Fotos raras de Allan Kardec e suas histórias
Por Adair Ribeiro Jr.*
As representações fotográficas de Allan Kardec são notavelmente limitadas. Uma das justificativas para tal escassez reside na própria evolução histórica da fotografia, cuja origem remonta à década de 1820, tornando-se inicialmente acessível a uma elite nas décadas subsequentes, à medida que o processo de fixação de imagens foi aperfeiçoado. Durante o século 19, a fotografia começou a integrar o cotidiano das pessoas, contudo, apenas fotógrafos profissionais, que operavam em estúdios, tinham a capacidade de adquirir um equipamento fotográfico.
Uma quantidade significativa de fontes primárias oriundas do arquivo pessoal do sistematizador da doutrina espírita foi adquirida na centenária livraria francesa Leymarie e, posteriormente, transferida para o Brasil. Este acervo deu origem ao Museu AKOL – Allan Kardec.online e, atualmente, está sendo disponibilizado pelo Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Na documentação, encontram-se algumas fotografias inéditas de Kardec e de sua esposa, Amélie Boudet, estas últimas já amplamente divulgadas nas redes sociais.
Uma dessas fotografias de Kardec data de aproximadamente 1860 (imagem 1). Ela é atribuída ao fotógrafo francês Christophe Emile Haering, que utilizava o pseudônimo Numa Fils e mantinha um ateliê fotográfico na Rue Vivienne, a poucas quadras da residência do casal Kardec. Recentemente, o AKOL adquiriu na França outra fotografia inédita do mestre Rivail (imagem 2). Nessa imagem, observa-se um Kardec mais envelhecido, com menos cabelo, perceptivelmente mais grisalho e aparentando um peso significativamente superior ao da fotografia anterior. Este registro foi realizado por Nadar, pseudônimo adotado por Félix Tournachon e que deu nome ao estúdio localizado no Boulevard des Capucines, 35, pouco mais de 900 metros do apartamento de Kardec. Nadar se notabilizou por fotografar grandes personalidades de sua época.
Curiosamente, essa última fotografia foi adquirida de um trineto de Eugène Vézy, um dos médiuns colaboradores da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, responsável por pelo menos vinte comunicações publicadas na Revista Espírita, uma das quais foi incorporada em O evangelho segundo o espiritismo, sob o título “Bem-aventurados os que têm fechados os olhos”.
O parente distante do médium ainda conserva uma importante correspondência datada de 12 de janeiro de 1864. A carta expressa toda a consideração do mestre, que felicita Vézy pelo nascimento de sua filha Henriette, bisavó do vendedor da fotografia. O destaque das felicitações de Kardec fica por conta da oração destinada à recém-nascida: "Bons espíritos que presidiram o nascimento desta criança e que devem acompanhá-la por toda a vida, não a abandoneis. Afastai os maus espíritos que tentarão levá-la ao mal; dai-lhe a força para resistir às suas sugestões e a coragem para suportar com paciência e resignação as provações que a aguardam na Terra."
Além da importância historiográfica da inédita imagem de Kardec, que estimamos ser do final dos anos 1868, é igualmente relevante que a referida prece tenha sido incluída no livro Imitação do evangelho segundo o espiritismo, publicado três meses após a escrita da carta.
*Adair Ribeiro Jr. é curador do Museu AKOL – Allan Kardec.online.