Isolamento social: Um desafio para as relações humanas
Por Eliana Haddad
O isolamento social é um grande desafio para as relações humanas. O número de pessoas que buscam o atendimento fraterno com problemas de saúde mental nas casas espíritas superam em muitas vezes o das instituições hospitalares e de cuidados específicos. E o isolamento social é um dos assuntos que têm causado transtornos muito mais preocupantes do que imaginamos. A Associação Médico-Espírita do Brasil vem atuando com seus profissionais através da divulgação da importância de se considerar a visão integral da vida. O psicólogo Alan Della Bella, um dos incentivadores dos projetos do Departamento de Saúde Mental da AME-Brasil, adverte nessa entrevista sobre um dos assuntos que tem causado transtornos muito mais preocupantes do que imaginamos: o isolamento social. A demanda é crescente e tem como vilões o uso abusivo de álcool e outras drogas, além do índice cada vez maior de casos de depressão, pânico e ideações suicidas.
Como reconhecer os primeiros indícios do isolamento social?
Mesmo diante de um momento de muita tecnologia para a comunicação social, temos nos isolado do mundo. Tenho a impressão de que ao curtir uma foto ou mandar uma mensagem de otimismo, nos desincumbimos da cordialidade de um contato pessoal e seguimos sozinhos e amoitados em nossos celulares e computadores. Percebemos um grande número de pessoas em sofrimento de solidão, isolando-se do mundo real e enveredando para a companhia de álcool e outras drogas, como fuga social e mecanismo de alienação psicológica. Por horas, ficam navegando na internet, sendo preciso enorme esforço para conversações de qualquer assunto. Precisamos de muita atenção para notar os primeiros indícios de isolamento, buscando uma aproximação afetiva além dos momentos, como refeições em família, festas, eventos sociais, trajetos programados de deslocamentos etc... É preciso ampliar a escuta, a fim de perceber a atuação do indivíduo no seu protagonismo espontâneo, entendendo suas queixas e formas de lidar com os desafios que lhe surgem.
O isolamento social é uma doença? Ele é causa ou efeito dos quadros depressivos?
O isolamento social, para ser entendido como algo patológico, requer uma investigação acurada dos prejuízos causados à vida da pessoa, avaliando-se minuciosamente o comprometimento biopsicossocial decorrente desse comportamento, além de considerar o período de sua instalação. Pode ser entendido como um sintoma dos quadros depressivos. Nesse sentido, na maioria dos casos, é um efeito. Não obstante, há quem busque isolamento social como proposta terapêutica aos enfrentamentos pessoais.
Como estimular o cultivo a atividades que exijam maior socialização?
É mais fácil o engajamento naquilo que nos interessamos, naquilo que nos dá prazer. Para favorecer o cultivo a atividades sociais daquele que tem se isolado de forma nociva, é preciso apresentar-lhe sugestões que vão ao encontro do que ele se afiniza. Daí a necessidade de buscar uma aproximação que evidencie seus gostos e suas inclinações. Conhecendo-o na intimidade e entendendo suas questões, temos melhor noção do que poderemos lhe oferecer, na ampliação de seu vínculo ao convívio social.
As redes sociais nos aproximam ou nos afastam socialmente?
Depende da pessoa que se utiliza dessa ferramenta. O que temos percebido é um afastamento social. Infelizmente temos feito mau uso das redes sociais, pois embora tenha aumentado a comunicação e as descobertas, o afeto tem diminuído e, por nossa constituição psíquica, ainda precisamos do abraço, do colo, do olho no olho, do aperto de mão, do ombro amigo, da escuta particular, do conselho verbal, do carinho, do afago e de todos os caprichos da condição humana.
Qual a importância de se cultivar "um milhão de amigos"?
A rede social não retrata nossas amizades. Trata-se apenas de uma vitrine virtual humana destituída de afetividade. Por vezes, não encontramos um amigo sequer nos milhões de seguidores. Em minha opinião, não existe nada de importante nesse cultivo, uma vez que não atende aos nossos íntimos anseios existenciais.
Podemos dizer que o contato pessoal, o olho no olho, o abraço, estão se transformando em coisas do passado, como sustentáculos das relações pessoais?
Sim, temos nos tornado imediatistas. O mundo contemporâneo tem se transformado num palco de corrida desenfreada na busca de coisa nenhuma. Uma tentativa de conquistar o inatingível, um sonho de atingir uma perfeição que, em nossa constituição humana, é um devaneio, uma ilusão impossível, graças à nossa condição imperfeita. Não nos bastamos, precisamos do outro. Somos seres sociais e, quando nos dermos conta disso, faremos melhor uso das redes sociais e retomaremos as rédeas do único rebanho referido por Jesus, onde amar, dar afeto, acolher, será mais importante do que receber amor ou do que ter um milhão de "amigos" nos seguindo em redes sociais. A evolução pelo exercício da caridade, em sua essência, não cabe na restrição do mundo virtual.
Qual o papel da família na percepção dos sintomas de isolamento?
A família é de suma importância, nosso primeiro núcleo social, nosso grande compromisso espiritual e, muitas vezes, nosso vínculo de necessidades. Nesse sentido, é dela que esperamos as percepções mais sutis do isolamento social. Uma família vinculada, ainda que apresente suas dificuldades afetivas, deve ser funcional no interesse do outro e, quando me interesso, me comprometo e me sinto responsável no cuidado, no zelo, na proteção, no estímulo, no apoio, no acolhimento e na escuta, lançando mãos nessas ferramentas indispensáveis ao desvelamento dos sintomas.
O isolamento social tem alguma relação com a idade?
A incidência do isolamento social é maior em idosos, talvez por conta de uma restrição em suas redes sociais e da dificuldade de acessos por debilitações físicas e mentais. Todavia, esse problema tem se ampliado em todas as idades, inclusive em crianças. O isolamento social é uma questão que merece maior problematização das instituições de saúde, colocando em discussão os sintomas e ampliando as reflexões e intervenções a esse respeito.
O isolamento pode ser uma defesa contra as críticas, o bullying, a constatação dos nossos limites?
Pode ser uma fuga aos desafios pessoais. Quando há baixa autoestima, insegurança, com restritos conhecimentos sobre si e suas capacidades, tende-se a eleger o isolamento, em detrimento do enfrentamento às críticas, aos próprios limites. A esquiva ao que toca, ao que sensibiliza, ao que desconforta, ao que dói não resolve as questões sociais, psicológicas e outras, que tendem a se aprofundar, agravando consideravelmente o estado emocional e causando importantes prejuízos mentais.
Psicologicamente, qual o papel das relações interpessoais para o equilíbrio da mente e do corpo?
As relações interpessoais oferecem o espelho de quem somos. Só é possível a evolução pessoal na proposta filosófica do "vença-te a ti mesmo". A única chance de aprimoramento individual consiste na lapidação das más inclinações e esse aprimoramento moral requer o contato com o outro para a percepção das necessidades pessoais.
A vida digital está transformando as nossas relações para melhor ou pior?
Não podemos generalizar. Muitas pessoas transformaram sua vida social para melhor, pois não se renderam à vaidade do rótulo e abriram espaço para ampliação do contato com os seus. Isso não é, porém, o que acontece com a maioria, que piorou suas relações, em virtude do mau uso da rotina virtual, seja porque tornou-se usuário compulsivo e restringiu sua possibilidade de trocas sociais, ou mesmo porque livra-se do interesse real pelo outro a um simples clique virtual.
Mais de 120 milhões de depressivos no mundo (17 milhões só no Brasil). Por que tanta depressão?
Estamos depressivos porque nos colocamos isolados. Onde não há solidariedade, há solidão. Torna-se mais difícil encontrar sentido existencial na superficialidade da vida. A depressão é esse vazio que pressiona, vazio que ocupa espaço degenerativo, que furta a mobilidade, que destrói o interesse, que causa o isolamento social e a fuga de si. A vida virtual é superficial, apressada, desinteressada, egocêntrica e fútil em sua falta de profundidade e em sua realidade paralela. É a lacuna onde os sintomas depressivos encontram morada.
O suicídio, prevenível em 90% dos casos, por ter como principal causa problemas de ordem mental e emocional, poderia ter um novo olhar, se o convívio social fosse mais intensificado?
Sem dúvida. Esse novo olhar tornaria possível a identificação dos comportamentos que favorecem o autoextermínio, diminuindo consideravelmente essa problemática que só faz crescer e que deixa o Brasil na incômoda posição de oitavo lugar no mundo em número de ocorrências dessa natureza, sem ter muitas vezes com quem dividir fraternalmente as angústias, os desafios.
Qual o papel do conhecimento da espiritualidade para a melhoria da vida em sociedade?
Fundamental. Muda tudo. Quando nos conhecemos numa abordagem espiritual e colocamos em prática esse conhecimento, nosso referencial se transforma e nos deslocamos do protagonismo materialista para um lugar solidário em sociedade. Saímos do imediatismo dos interesses pessoais para o envolvimento em causas mais edificantes. O comportamento antes inconformado diante dos percalços atrozes, torna-se amistoso e resignado, graças ao ponto de vista espiritualizado e direcionado na certeza da justiça divina, em tudo o que nos acontece e na imortalidade da alma.
A religiosidade nos faz menos solitários?
Sim, sobretudo a religiosidade intrínseca, a que nos coloca em sintonia com as máximas proferidas por Jesus: "não fazer a outrem o que não quer para si e amar ao próximo como ama a si mesmo". Quando enveredamos por esses trajetos, nos tornamos solidários, participativos, inclusos, responsáveis, caridosos e experimentamos as consequências do altruísmo, que se transforma no antídoto contra a solidão.
Podemos progredir sozinhos?
Acredito que não. O progresso, ainda que seja a vitória sobre si mesmo, se dá no contato com o outro. Como vencer as sombras sem isso? Como mensurar a ampliação da tolerância sem considerar as diferenças? Como avaliar a vitória sobre os comportamentos de julgar, invejar, revoltar, envaidecer e todos os 'pecados capitais' sem o contato com o outro? Não podemos progredir sem a descoberta de quem somos e isso só é possível na verdadeira interação social.
O orgulho e o egoísmo têm parte na questão do relaxamento dos laços sociais?
O orgulho e o egoísmo são chagas que prejudicam nosso protagonismo e comprometem nossa reencarnação em todos os sentidos, dentre os quais, os laços sociais. Tanto um como o outro, em seu significado epistemológico, são antagônicos ao que entendemos como laços sociais, pois divergem da ideia de compartilhar, de dividir, de solidarizar, de incluir etc... Nesse sentido, eles favorecem o relaxamento dos laços sociais e acenam para uma atuação individualista, onde os caprichos pessoais e os interesses individuais se sobrepõem aos anseios de ordem coletiva.
(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)