O trabalho entre os dois mundos para os ajustes de A gênese

Por Luciana Farias*

Trechos do manuscrito de Galileu incluídos em A gênese

Entre fevereiro e setembro de 1868, Allan Kardec trabalhou em parceria com espíritos para atualizar o conteúdo de sua última obra – A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo – lançada naquele ano. Quatro novos ensinamentos foram acrescentados ao texto, vários trechos foram revistos e algumas correções realizadas. Infelizmente, sua morte em 31 de março de 1869 o impediu de ver a nova edição nas livrarias. Coube à sua esposa, Amélie Boudet, cuidar das tramitações finais com editora e tipografia, para torná-la disponível ao público em três livrarias, ainda em 1869.

Como ficamos sabendo de tantos detalhes dessa história?

Acima, comunicação em que Galileu propõe complementos em seu texto sobre o aumento e diminuição do volume da Terra e o acréscimo em

A gênese (01/08/1868, médium Desliens)

Manuscritos adquiridos recentemente pelo museu AKOL da extinta Livraria Leymarie, em Paris, e também parte do acervo de cartas de Kardec, recebido por Canuto Abreu desta mesma fonte no início do século 20, contém o registro desses acontecimentos e muitos outros.

Foi um mês após ter sido lançada A gênese que um espírito sugeriu a Kardec que realizasse sem demora ajustes na obra para eliminar trechos que poderiam ser mal interpretados por detratores e para tornar o texto mais conciso, abrindo espaço para incluir elementos novos e urgentes.

Equipe de peso

Participaram dessa empreitada os espíritos Pierre Paul Didier (1800 -1865), o editor de O livro dos espíritos (a partir da 2.a edição), Galileu Galilei (1564-1642), astrônomo, físico e engenheiro italiano, e François Arago (1786-1853), matemático, físico e astrônomo francês, entre outros, cujos nomes não foram revelados.

Em julho, falando em nome de vários espíritos, Didier elogiou o progresso de Kardec, propôs mais alguns ajustes e concluiu: "Continue assim e faremos um bom trabalho". Arago recomendou a inclusão na obra de uma comunicação sua, que trata da solidariedade das revoluções morais e materiais (presente nos itens 8 e 10 do capítulo 18) pois, segundo ele, o filósofo e o cientista aí encontrariam proveito; também, de um texto ditado por ele como nota de rodapé no item 8 do capítulo 11. Galileu sugeriu o acréscimo de suas explicações sobre o aumento ou diminuição do volume da Terra (que consta no final do capítulo 11), fazendo a ressalva de que se tratava de uma opinião pessoal.

Edição rara

Acima, comunicação de Didier, que Kardec intitulou de “Correção de
A gênese” (18/07/1868, médium Desliens)

O próprio Kardec registrou, no rascunho de uma carta, que havia concluído a nova edição de A gênese com correções e acréscimos importantes e que, em setembro de 1868, o texto estava na tipografia para impressão das provas, uma das etapas iniciais para a publicação. Amélie declarou, em um relatório, que a tiragem dos exemplares da 5.a e da 6.a edição (as primeiras com o texto atualizado), só ocorreu no ano seguinte, com o custo unitário de 1,95 francos para os encadernados e prontos para venda. Um exemplar da 5.a edição de 1869, uma das citadas por Amélie, faz parte do acervo da biblioteca da Universidade de Neuchâtel, na Suíça. Trata-se de uma edição rara, da qual foi encontrado somente este exemplar, digitalizado e disponibilizado pelo museu AKOL em março de 2020.

O resultado do trabalho

Do trabalho colaborativo entre dois mundos foi escrita por Allan Kardec a edição revista, corrigida e aumentada de A gênese, traduzida para vários idiomas, como o português, espanhol e inglês.

Com base nos documentos da época preservados até a atualidade, conseguimos estruturar um resumo dos fatos ocorridos, sendo esta mais uma contribuição para a historiografia do espiritismo.

 

*Pesquisadora junto ao museu Allan Kardec Online e o CSI do Espiritismo (Imagens e Registros Históricos do Espiritismo. Também colabora com o site Obras de Kardec.

Transcrições dos arquivos: