Como a obra de Chico Xavier baseou pesquisa premiada sobre vida após a morte
Por Eliana Haddad
Com um ensaio sobre a obra psicográfica de Chico Xavier, os pesquisadores brasileiros Alexandre Caroli Rocha, Marina Weiler e Raphael Fernandes Casseb foram premiados no final do ano passado no concurso promovido por Robert Bigelow, magnata norte-americano, sobre as melhores evidências que comprovariam a existência da vida após a morte.
Em entrevista exclusiva ao Correio Fraterno, eles analisaram aspectos importantes e desconhecidos do público em geral sobre os caminhos e o papel da ciência com relação às investigações sobre a espiritualidade e os desafios acadêmicos em função do predominante paradigma materialista da atualidade. Acompanhe.
Na sua visão, qual a importância desse concurso?
Alexandre: Como foi divulgado no mundo todo, ele serviu para mobilizar boa parte dos pesquisadores que têm investigado temas que incluem a hipótese da sobrevivência da mente após a morte do corpo. Os ensaios, já integralmente divulgados, ajudam a dar visibilidade às evidências disponíveis sobre o assunto e às atuais tentativas de compreendê-las.
Marina: Acho que posso destacar alguns pontos aqui. Primeiramente, com esse concurso, conseguimos saber quem são os principais pesquisadores do mundo envolvidos na área. Também foi importante para termos conhecimento da variedade de fenômenos que foram levantados para responder à pergunta do ensaio – ou seja, as evidências para a sobrevivência. Nesse sentido, mostra para o público que diversos fenômenos, como a mediunidade mental, a mediunidade física, experiências de quase-morte, lembranças de vida passada, entre outros, podem ser usados como evidência para o tema. Por último, esse concurso proporciona o contato e a interação entre os pesquisadores da área, um aspecto muito importante dentro da pesquisa acadêmica. Essa “troca de figurinhas” entre os pesquisadores possibilita que o campo se desenvolva de maneira crítica e transparente.
Você acredita que esteja havendo uma mudança de paradigma na compreensão do mundo, no âmbito acadêmico, incluindo a espiritualidade?
Alexandre: Não sei. Acho muito difícil detectar esse tipo de mudança antes de ela ocorrer.
Raphael: É uma pergunta muito interessante, mas difícil de responder por vários motivos. Primeiro, porque precisaríamos entender bem como é essa situação de forma ampla para fazermos uma boa avaliação. E esse não é meu caso. Segundo, porque, em geral, esse tipo de mudança não é imediato. Em geral as mudanças marcantes nas ciências levam anos para serem debatidas e compreendidas e, por isso, imagino que seja o mesmo caso aqui também.
Pode resumidamente falar sobre o trabalho que apresentaram?
Alexandre: Fizemos um ensaio sobre livros psicografados pelo Chico Xavier, levando em conta estudos a respeito de sua obra e, também, sua biografia. Algumas pesquisas – entre as quais, as que realizei nos últimos anos, na área de letras – evidenciam que existem conteúdos e habilidades, apreensíveis em livros do médium, que não correspondem a seu provável repertório cultural; por outro lado, são condizentes com o repertório cultural de autores a quem são atribuídos. Mostramos que a hipótese da fraude, consciente ou inconsciente, é fraca, pois ela implica admitir, entre outras coisas, que o médium possuiria uma rara habilidade para produzir inúmeras imitações literárias e que ele teria pesquisado um número muito grande de livros e outros documentos. Os registros biográficos de Chico Xavier não sugerem essa possibilidade.
Raphael: Complementando a resposta do Alexandre, encontramos nas cartas supostamente escritas por pessoas falecidas, através da psicografia de Chico Xavier, informações particulares concernentes aos falecidos e seus familiares. Existem datas, nomes, endereços e uma variedade de informações validadas pelos amigos e parentes que parecem endossar a hipótese da sobrevivência.
Marina: É importante salientar que, no domínio do método científico, é relevante legitimar a evidência. O ser humano tem uma tendência natural para procurar explicações para os fenômenos, e tentamos fazer o mesmo no nosso ensaio – levantamos algumas das explicações mais comumente usadas para o caso do Chico Xavier (entre elas, a fraude consciente, inconsciente, a função super-psi e a sobrevivência da mente). Confrontando cada uma dessas hipóteses explicativas com as circunstâncias e o contexto do médium, e mostrando que a hipótese da sobrevivência é a que possui melhor poder explicativo, estamos de certa forma legitimando as nossas evidências. No momento em que só conseguimos explicar os fatos que descrevemos através da hipótese da sobrevivência, mostramos que temos fortes evidências.
E as outras propostas apresentadas sobre a sobrevivência da alma após a morte, o que falavam?
Alexandre: Do material que li até agora, a tendência foi apresentar uma seleção de vários tipos de evidências que sugerem atividade mental de forma independente do funcionamento cerebral e, ao comentá-las, defender a hipótese da sobrevivência como a explicação mais plausível para o conjunto dos dados. Chamou-me a atenção a grande presença das experiências de quase-morte entre os eventos mais comentados nesses trabalhos.
Raphael: Existem, inclusive, alguns relatos pessoais de experiências anômalas, como o de Jeffrey Mishlove, autor do ensaio que ficou em primeiro lugar, que relata ter sonhado com um tio que acabara de falecer, e o de Elizabeth Krohn, outra autora premiada, que foi atingida por um raio e passou por uma experiência de quase-morte.
Marina: Alguns trabalhos tentam ir além da descrição das evidências da sobrevivência, especulando sobre as possíveis explicações de como esses fenômenos podem ocorrer, como o ensaio do Leo Ruickbie, o terceiro colocado. Esses ensaios tendem a ser mais densos no seu conteúdo, pois apresentam ideias bastante abstratas do domínio da física, por exemplo.
Foram inscritos trabalhos de 38 países. Como foi a participação dos orientais?
Alexandre: Não tivemos acesso aos dados gerais do concurso. Antes do resultado, porém, foi divulgada uma entrevista em que o Robert Bigelow comentou que, entre os concorrentes, havia trabalhos escritos por orientais. O único selecionado faz parte do terceiro grupo, que ganhou menção honrosa. Foi um ensaio do Akila Weerasekera, que atualmente faz pesquisa nos EUA, mas é natural do Sri Lanka. Ele apresentou um estudo sobre um caso sugestivo de reencarnação em contexto budista. A propósito, o país com maior número de ensaios premiados foram os Estados Unidos, seguidos pela Inglaterra. O grupo de pesquisa que mais se destacou foi o da Society for Psychical Research (Sociedade de Pesquisas Psíquicas), de Londres.
Marina: Essa pergunta é interessante, porque intuitivamente esperaríamos que o Oriente, por abrigar uma cultura mais aberta à sobrevivência da mente, apresentaria mais estudos sobre esse tema. Curiosamente, porém, a maior parte dos ensaios premiados veio dos Estados Unidos, que não têm uma tradição de crença na vida após a morte tão forte quanto a do Oriente, mas se destacam na produção de pesquisas em geral.
Raphael: Apenas a título de curiosidade, fizemos um levantamento dos ensaios premiados e identificamos que quase 70% dos autores provêm dos EUA ou do Reino Unido.
O espiritismo foi considerado por outros pesquisadores?
Alexandre: Além do nosso trabalho, que tratou da obra de um médium espírita, encontrei somente no ensaio do Jeffrey Mishlove breves menções a Chico Xavier e a Allan Kardec.
Como pesquisador(a), como você analisa a relação corpo e mente atualmente? Quais avanços a pesquisa científica já realizou em relação ao espírito? Poderia citar alguma pesquisa específica sobre isso?
Raphael: Por mais que tenhamos interesse sobre essa interação mente e corpo, nenhum de nós trabalha diretamente com este aspecto. Esse tema normalmente é tratado de forma indireta, avaliando-se a evidência que sugere a independência ou não desses dois domínios (o mental e o cerebral). Foi isso que fizemos, por exemplo, no nosso ensaio. Existem alguns pesquisadores que se alicerçam neste mesmo princípio, isto é, que investigam a evidência indireta relacionada ao assunto. Podemos citar, por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo psiquiatra Ian Stevenson, que estudava principalmente casos de crianças com memórias de supostas vidas passadas. No Brasil, temos o trabalho desenvolvido pelo também psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, que lidera diferentes linhas de pesquisa nessa área.
A que você atribui a falta de interesse por assuntos ligados à espiritualidade pela maioria dos cientistas?
Raphael: Minha impressão é que isso se deve ao referencial fisicalista adotado pela maioria dos pesquisadores. Vale lembrar que, para muitas linhas de pesquisa, essa questão é irrelevante para o desenvolvimento do trabalho. Por exemplo, para um pesquisador que estuda propriedades das cerâmicas, sua postura quanto a este tema não impacta diretamente seu trabalho, sendo, portanto, uma questão de foro íntimo. Isso não quer dizer que o tema não seja importante; longe disso, é uma das questões mais antigas e debatidas da história humana.
Marina: Eu não acho que exista uma falta de interesse por parte dos cientistas; pelo contrário, esse assunto é fascinante para a maioria. Eu acho que existe, de maneira geral, certo receio por parte dos cientistas não-fisicalistas de exporem suas opiniões e se envolverem na área da espiritualidade. Como o Raphael mencionou, muitos cientistas se enquadram no grupo de pessoas que não acreditam na independência da mente. Essa divergência é natural e saudável. O problema surge quando existem desrespeito e dogmatismo frente a uma opinião divergente. E, infelizmente, isso tende a ocorrer com maior frequência e intensidade especialmente na área de estudos da consciência humana, pois ela envolve todo um conjunto de crenças existenciais que enraízam o estilo de vida que temos.
Quais serão os próximos passos?
Raphael: Embora não tenhamos recebido nenhuma informação até o momento, parece que o grupo de Robert Bigelow tem interesse em seguir trabalhando na investigação da vida após a morte. Imagino que, de alguma forma, eles colocarão os premiados em contato para discutirem ideias e sugerirem formas de abordar o tema em novas pesquisas.
Marina: Segundo Robert Bigelow, o concurso foi um primeiro (e importante) passo para dar visibilidade e incentivo aos pesquisadores. Esperamos que agora o Instituto Bigelow continue dando suporte às pesquisas nessa área.
Alexandre: De fato, é preciso muito empenho para que o desenvolvimento desse tipo de pesquisa seja possível.
Para ler o ensaio (em inglês) apresentado pelos autores no concurso, clique agora: Mediumship as the Best Evidence for the Afterlife: Francisco Candido Xavier, a White Crow.