Dramas que se repetem dentro e fora da ficção
Por Arnaldo Rodrigues de Camargo*
“Dar ao corpo o que lhe é necessário, a fim de torná-lo servidor útil e não tirano, tal é a regra do homem criterioso.” – Léon Denis1
A ficção se mistura à realidade quando o tema é o abuso de álcool e outras drogas – e aqui incluo a cerveja e o cigarro, também classificados como tais.
A novela das nove da TV Globo, Vale Tudo, traz a personagem Heleninha (Paolla Oliveira), uma alcoolista em abstinência e recuperação. Como voluntário em clínicas especializadas, posso afirmar que a comovente história da personagem poderia ser substituída por tantas outras, de mulheres e homens em tratamento, muitos dos quais frequentando grupos anônimos.
Existe uma multidão invisível de usuários e dependentes que se recusam a admitir a doença ou sentem vergonha de – ou orgulho para – buscar ajuda. Não sabem que nesses espaços vão encontrar algo além de sobriedade: encontrarão uma nova chance de vida, com dignidade e sentido. Os grupos de apoio anônimos oferecem uma programação espiritual (sem conotação religiosa ou moralista) que acolhe e transforma. A grande chave está na identificação – a chamada “terapia do espelho”. O sofrimento, a angústia e a dor criam pontes entre os membros do grupo. O que um compartilha, o outro reconhece. E, nesse reflexo, nas histórias cruzadas, renasce a esperança. A recuperação independe de idade, classe social ou grau de instrução.
Enquanto isso, nas estradas, os dados da vida real assustam. Segundo o programa “Respeito à Vida – São Paulo Dirigindo com Responsabilidade” – uma parceria entre o governo do estado, municípios e concessionárias de estradas –, na emenda dos feriados da Semana Santa e Dia de Tiradentes, entre os dias 17 e 21 de abril, foram registradas 10.003 infrações de trânsito. Na fiscalização, 10.400 motoristas passaram pelo bafômetro e 376 deles foram autuados por dirigir alcoolizados ou por se recusar ao teste – 3,6%. No mesmo período, ocorreram 74 acidentes de trânsito, 52 deles com vítimas.
Esses números, somados aos dramas que se repetem dentro e fora da ficção, são um alerta. A recuperação é possível, mas o primeiro passo é reconhecer que há um problema. E procurar ajuda, assim como nos ensina o espírito Emmanuel: “Como realizar a grande jornada, se não nos dispomos a dar os primeiros passos? As gotas d’água formam o grande rio, e notas minúsculas compõem a sinfonia magistral.”2
A família exerce um papel fundamental na recuperação dos dependentes, seja do álcool ou de outras drogas. No livro Sinal verde, pela mediunidade de Chico Xavier, o espírito André Luiz aconselha: “Não adianta reprimenda para o irmão embriagado, de vez que ele, por si mesmo, já se sabe doente e menos feliz. Toda vez que você destaque o mal, mesmo inconscientemente, está procurando arrasar o bem. Não critique, auxilie. Para qualquer espécie de sofrimento, é possível oferecer uma migalha de alívio e amparo – ainda que essa migalha seja apenas um sorriso de simpatia e compreensão.”
A espiritualidade também colabora nesse processo. Em uma comunicação recebida em nosso centro, o espírito Cornélio Pires nos orientou a continuar atendendo essas pessoas no plano físico, pois, do lado de lá, o trabalho é igualmente intenso. Segundo ele, há uma colônia espiritual próxima à cidade Botucatu, SP, chamada Curuçá, que acolhe espíritos de toda a região. Médicos desencarnados como Américo Bairral e Cesário Motta estariam envolvidos nesse processo de recuperação dos desencarnados que acompanham os dependentes químicos, obcecados com o uso e os efeitos de substâncias que alteram o humor.
Allan Kardec também interrogou os espíritos sobre o consumo de álcool: “A distorção das faculdades intelectuais pela embriaguez é desculpa para os atos repreensíveis?” E os espíritos responderam: “Não, pois o ébrio privou-se voluntariamente de sua razão para satisfazer paixões brutais: em vez de cometer um erro, comete dois.”3
Nosso destino é a perfeição. Todos a alcançaremos um dia, pois somos espíritos perfectíveis. Para isso, é essencial cultivarmos bons hábitos. Se você deseja receber o melhor da vida, procure deixar o seu melhor por onde passar – talvez um dia tenha que retornar pelo mesmo caminho e reencontrar as mesmas pessoas.
Num mundo que ainda reluta em seguir os ensinos de Jesus, esforcemo-nos por viver o Evangelho e ser justos e amorosos uns com os outros.
1 Depois da morte, FEB.
2 Relicário de Luz, Emmanuel, por Chico Xavier, FEB.
3 O livro dos espíritos, Allan Kardec, p. 848, EME.
*Arnaldo Rodrigues de Camargo é diretor da Editora EME, em Capivari, SP.