A loucura sob novo prisma completa cem anos
Por Luciano Klein Filho*
Bezerra de Menezes (1831 - 1900) foi, entre seus contemporâneos, aquele que mais se aprofundou e investiu nas análises científicas em torno da fenomenologia mediúnica no Brasil. Desconheço registros de trabalhos equivalentes realizados, durante aquele período, em terras brasileiras. Suas pesquisas equiparavam-se às dos principais investigadores europeus oitocentistas. O principal objeto de estudo delineado por ele, será a problemática da loucura, mostrando que a ciência até então não tinha como fazer o diagnóstico diferencial da loucura provocada por obsessões dos Espíritos.
Valendo-nos de conhecida expressão, ainda hoje muito em voga no Nordeste, arriscamos dizer que A loucura sob novo prisma foi o grande “xodó de Bezerra”. Pretendia deixar sua pesquisa como relevante legado à história da medicina. Desde 1886, passou a trabalhar obstinadamente a temática, tendo concorrido para isso o agravamento da saúde de um de seus filhos, diagnosticado como portador de enfermidade psiquiátrica.
Estudo da ação dos espíritos na psique humana
O estudo de Bezerra passaria por seguidas adaptações. Presumimos pretendesse dedicar a pesquisa ao filho, oferecendo ao mundo os resultados das investigações que fazia, por meio da explicação da problemática do rapaz e de casos congêneres, vista por um prisma diferente daquele apresentado até então pelos alienistas oitocentistas. Bezerra aguardou ansiosamente a publicação dessa obra, o que infelizmente não ocorreu antes de sua desencarnação.
Em artigo da série “Estudos Filosóficos”, veiculado no jornal O País, a 13 de fevereiro de 1893, ele cita:
“(...) Um dia, publicaremos um tratado, que escrevemos há dois anos, sobre este importante assunto: importante por entender com a ciência, importante por levar o bálsamo da consolação aos corações que sangram pela perda, pior que a da morte, dos entes que lhes são caros. (...)”
Referindo-se ao trabalho em fase de conclusão, declara:
“(...) Em nosso livro, consignamos os mais importantes casos deste gênero, perfeitamente autenticados, principalmente quanto à circunstância: de coincidir o desaparecimento da alienação mental com a desistência do perseguidor (...)”
A despeito do acima exposto, Bezerra não concluiria seu trabalho naquele ano. Na fase derradeira da série “Estudos Filosóficos”, publicada aos sábados na Gazeta da Tarde, na edição do dia 24 de setembro de 1898, ao responder a um de seus críticos, informa estar finalizando um trabalho científico, sobre o qual se detinha demoradamente com o propósito de aprimorá-lo. Pela primeira vez, ele menciona a tese, dando-lhe o título de Loucura por um novo prisma, muito próximo ao título definitivo:
“(...) Breve daremos à luz um livro, que denominamos – ‘A Loucura por Novo Prisma’ – em que autenticamos os mais notáveis deles. Até lá, contente-se o leitor com a autoridade do nosso caráter, incapaz de empregar sofismas ou falsidades para dar razões a qualquer de suas opiniões (...)”
Bezerra levaria sua tese ao Congresso Espiritualista em Paris
À vista disso, depreendemos que a pesquisa já se demorava por mais de um decênio. A demora de sua edição deveu-se, possivelmente, à sua intenção de apresentá-la no Congresso Espírita e Espiritualista Internacional de Paris, que aconteceria entre os dias 15 e 27 de setembro de 1900, na capital francesa.
Somente em 1920 foi que veio a lume a primeira edição de A loucura sob novo prisma, graças à extremosa dedicação dos filhos e genros de Bezerra, encarnados à época, em face da celebração do vigésimo aniversário de seu trespasse.
A tese de Bezerra tornou-se referência, na década de 1920, como obra de cunho científico, sendo utilizada recorrentemente para responder a ataques contra o espiritismo, classificado pelos seus adversários como “fábrica de loucos”. A década de 1930 foi marcada pelo lançamento de campanhas promovidas por alguns médicos contra o espiritismo, que agiam de modo preconceituoso contra uma doutrina que demonstravam conhecer superficialmente.
Acreditamos que o lançamento, de A loucura sob novo prisma, há um século, ocorreu de forma programada pela Espiritualidade, a fim de contra-argumentar (a partir de 1931, ano do centenário de nascimento de Bezerra) as críticas desferidas por alguns cientistas tendenciosos. O nome Bezerra de Menezes, não obstante decorridas três décadas do seu desenlace, ainda impunha grande respeito, devido às suas credenciais na área da ciência médica.
*Presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará e historiador, sócio efetivo do Instituto do Ceará: Histórico, Geográfico e Antropológico.