Espírito sente dor?
Por que muitos espíritos que desencarnam de forma trágica falam de dores, além de sofrimento? – Anderson Santos – Mauá, SP
Por Eliana Haddad
Ao desencarnar, o espírito se desliga do corpo físico para continuar sua jornada no mundo espiritual. Para os novos aprendizados, ele vai se utilizar de seu corpo sutil, o perispírito, formado não por matéria densa, como a do corpo de carne. “O perispírito, ou corpo fluídico dos espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluido cósmico; é uma condensação desse fluido em torno de um foco de inteligência ou alma”, explica Kardec em A gênese, salientando que, embora corpo físico e corpo espiritual tenham a mesma origem, na mesma matéria primitiva, “a transformação molecular do perispírito se opera de maneira diferente, pois o fluido conserva sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas”.
Segundo as observações de Kardec, a natureza do perispírito, como envoltório fluídico, estará sempre em relação com o grau de adiantamento moral do espírito. A dor física, portanto, estará sempre ligada ao corpo físico. Ao desencarnar, essa dor estará relacionada não mais às doenças ou limitações do corpo, mas aos sentimentos e pensamentos do espírito, que, dependendo de sua evolução, levará consigo a lembrança mais ou menos penosa desse sofrimento experimentado quando no corpo carnal.
Dor física e dor moral
Para melhor se compreender o significado verdadeiro do sofrimento e da dor é necessário, portanto, distinguir que existe a dor física, de natureza material e transitória, pertencente ao corpo, e a dor moral, que permanece no espírito, na essência do ser. “A dor física produz sensações; a dor moral produz sentimentos”, resume o filósofo e escritor espírita Léon Denis em seu livro O problema do ser, do destino e da dor.
O Dicionário Aurélio afirma que a dor pode ser uma sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão de localização, produzida pela estimulação de terminações nervosas especiais. Ora, se o espírito, ao desencarnar, não tem mais o corpo físico, não pode ter a dor física, por exemplo, de um ferimento ou de uma enfermidade. O que pode acontecer é que a memória da dor lhe cause a impressão do sofrimento, até que ele se conscientize de sua nova condição de desencarnado, libertando-se dessa sensação.
Percepção da dor
Em O livro dos espíritos, Allan Kardec explica, no item 257, que “o corpo é o instrumento da dor, se não é sua causa primária, é pelo menos a imediata. A alma tem a percepção dessa dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que ela conserva pode ser muito penosa, mas não pode implicar ação física”. Isso explicaria também por que o frio e o calor (o inferno tão temido) não podem desorganizar os tecidos da alma. “Não vemos, todos os dias, a lembrança ou a preocupação de um mal físico produzir os seus efeitos? E até mesmo ocasionar a morte? Todos sabem que as pessoas que sofreram amputações sentem dor no membro que não mais existe. Seguramente não é esse membro a sede, nem o ponto de partida da dor: o cérebro conservou a impressão, eis tudo. Podemos, portanto, supor que há qualquer coisa de semelhante nos sofrimentos dos espíritos depois da morte (...)”, comenta Kardec.
No corpo, as sensações estão localizadas nos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as sensações se tornam generalizadas.“ Liberto do corpo, o espírito pode, portanto, sofrer, mas esse sofrimento não é o mesmo do corpo; (...) A dor que sente não é dor física propriamente dita: é um vago sentimento interior, de que o próprio espírito nem sempre tem perfeita consciência, porque a dor não está localizada e não é produzida por agentes exteriores; é, antes, uma penosa lembrança”, destaca Kardec.
É assim, portanto, que um espírito desencarnado pode acreditar estar sentindo dor, mantendo a percepção desta sua dor, por estar muito apegado à matéria e acreditar que ainda possui o mesmo corpo.