O processo de aprendizagem e o interesse dos jovens pelo espiritismo
Por Marco Milani*
O movimento espírita brasileiro enfrenta um desafio que merece reflexão: enquanto proclama a universalidade de seus princípios e a importância da educação moral para todas as idades, observamos que, na prática, há um predomínio de adultos maduros e idosos nas atividades doutrinárias de estudos. A presença infantojuvenil tem sido numericamente inferior e, em muitos casos, periférica às dinâmicas dos centros espíritas. Tal realidade se entrelaça com aspectos culturais, demográficos e educacionais que afetam diretamente a capacidade de compreensão e interesse dos jovens pelo espiritismo.
Parte desse cenário pode ser compreendida à luz da atual formação educacional no Brasil, especialmente no que se refere à alfabetização e ao desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e pensamento abstrato. Nas últimas décadas, o país adotou métodos pedagógicos baseados em correntes socioconstrutivistas, que valorizam a aprendizagem pela experiência. No entanto, a aplicação dessas abordagens, muitas vezes sem o devido suporte estrutural, tem gerado efeitos negativos, especialmente na alfabetização, contribuindo para falhas no domínio da linguagem escrita e gerando dificuldades duradouras na formação cognitiva dos alunos.
Como resultado, uma parcela expressiva da população jovem brasileira enfrenta graves dificuldades para a interpretação de textos complexos e a assimilação de conteúdos que exigem abstração. Não por acaso, o país figura entre aqueles com piores desempenhos em testes educacionais internacionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment), TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) e PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study). Mesmo em testes nacionais, como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), aponta-se níveis alarmantes de analfabetismo funcional em todas as etapas escolares, principalmente no ensino médio.
Abordagens pedagógicas para diferentes fases cognitivas
O espiritismo, ao exigir do adepto raciocínio lógico, domínio de conceitos filosóficos e abstração para tratar de temas como reencarnação, perispírito e leis morais, afastando concepções fantasiosas e místicas, demanda uma base racional que nem sempre está consolidada entre jovens e adultos em geral. Isso impõe um esforço pedagógico para que os conteúdos doutrinários sejam compreendidos sem simplificações reducionistas, mas com linguagem e abordagens que respeitem as diferentes fases do desenvolvimento cognitivo.
Apesar do desafio, é fundamental reconhecer que a juventude não está alheia aos temas espirituais. Há interesse e sensibilidade moral em muitos jovens, mas a linguagem simbólica, lúdica e emocionalmente apelativa tende a ser mais atrativa do que a exposição direta e racional proposta pela codificação de Allan Kardec. O risco está em ceder a esse apelo simbólico a ponto de afastar-se da proposta doutrinária, criando uma forma de espiritismo diluído, sincrético ou que acomode o indivíduo em narrativas romanceadas, desconectado de suas bases filosóficas e metodológicas.
Autonomia de pensamento e espírito investigativo
Nesse contexto, a educação espírita precisa assumir papel estratégico. Mais do que apenas transmitir conceitos, é necessário formar o raciocínio moral, desenvolver a autonomia do pensamento e estimular o espírito investigativo, sem perder de vista a clareza, a simplicidade e a coerência com os princípios doutrinários. A educação infantil, os grupos de mocidade e as iniciativas intergeracionais nos centros espíritas devem se renovar pedagogicamente, sem renunciar à profundidade. É possível conciliar o rigor doutrinário com estratégias didáticas acessíveis e motivadoras, com a instrução direta e o ensino explícito de conteúdos fundamentais.
Deve-se evitar a fragilização dos conteúdos, tratando jovens como incapazes de pensar espiritualmente de modo maduro e, também, apresentar temas complexos sem a mediação necessária para a faixa etária. O equilíbrio está em respeitar o processo de desenvolvimento moral e cognitivo de cada fase da vida, oferecendo desafios compatíveis que ampliem gradativamente a compreensão do mundo espiritual e da responsabilidade individual à luz do espiritismo.
Reflexão e compromisso dos que se dedicam à tarefa educativa
Para isso, é preciso investir na formação de educadores espíritas, atualizando métodos, revisando materiais didáticos e fortalecendo o estudo sério das obras de Allan Kardec. Ao mesmo tempo, cabe valorizar o uso responsável de recursos tecnológicos e a promoção do diálogo entre gerações. A inclusão efetiva dos jovens no movimento espírita não será resultado apenas de discursos bem-intencionados, mas de ações concretas que deem espaço e sentido à participação juvenil.
A juventude representa um campo de possibilidades para o futuro do espiritismo, mas também exige uma escuta qualificada no presente. Apresentar o conteúdo doutrinário com coerência, com uma abordagem acolhedora, é um desafio que impõe reflexão e compromisso a todos os que se dedicam à tarefa educativa nas casas espíritas. Que saibamos caminhar juntos, respeitando os tempos de amadurecimento e sem renunciar à excelência da proposta educacional espírita.
*Marco Milani é economista, professor da Unicamp, diretor de doutrina da USE-SP e presidente da USE Regional de Campinas, SP.