Nancy Puhlmann Di Girolamo: a mulher que soube defender as ‘aves feridas’

Por Rita Cirne*

Nancy Puhlmann

Poucas mulheres foram tão sintonizadas com as causas em favor da reabilitação e da inclusão social dos portadores de deficiência como Nancy Puhlmann Di Girolamo. Ela se referia a eles como ‘aves feridas’ e dizia que “mesmo feridas, elas voam”, pois “voar é capacidade do espírito. Mas só dos fortes”! Ela mesma foi capaz de grandes voos numa encarnação que teve início em 21 de março de 1924, em São Paulo, onde cresceu numa família espírita, formou-se em enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo com especialização em neuropediatria e fez sociologia pela Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo. 

Nancy desencarnou em 23 de junho de 2018, deixando um legado de amor e dedicação ao próximo e pessoas com deficiências, num trabalho que floresceu na Instituição Beneficente Nosso Lar, fundada por sua mãe, Maria Augusta Ferreira Puhlmann e por sua tia Nair Ambra Ferreira, em 1946. Ali, naquela instituição que foi um orfanato e que abrigou e educou mais de 300 crianças, muitas delas abandonadas na porta, como era comum na época, teve início o seu trabalho em favor das crianças com deficiências. 

Em entrevista ao Batuíra Jornal, em dezembro de 1999, Nancy contou que a direção da casa nunca tinha pensado em trabalhar com crianças com deficiências, mas um bebê abandonado nas portas da instituição em 1967, com grave lesão neurológica, mudou o rumo da história. Quando a criança ricamente vestida foi desembrulhada, um bilhete transmitia o recado: “Mãe desesperada conta com vocês”. Isso causou um grande impacto nos diretores: Sempre atribuíram a rejeição a questões da pobreza, nunca por conta de uma deficiência.

Para Nancy, começava ali um grande desafio, procurando aliar a ciência ao espiritismo para poder proporcionar o desenvolvimento das crianças com deficiências, não esquecendo de trabalhar também a rejeição. Estudou as teses espíritas sobre a importância das reencarnações difíceis na Terra como processos evolutivos. Foi buscar na  antropologia uma explicação orgânica e antropológica para esta realidade. Naquela época, nascia a sua filha, com síndrome de Down, o que acabou impulsionando o Nosso Lar a atender pessoas com deficiência intelectual e outras deficiências associadas. Anos depois, seu filho mais velho, com 17 anos, tornou-se tetraplégico, após acidente na piscina, o que levou a instituição a ampliar novamente os atendimentos, incluindo agora deficiências motoras.

Através de seus estudos na literatura espírita, Nancy concluiu sobre a importância de se trabalhar o estímulo do sistema nervoso central  – quando ainda não se acreditava na capacidade de regeneração – e foi conhecer de perto o  método de reorganização neurológica desenvolvido na Philadelphia. 

Confiando que com passes, terapêutica espírita, bom ambiente, estímulos, medicação seria possível mudar aquela realidade, ela desenvolveu um programa de desenvolvimento integral, interligando os aspectos bio-psico-social-espiritual, sendo incentivada pelo médium Chico Xavier para que confiasse e colocasse em prática o método que chamou de Desenvolvimento Integral das Potencialidades da Criança Excepcional. Aplicado no Nosso Lar, na assistência a crianças com deficiências, a maioria carente, a nova metodologia transformou a instituição numa referência em reabilitação nesse setor.

Sempre atuante no meio espírita, Nancy analisou a história e o papel do espiritismo nas transformações sociais numa entrevista ao Correio Fraterno em março de 2015. Ao comentar o futuro da humanidade frente aos conflitos em que vivemos, ela respondeu que para a doutrina espírita só há um caminho: o progresso intelecto-moral. Mas lembrou que não é pelo desenvolvimento intelectual que o moral se desenvolve. 

“Na questão da inclusão, Nancy reforça que é sempre uma bênção, quando as oportunidades são mais amplas, porque se num primeiro momento ela chega confundindo, miscigenando tudo, na sequência vem a organização. Precisamos refletir e perceber que a lei divina está acima de ideias pessoais, grupos, instituições. “Querendo ou não, estamos progredindo e é reforçando-se o bem que enfrentamos o oponente. É como ensinou Jesus na parábola do joio e do trigo. Eles crescem juntos e somente quando estão bem grandes é que se consegue separá-los. Para curar a sociedade é preciso também sanear a forma de pensar, ter noção de que o pensamento e a mente são nossos grandes colaboradores, se soubermos direcioná-los adequadamente. Nesse sentido, devemos nos trabalhar interiormente na procura do bem. É preciso achar o bem. E se procurar, acha”, concluiu.

*Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor Econômico

Curiosidades

Livros publicados

Muitas das experiências que Nancy Puhlmann Di Girolamo viveu na instituição Nosso Lar, cuidando de órfãos e, depois de portadores de deficiência, foram registrados em livros. Ela escreveu O castelo das aves feridas, As aves feridas na Terra voam (ambos com 10 edições esgotadas e 50 mil livros vendidos). Em 2009, o conteúdo desses dois livros foi reunido e resultou numa terceira obra: É preciso saber viver, lançado em 2009.

Nancy também foi coautora dos livros: Olhai as aves no céu, A mulher na dimensão espírita, Entre dois mundos e Visão espírita para o terceiro milênio. Esse último aborda vários temas, como imortalidade, reencarnação, violência e saúde mental e conta com a participação de autores como Suely Caldas Schubert, Umberto Ferreira, Núbor Facure, Marlene Nobre, José Ferraz, Jorge Andréa, Hernani G. Andrade e Herminio Miranda, entre outros.