Dolores Bacelar: ilustre desconhecida

Por Izabel Vitusso 

Dolores Bacelar dedicou grande parte da vida em prol da doutrina espírita. Psicografou diversos títulos, auxiliou instituições de caridade e, por opção, permaneceu praticamente no anonimato.

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Pelo menos dentre os espíritas mais antigos, vai ser difícil encontrar alguém que não tenha lido ou ouvido falar em A mansão Renoir. Um romance espírita psicografado que se tornou um clássico, pelo enredo, qualidade literária e enquadramento doutrinário.

Porém, sobre a médium psicógrafa, Dolores Bacelar, é difícil dizer a mesma coisa. Por um simples motivo. Ela seguiu à risca a orientação que recebera de Alfredo, um dos espíritos responsáveis pela orientação da médium: que ela se mantivesse na discrição. Dolores fez mais do que isso; manteve-se quase no anonimato.

Nascida em 10 de novembro de 1914, era sobrinha de tio com fortes vínculos com a Igreja – o monsenhor Francisco Apolônio Jorge Sales. Estudou por seis anos em colégio de irmandades. Assim que se casou, mudou-se de Pernambuco para o Rio de Janeiro. E foi lá, alguns anos depois, já com dois de seus três filhos, que a mediunidade de Maria Dolores de Araújo Bacelar começou a dar seus primeiros sinais, poucos anos antes de a cidade maravilhosa se despedir da década de 40.

Potencial mediúnico

Assustar-se e gritar com pedestres nas vias públicas, por achar que estavam prestes a ser atropelados, era fato corriqueiro para a médium. Na verdade, o que Dolores via eram os espíritos transitando – essa foi a causa de ter sido aconselhada pelo espírito Alfredo para que não se aventurasse no volante.

Levada a uma casa espírita, no Rio de Janeiro, conheceu Ismael Gomes Braga, que imediatamente percebeu o potencial mediúnico a ser colocado em ação. Tendo ao lado o esposo, Luiz Gonzaga da Silveira Bacelar, Dolores não apenas abriu a vertente das diversas sensibilidades mediúnicas, como também trabalhou extenuadamente pela divulgação do espiritismo. Primeiro foi na Casa Espírita do Coração, em Ipanema, RJ. Mais tarde, fundou com o esposo mais duas instituições de assistência: a Sociedade Espírita Seara dos Filhos de Deus, em Copacabana, transferida depois para Botafogo, ainda em atividade; e a Casa Assistencial Lar Amigo, destinada ao amparo de meninas órfãs. Mesmo com a grande importância dada ao trabalho assistencial, Dolores dedicou-se atenção especial à família. “Mamãe sempre foi muito dedicada ao lar. Colocava a família como prioridade. Ela dizia que Deus havia lhe dado primeiro os filhos e a mediunidade veio depois”, revelou Rômulo Bacelar, o filho caçula do casal.

Apoio aos órfãos

Devolver a dignidade ao ser humano era o que a médium discreta perseguia em suas frentes de trabalho. Tanto que não faltou o seu apoio ao coronel Jaime Rolemberg de Lima, quando pensou em implantar a unidade para atendimento às famílias carentes, no Lar Fabiano de Cristo, em Copacabana, que recebeu o nome de Casa de Alfredo.

Quando ficou viúva, em 1988, Dolores estava com 74 anos; era já avó de oito netos, mas se sentia em forma para assumir mais trabalho. Há anos realizando atividades com crianças órfãs no Lar Amigo, ela ainda aceitou a presidência da Sociedade Espírita Seara dos Servos de Deus.

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Trabalhar junto a crianças órfãs era algo que lhe atraía. Talvez tenha sido esse o motivo que a levou, em 1980, a visitar o Lar da Criança Emmanuel – primeira instituição de assistência fundada em São Bernardo do Campo, SP – pelos espíritas Ismael Sgrignolli, Raymundo Espelho, Manoel Romero, José Corrêa e outros.

Ao conhecer o trabalho da entidade, onde fora levada pelo escritor Jorge Rizzini, a médium manifestou interesse imediato em ceder àquelas crianças os direitos autorais de todas as obras por ela psicografadas. Entre as razões que levaram Dolores a tal gesto, permanecia a idéia de sempre vincular seu trabalho, principalmente a psicografia, à assistência da criança carente.

Foi então que o romance A mansão Renoir – que narra a história de transformação ocorrida em uma importante família de descendência francesa –, ganhou, em 1980, forma e público, por meio da própria editora vinculada ao Lar Emmanuel, a Correio Fraternofundada em 1967.

Instrumento do bem

Além de A mansão Renoir, Dolores Bacelar recebeu pela psicografia inconsciente mais nove livros: A Canção do destino, Novos cânticos, A rosa imortal e À sombra do olmeiroe a série Às Margens do Eufrates da qual fazem parte as obras: O alvorecer da espiritualidadeGuardiães da verdadeVeladores da luz, O Vôo do pássaro azul e o último, Jonathan, o pastor. Todos assinados por Espíritos com perfil semelhante ao da médium, que preferem se revelar pelas obras, e não pelo nome. Assinam simplesmente como: Um Jardineiro, Josepho ou Alfredo. “Apesar de ter a mediunidade totalmente inconsciente, mamãe sabia o teor do trabalho que psicografaria. Os Espíritos apresentavam o livro antes a ela”, contou Rômulo – com quem Dolores viveu nos últimos tempos. “De todos os livros que recebera, À sombra do olmeiro, de autoria do Espírito Um Jardineiro, era a obra de que ela mais gostava. Adorava também a série Às margens do Eufrates”, finalizou.

Afetiva, Dolores transmitia seu carinho aos amigos que fizera ao longo dos anos, trocando cartas com os mais distantes – como os amigos do Correio Fraterno e também com o médium Chico Xavier –, e mostrando a suavidade de sua presença aos mais próximos. Dolores veio a desencarnar, no dia 6 de outubro de 2006, por causas naturais, poucos dias antes de completar 92 anos, no Rio de Janeiro. Dois meses depois, sua presença em Espírito, já foi sentida entre os familiares, no Rio de Janeiro e São Paulo, onde ela deixou uma mensagem, que lembram as expressões de sua preferência: “A mão que antes fere, hoje ilumina. A arma que desfere para o mal, hoje se transforma em instrumento do bem. Cada sonho despetalado transforma-se em sementes que irão germinar. E só o amor é capaz de encubar toda semente lançada à terra. Assim são as palavras que consolam, regadas pelo sentimento”, pelo espírito de Dolores Bacelar.

(Publicado na revista Universo Espírita, n. 37 ano 4)

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