde reencarnamos, que nos oferece além de um corpo físico com características físicas, um certo modo de ver a vida. É como dizer: "até aqui foi feito assim. Agora você faz as suas escolhas e deixa o seu legado, o seu aprendizado". Não significa que tenhamos um destino fatalista, mas um eixo reencarnatório, com alguns aspectos a serem equilibrados e conduzidos de forma a alcançarmos, gradativamente, a tão almejada evolução.

Como a psicologia pode nos auxiliar ou até mesmo acelerar o processo evolutivo?

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A psicologia propõe o autoconhecimento, que nos leva ao reconhecimento dos nossos padrões de funcionamento em nossos contatos. A busca do bem-estar emocional leva à correção de padrões que se repetem, por vezes por reencarnações sucessivas. O autoconhecimento nos leva a reconhecer o 'outro' de forma empática, portanto, nos sensibiliza. Ninguém evolui sozinho. Cada mudança, cada transformação, cada conquista, tem um impacto nas suas relações e no mundo onde vive.

Seus estudos contemplam que o gene a serviço do espírito seria a chave para a compreensão da evolução. Por quê?

Pelas questões que abordamos acima, quando nos referimos à hereditariedade, cada reencarnação precisa de um conjunto de tendências para que o espírito tenha os apontamentos e sinalizações necessários para a sua evolução. Nosso corpo, em que pese o início da nossa jornada evolutiva, é um tesouro de possibilidades. Em Evolução em dois mundos3, André Luiz nos aponta que a "célula é um campo mental". É um conceito profundo e que nos leva a refletir que, mesmo entre parentes próximos, vamos encontrar trajetórias semelhantes em alguns aspectos e diferentes em outros, o que sinaliza a especificidade do equipamento físico elaborado e destinado a cada um de nós.

Como lidar melhor com as nossas tendências na encarnação.? Podemos modificá-las?

O ponto máximo do nosso processo de conscientização e da evolução é a livre-escolha, algo ainda impossível de ser alcançado neste estágio da humanidade. Consta no nosso livro O espírito em terapia4: "livre-escolha significa conhecer-se a tal ponto que o processo de eleger os nossos objetos de afeto, e que refletem a nossa autoestima, seria feito sem compulsão e sem neurose". Não podemos modificar as nossas tendências, mas transformá-las em qualidades faz parte das nossas escolhas evolutivas. Esse nos parece ser o objetivo da reencarnação. A faca nas mãos de um assassino é utilizada de maneira diferente daquela em que um cirurgião a utiliza para salvar. A tendência seria a faca; o espírito, aquele que a utiliza conforme o seu grau de evolução. Importante ressaltar que, antes da reencarnação, nós espíritos, participamos da elaboração do nosso projeto reencarnatório, escolhendo as provas que fazem parte da vida na matéria, com o objetivo único de crescermos e evoluirmos.

Como você analisa o intenso crescimento da depressão?

Existe uma definição muito antiga, de tribos primitivas, de que a depressão é a 'perda da alma'. Parece-me uma definição muito atual, principalmente, quando vivemos um momento de transição planetária de grande importância. É fundamental ter e viver uma vida de significado, empática, amorosa e solidária. A educação tem um papel relevante nessa construção. Para Pestalozzi, em Na escola do mestre5, "educação é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do indivíduo". Portanto, educação é um processo pedagógico de tirar de dentro, o que significa que estamos equipados com todas as possibilidades e qualidades divinas.
Então, a depressão não é uma novidade, porém a vida de significado precisa ser oferecida e vivenciada. Relações humanas não podem ser substituídas por aparelhos, jogos. Ausências importantes na construção da personalidade da criança não podem ser substituídas por presentes ou entretenimentos. Voltando às tendências, a depressão é uma 'ferramenta' que nos habilita a sermos empáticos, fraternos diante do sofrimento do 'outro'.

E o comportamento egocêntrico, individualista, tão comum na atualidade?

Novamente, surge a questão da educação. É preciso aprender a conviver com o 'outro', aprender com o não, a nos tornarmos criaturas resilientes. Aprender a compartilhar é algo que se oferece desde a mais tenra idade. Para isso, é fundamental que as pessoas se preparem para o exercício sagrado da maternidade e paternidade. Acredito que o mundo das relações poderia ser bem melhor se as crianças frequentassem a evangelização oferecida nos centros espíritas e participassem, de acordo com o seu grau de entendimento, do Evangelho no Lar. Filho dá trabalho e é para sempre! Pais e mães, família, enfim, também!

O que fazer para conviver com as nossas dores e desafios?

Acho importante reavaliarmos a nossa relação com Deus, inteligência suprema e causa primária de todas as coisas. Se ele é todo amor e bondade, não faz sentido pensarmos que nos pune e castiga. Fomos criados simples e ignorantes, não maus. Ignorantes das Leis de Amor Infinito. Ignorantes de quem somos. Quando a dor surge, é fundamental nos perguntarmos o que foi que não entendemos. Sem revolta! Certos de que somos dotados Dele dentro de nós. Tem uma coisa que Deus não pode: criar algo imperfeito ou errado. Logo, a perfeição já está dentro de nós, espiritualmente. Cabe a cada um trazer à tona as maravilhas divinas de que somos portadores. Cada obstáculo pode ser visto como um degrau na escada da evolução inevitável, que é o nosso único destino. O tempo e o jeito é que depende de cada um.

Como ter uma vida emocionalmente saudável?

Não tenho uma fórmula, mas penso que a humildade é uma condição importante, pois nos permite reconhecer os nossos erros, aprender e traçar estratégias de crescimento espiritual. É preciso querer evoluir e trabalhar seriamente nesse sentido. A perfeição é a nossa meta. Com sabedoria, humildade e amor podemos construir uma vida emocionalmente saudável. Depende de não exigirmos o 'ótimo' neste momento e reconhecermos e agradecermos o 'bom'.

1 Psicografia: Chico Xavier, FEB.

2 Psicografia: Chico Xavier, FEB.

3 Psicografia: Chico Xavier, FEB.

4 Editora Mundo Maior.

5 Vinícius. Editora FEESP.

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)