A entrevista de Éder Fávaro ao Correio

Por Izabel Vitusso

Milton Felipeli e Éder Fávaro

Éder Fávaro ingressou no espiritismo em 1956. Passou pela Federação Espírita do Estado de São Paulo, foi vice-presidente da USE-SP e diretor de orientação doutrinária, deixando importante contribuição à doutrina. Mas nos últimos anos, foi a comunicação social que ele elegeu como sua principal seara. Radialista há 26 anos na Rádio Boa Nova, é diretor da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo – ABRADE- e presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo de São Paulo – ADE-SP.

Milton Felipeli é companheiro de muitos anos de Éder, no trabalho da comunicação espírita. Em exatos 50 anos de doutrina, assistiu de perto a fundação de organizações, jornais espíritas, dentre eles o próprio Correio Fraterno, em contato estreito com um dos  fundadores, Raymundo Espelho. Otimista, tanto quanto ao futuro como no que acredita e escreve – é autor do livro As forças positivas do homem – lembra com um quê de nostalgia o fórum de debates a que algumas instituições espíritas no passado se prestavam, como a própria USE, baseada na liberdade e no respeito às diferenças. É na Rádio Boa Nova e também na ADE que os dois, além de trabalharem juntos, refletem sobre os caminhos da preparação da casa espírita para a modernidade.

Convidados a falarem juntos sobre o assunto, concederam a seguinte entrevista ao Correio Fraterno:

Em mensagem recebida pelo médium Divaldo Franco, no congresso de abril em Brasília, Bezerra de Menezes faz menção ao período em que vivemos aconselhando: “é hora de semeardes Luz!” O que vocês, como membros da ADE entendem por isso? E mais, qual o papel da ADE?

Milton Felipeli: Com relação à citação, trata-se de uma frase religiosa. Significa na linguagem espírita: é hora de semear conhecimento. Kardec foi um foco que projetou uma luz através do conhecimento, da realidade do espírito. O relacionamento, a fraternidade estão ligados ao aspecto do conhecimento moral. 

Éder Fávaro: A ADE surgiu exatamente com a ideia de fazer um trabalho amplo na área da comunicação, embora haja, no meio espírita, certa dificuldade de se entender o papel de determinadas instituições especializadas. Ela ajuda naquilo que puder, quando for convidada, para enriquecer o processo da cultura espírita, visando o espiritismo no social.

O que é o espiritismo no social?

Éder: É entender que o espiritismo é para o homem e que todos os instrumentos precisam ser movimentados, no sentido de levar a cultura espírita para que possa permear a cultura humana, fora do reduto interno da casa espírita, o que dá a ideia de um grupo fechado, ou religião específica, quando não é isso. 

No entender de vocês, a casa espírita cumpre hoje seu papel de escola despertadora das virtudes do homem de bem? 

Milton: Não cumpre quando se imagina que ela seja um templo, um tabernáculo, uma escola, um hospital, e ela não é nada disso. Se fizermos uma ideia associativa, vamos chegar onde Herculano Pires chegou, com aquela concepção de que o centro espírita é um ponto de encontro entre os homens e os espíritos. É a célula mais importante do movimento espírita. 

Éder: Chico [Xavier] dá uma definição interessante: O centro espírita é a casa da grande família, onde o jovem, as crianças se juntam e vivem a fraternidade. Mas é uma casa comunitária. Deixa claro que o centro é meio, e não o fim. Aí entra o trabalho de comunicação despertando as consciências, com vistas ao atendimento da modernidade. As pessoas estão em busca de respostas e esse conhecimento tem que ir para os jornais, estabelecendo contatos com a sociedade. Os centros, futuramente, vão ter que ter uma área de comunicação. 

Você acha que embora a proposta da codificação seja absolutamente libertadora, muitas casas espíritas não se dão conta de que agem no convencionalismo e no institucionalismo? 

Éder: O espiritismo, como dizia Herculano, é um tratado de sociologia cósmica. Mas o centro espírita é constituído de pessoas, e em se falando de movimento espírita, naturalmente tem a necessidade de melhorar seus processos para corresponder cada vez mais àquilo que a doutrina propõe. 

Quer dizer que há necessidade de se distinguir o que é espiritismo e o que é movimento espírita?

Milton: Exatamente. E no Brasil, existiu um movimento que deu início ao desejo de que instituições fossem ligadas organicamente, a grupos de orientação espírita. Mas cada centro espírita tem uma feição muito peculiar. Aí entra o que falamos, sobre o assunto de, no movimento, ter-se a predominância de uma linguagem mais religiosa.

Isso quer dizer que muitos de nós dirigentes espíritas entendemos na razão, mas na ação somos os antigos religiosos lutando contra os atavismos religiosos inconscientes que tanto debatemos?

Milton: Mas esse religiosismo é cultural. Imagina o Rio de Janeiro, sede da corte imperial, com segmentação fortíssima do catolicismo português. Sociologicamente, o resultado está aí. Já deveríamos ter o hábito de ter a prática da interpretação dos fatos à luz do espiritismo, mas não temos. O discurso na casa espírita é um e a prática e outra. 

Éder: Exatamente. E do ponto de vista da cultura espírita, não estamos investindo na infância, na juventude para mudar esse status. E a comunicação tem papel preponderante nisso. É o desenvolvimento da cultura espírita. 

E o que se entende como Cultura Espírita?

Milton: Resultado de todas as ações, política, arte, técnica, baseadas no princípio da doutrina espírita. O comportamento religioso atravanca o desenvolvimento dessa cultura. Faz ver-se um corredor estreito quando na verdade há uma avenida.

Existem trabalhadores que ao enfrentarem problemas particulares, e se desequilibrarem, distanciam-se da Casa, alegando não estarem à altura de serem um trabalhador espírita. Você acha que existe um culto à expectativa de comportamento ideal do espírita? E mais, isso pode sinalizar a falta de diálogos mais reflexivos entre os próprios trabalhadores?

Milton: Eu entendo que temos que aprender a colocar o homem no centro de nosso interesse. Não havendo essa tomada de posição, existe um distanciamento, uma indiferença com relação ao valor das pessoas. Mas não existe um trabalho realizado no sentido de oferecer esse conteúdo para as pessoas que participam das casas espíritas. Tem que ser um elo de amor, sem hierarquias. Essa ideia de ir ao centro apenas quando se está bem tem que mudar. Quantas vezes não estou bem, divido com meus irmãos, naquele clima fluidicamente agradável, e volto melhor! Mas nos ensinaram a ter vergonha de mostrar que nós não estamos bem. 

Éder: Mas houve avanço. Participei do trabalho da USE, que teve uma repercussão grande no estado, e depois em nível nacional, surgindo nessa oportunidade o atendimento fraterno. Antes disso, a pessoa chegava ao centro espírita, era consultada, com preenchimento de ficha. Ninguém perguntava ,ao retornar, se estava melhor, como estava a família. Nem o nome. Muitas casas já mudaram o atendimento. Fazem uma roda, acolhem as pessoas que chegam pela primeira vez, e sem ideia de que vai começar uma reunião, vão trocando ideias. Alguém, naturalmente, vai mostrando primeiro o que é o espiritismo, o que o centro pode oferecer. As pessoas que chegam à casa espírita já não vão com o intuito de ouvir apenas a prece de olhos fechados. Estão de olhos e ouvidos bem abertos, perguntando o que o espiritismo pode oferecer para ele melhorar como cidadão do mundo. 

Conviver com a diversidade de ideias, desenvolver a alteridade, o ecumenismo. São frases ditas por autoridades espíritas, quando perguntadas sobre as necessidades do aprimoramento do Movimento. O que quer dizer tudo isso? 

Éder: Não existe possibilidade de ter ideia de viver em qualquer lugar, mesmo no centro espírita, sem saber trabalhar com as diferenças. Cada um é cada um. Não existe espírito padronizado. De certa maneira, todas essas expressões propõem que o indivíduo se some. 

Essa nossa conversa levanta muitos problemas. Acha que estávamos então fazendo errado?

Éder: Pelo contrário. Sempre digo que tudo está certo. Somos todos espíritos em evolução. Quem tem um pouco mais fornece um pouco mais. Não faço crítica nenhuma. Kardec deixa claro: você pode até não concordar, mas tem que respeitar. Essa visão é que tem que ser passada para o mundo. Agora, o espírita tem que saber fazer isso.

Acha que essa necessidade de mudança vai ser facilmente entendida pelos dirigentes espíritas? 

Milton: Sociologicamente, existem centros dinâmicos e estáticos. Os dinâmicos são dirigidos por pessoas de visão ampla. Pessoas que estão enraizadas na cultura geral. Já extraem as coisas boas que o mundo pode oferecer e leva para o centro espírita. E leva para fora aquilo que o centro pode oferecer de melhor para o âmbito social. A nossa proposta é que mais dirigentes reflitam sobre o papel do centro espírita. Herculano escreveu na abertura do livro O centro espírita: “se os espíritas soubessem qual o valor, o significado e a importância do centro espírita, o espiritismo seria o maior movimento cultural do planeta.” Por que ele escreveu isso? Porque o centro é o ponto que dá início ao grande desenvolvimento das ideias espíritas no mundo. Temos que criar um dinamismo nas instituições, e mais, democratizar as ideias lá dentro e sua estrutura. Pegar uma bandeira dentro, depois levá-la para fora, a do ‘integrar para participar’. Precisamos aprender a inserir as pessoas no centro, oferecer oportunidades. Deixar que, em nome do espiritismo, desenvolvam essa tarefa grandiosa.

Éder: No centro espírita dinâmico, o indivíduo entra uma vez, duas vezes e não se tenta laçá-lo. Kardec dizia isso. O sujeito assistiu a duas palestras; ele sai; é melhor pai, melhor companheiro ou conseguiu se corrigir, o espiritismo já cumpriu sua função. 


Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 416, jul/ago. de 2007.


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