A coragem de ser imperfeito

Por Umberto Fabbri*

No capítulo “Sede perfeitos” de O evangelho segundo o espiritismo, Jesus nos convida a buscar a perfeição como caminho evolutivo. Essa perfeição, no entanto, não é absoluta como a de Deus, mas relativa, adaptada à condição humana. É a perfeição possível à nossa natureza: amar o inimigo, fazer o bem aos que nos odeiam e orar pelos que nos caluniam e perseguem. Nesse ensinamento, fica evidente que a essência da perfeição não está na ausência de falhas, mas na vivência da caridade, compreendida como amor ativo, compreensão e compaixão, mesmo diante das dificuldades.

Quando correlacionamos esse ensinamento com o pensamento do livro A coragem de ser imperfeito, da escritora americana Brené Brown1, percebemos que ambos nos levam a um ponto central: aceitar nossas vulnerabilidades não nos torna fracos, mas nos aproxima da verdadeira força. Em um mundo que exalta uma perfeição idealizada – beleza impecável, felicidade constante, famílias harmoniosas, relacionamentos sem conflitos – corremos o risco de acreditar que somos menos valiosos por não corresponder a esse padrão. As redes sociais, em especial, intensificam essa comparação, criando uma ilusão de que alguns já atingiram a perfeição, enquanto nós permanecemos distantes desse ideal.

Mas o que é a perfeição? Na perspectiva do Evangelho, perfeição é caminhar em direção ao amor incondicional e à caridade. Já a perfeição social muitas vezes é baseada em aparências e expectativas externas, o que pode nos aprisionar em um ciclo de insatisfação. Comparar-se pode, em alguns casos, ser estímulo para crescer, mas, quando alimenta a inferioridade e o julgamento, torna-se prejudicial. É preciso distinguir a comparação que inspira daquela que diminui.

Ao buscar a perfeição divina, e não a humana, abrimos espaço para a autenticidade e a aceitação de nossas fragilidades. Mostrar nossa tristeza, nossos medos e nossas limitações não nos torna inferiores; ao contrário, é ato de coragem e humanidade. Negar nossas vulnerabilidades pode ser mais prejudicial, pois nos afasta do autoconhecimento e impede o trabalho interior de transformação. A perfeição a que Jesus nos convida não exige máscaras, nem negação de quem somos, mas uma jornada de aperfeiçoamento moral, passo a passo, sustentada pela caridade.

O Evangelho não condena nossas imperfeições atuais. Reconhece que estamos em processo e que, mesmo com falhas morais, temos valor e potencial. É importante distinguir as imperfeições morais – aquelas ligadas ao egoísmo, orgulho e falta de amor – das imperfeições aos olhos da sociedade, que muitas vezes são apenas diferenças de aparência, status ou desempenho, sem relação direta com a ética e o caráter.

Quando Jesus diz “vós sois a luz do mundo”, ele nos lembra que, apesar das nossas fragilidades, existe em nós uma centelha divina, capaz de iluminar a nós mesmos e aos outros. Essa luz se acende especialmente nos momentos de medo e sofrimento, quando buscamos forças na fé e na esperança. A grande questão que se coloca é: qual perfeição estamos buscando? A perfeição material, centrada em padrões humanos passageiros, ou a perfeição espiritual, enraizada na caridade e na capacidade de amar?

Se compreendemos que a perfeição verdadeira é a caridade, percebemos que muitas vezes falhamos, não apenas em exercê-la com os outros, mas também conosco. Podemos ser implacáveis com nossas próprias falhas, esquecendo que o amor ao próximo inclui o amor a si mesmo. Da mesma forma, é preciso oferecer caridade àqueles que falham conosco, reconhecendo que todos estamos em processo de aprendizado.

Assim, a mensagem que une “a coragem de ser imperfeito” e o ensinamento “sede perfeitos” é clara: o caminho da perfeição não é feito de uma imagem impecável, mas de um coração disposto a amar, perdoar e recomeçar. É na aceitação de quem somos hoje, com nossas vulnerabilidades, que encontramos a força para crescer espiritualmente e nos aproximar, cada vez mais, da perfeição relativa que Jesus nos propôs.

¹ Sextante, 2016.

* Profissional de marketing, Umberto Fabbri é orador e escritor com diversos livros publicados.