Experiências espirituais são mais comuns do que se pensa
Por Eliana Haddad
A Universidade São Paulo, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde, da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, publicou um estudo sobre a prevalência de experiências espirituais e religiosas na população brasileira.
O trabalho foi desenvolvido pelos pesquisadores Maria Cristina Monteiro de Barros, Frederico Leão, Homero Vallada Filho, Giancarlo Lucchetti, Alexander Moreira-Almeida e Mario Prieto Peres, seguindo a proposta de mapeamento das experiências espirituais feita pelo biólogo inglês Alister Hardy (1896 – 1985), da Universidade de Oxford.
Consciência da transcendência
“Experiências espirituais e religiosas são fenômenos subjetivos comuns relacionados à consciência da transcendência, que transforma a percepção da vida, da morte e do sofrimento. Apesar da alta prevalência dessas experiências em todo o mundo, poucos estudos foram realizados fora da Europa e América do Norte”, publicaram os pesquisadores brasileiros em artigo sobre o tema.
Com seus estudos, Alister Hardy gerou um avanço na investigação das experiências espirituais, defendendo o transcendente como núcleo da espiritualidade e adotando uma abordagem não dogmática. Ele reconheceu que a evolução darwiniana não implicava apenas em materialismo, nem a mente era redutível à matéria. Suas ideias inovadoras e a realização de uma grande pesquisa no Reino Unido, a partir da década de 1970, acabaram por transformá-lo em referência no tema de pesquisa em experiências espirituais.
No Brasil, a pesquisa recente da USP e do NUPES contou com uma amostra de 1.053 adultos de todas as regiões do país e apontou também resultados interessantes, que demonstram serem as experiências espirituais e religiosas muito mais comuns do que se imagina:
Brasileiros e as experiências espirituais
- 92% dos participantes tiveram pelo menos uma experiência espiritual ou religiosa na vida.
- 84% tiveram experiências místicas (de união com Deus, com o universo ou de que tudo é sagrado).
- 71,6% usaram a intuição para tomar decisões.
- 70% tiveram sonhos premonitórios.
- 58% já viram, ouviram ou sentiram a presença de alguém que já morreu.
Presença da religião e espiritualidade
Vale ressaltar ainda que isso não acontece somente no Brasil. Segundo os pesquisadores, embora desde o final do século 19 várias previsões no mundo acadêmico apontassem para o fato de que o mundo passaria por uma transformação (processo histórico de secularização) e que a religião e a espiritualidade seriam abandonadas, estudos globais contradizem essas profecias. Atualmente, mais de 80% da população mundial relatam ter uma afiliação religiosa e 74% afirmam que a religião desempenha um papel importante em suas vidas diárias. Também, nas últimas décadas, houve um grande aumento no número de pesquisas com foco na relação entre espiritualidade e saúde.
A pesquisa com os brasileiros permitiu concluir, resumidamente, que experiências espirituais e religiosas são muito prevalentes em diferentes estratos da população, merecendo maior atenção de pesquisadores e clínicos para esclarecer sua natureza e implicações na saúde mental no país. A alta prevalência de diferentes tipos de experiências espirituais aponta para a necessidade de mais estudos transculturais e de métodos mistos para elucidar seu impacto na formação de crenças espirituais e religiosas e práticas relacionadas.
Os autores do artigo também evidenciam que, embora muitas pesquisas internacionais tenham encontrado significativa prevalência dessas experiências, as taxas entre os brasileiros são especialmente altas, independentemente da filiação religiosa dos participantes. Para eles, esses resultados sugerem que se trata de um fenômeno humano comum, em todos os estratos da sociedade. Além disso, as experiências espirituais seriam relatadas mais abertamente por mulheres e seriam mais prováveis de ocorrer entre pessoas de meia-idade, não apresentando relação com outras características sociodemográficas, como educação, etnia e renda.
Saiba mais em https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/13634615221088701 e www.nupes.ufjf.br