Apreciação e crítica
Por Deolindo Amorim
A crítica é uma necessidade, todos sabem disto. Indo um pouco adiante, podemos dizer que a crítica, em última análise, é um fator de progresso, exatamente porque ajuda a corrigir o erro, em qualquer ponto onde seja descoberto. E é assim que se melhoram os homens e as instituições. Somente os que se julgam donos da verdade não aceitam a crítica. Atribui-se a um político da velha escola a seguinte observação: "Quero que me critiquem, mas não quero que se esqueçam de mim..." Na vida pública, pelo menos, a experiência prova que é melhor a crítica, ainda que seja contundente algumas vezes, do que o silêncio, pois o silêncio deliberado ‘sepulta’ uma pessoa em vida.
Criticar não é demolir. A crítica pode e deve ser justa, muitas vezes fria, sem ser demolidora. Para ser útil e honesta, deve ser isenta de paixões ou prevenções, o que é muito difícil, dificílimo no quadro das contradições humanas. Felizmente, porém, se existem críticos demolidores, aqueles que só procuram as brechas, os pontos fracos para atacar de rijo, deixando de lado os pontos positivos, também existem críticos serenos e, portanto, capazes de superar qualquer sentimento pessoal para fazer justiça ao valor alheio. Em qualquer campo de atividade, principalmente no domínio literário, artístico ou científico, a produção intelectual está sujeita a critérios críticos diversos e às vezes antagônicos. Mas é necessário que haja crítica, a despeito de tudo.
Bem entendida, a crítica é uma apreciação, e quem aprecia uma obra faz julgamento, favorável ou desfavorável. Nem sempre o julgamento é criterioso, mas é um julgamento. Ao lado da crítica sistemática, que vive à procura do que está errado, temos a crítica construtiva, que sabe ver o que está errado, mas também sabe apontar o que está certo. Por isso mesmo, ela é um dos terrenos mais sensíveis no meio espírita, sobretudo pela responsabilidade espiritual que acarreta. É uma função delicadíssima quando se leva em conta os dois lados da vida e quando se pensa na prestação de contas no futuro. Podemos, por exemplo, combater uma ideia, que nos vem hoje, tanto faz da Terra como do Alto, e amanhã termos de amargar uma decepção ao verificarmos que a ideia estava certa... São problemas difíceis. A crítica não deve ser demolidora – convém repetir – mas não deve ser demasiadamente condescendente, deixando passar sem reparo tudo quanto se espalhe em nosso meio, ainda que traga o nome de um espírito desencarnado. Nem todos, porém, entendem a função crítica no meio espírita. Quem nos deu o melhor exemplo a este respeito foi o próprio Allan Kardec, que aconselhou, desde cedo, que se passasse tudo pelo crivo da razão. Logo se vê que o codificador da doutrina deu muita importância à crítica, tanto em relação às opiniões humanas quanto em relação às opiniões de espíritos que nos mandam mensagens do além. Mas o certo é que, na prática, o problema não é tão simples... Se há pessoas que se melindram com qualquer observação, embora com a intenção de colaborar, também há pessoas que não admitem, nem de leve, que se possa tentar ao menos criticar uma obra mediúnica. São posições evidentemente extremadas. Será que ainda se pensa em termos de ‘heresia’, nesta época?...
Na crítica, como noutros aspectos do meio espírita, devemos caminhar sempre para o meio-termo. Se é necessário, por um lado, considerar a linguagem, a origem e o pensamento de uma obra em apreciação, também se faz necessário, por outro lado, levar em conta que as obras espíritas não têm objetivos materiais e, por isso mesmo, este aspecto deve influir na apreciação, até certo ponto. Em suma, a crítica é necessária, indiscutivelmente, tanto faz que se trate de livro elaborado por inteligência humana, como de livro ditado por espírito desencarnado. Não nos esqueçamos de que os espíritos têm as suas ideias, têm opiniões próprias. Ora, criticar a opinião de um escritor espírita ou fazer restrição à opinião de um espírito não é criticar a doutrina. Então, é indispensável pensar no sentido de meio-termo para evitar o radicalismo: nem fechar o campo da crítica, como se houvesse alguma opinião ‘intocável’, nem fazer da crítica um instrumento de pura demolição.
“A crítica é um dos terrenos mais sensíveis no meio espírita, sobretudo pela responsabilidade espiritual que acarreta” – Deolindo Amorim
(Acervo do Correio Fraterno, Março de 1977)