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A visão espírita sobre o Espírito Santo

Queria saber como a doutrina espírita explica o Espírito Santo da igreja católica. – Janete Aguiar, Ourinhos, SP.

Por Humberto Schubert*

O Espírito Santo é um elemento fundamental do dogma da Trindade, ao qual aderem todas as denominações cristãs tradicionais, como catolicismo, protestantismo e ortodoxismo. Segundo o dogma da Trindade, a mensagem evangélica teria sugerido uma existência triuna de Deus, um deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Conforme o Credo Niceno¹, ficou estipulado que cristãos precisam confessar sua crença no Pai, no Filho e no Espírito Santo, sendo essa uma pré-condição para o ser cristão.

Mas o que exatamente significa essa essência triuna de Deus?

Significa que o círculo divino é complexificado, com imensas implicações sobre a ordem da realidade criada. Se o próprio Deus são três, antes mesmo de começar a criar, é de se esperar que a realidade comporte complexidade, diferente de um modelo metafísico e teológico, onde um princípio único, claro e inequívoco governe.

Há incontáveis interpretações sobre a natureza e os papéis das pessoas da Trindade, sendo a mais filosófica a de que o Pai seria Deus mesmo, o Filho seria Deus manifesto, o Espírito seria a presença atuante de Deus. A base textual para a crença no Filho, obviamente, são as alusões de Jesus à sua relação especial com Deus Pai, e a base textual para a crença no Espírito Santo são as alusões ao ‘Espírito de Deus’ ou a um estado de sacralidade e unção supremas de alguns episódios da vida de Jesus, como a concepção virginal de Maria, o batismo de Jesus e a substituição de Jesus, que parte, por um poder espiritual divino que fica na Terra, e cuja presença foi possibilitada pela trajetória de Jesus.

Em termos gerais, o Espírito Santo designa a presença de Deus, um impulso espiritual concreto, que liga o temporal ao eterno, o local ao universal, e a criatura a Deus.

Não estão erradas as metáforas que o apresentam como a ‘mão de Deus’ atuando sobre o mundo, infundindo a realidade com mais divindade. Filósofos cristãos, no entanto, fizeram interpretações ainda mais radicais do Espírito Santo (usando o nome ou não), como divindade tácita e sempre presente do mundo.

 A concepção espírita

No espiritismo, não há um tratamento explícito do conceito de Espírito Santo, mas o lugar desse conceito não deixa de ser bem definido por Kardec e seus interlocutores espirituais de forma indireta, pois, na Bíblia, Consolador e Espírito de Verdade são sinônimos ou, no mínimo, correlatos do Espírito Santo. Além disso, as interpretações mais filosóficas, mencionadas no parágrafo acima, são extremamente próximas da concepção espírita. Contudo, o espiritismo associa essa força ou presença divina a uma falange, uma plêiade, toda uma comunidade de espíritos puros e santos, de modo que a atuação de Deus se dá através de seus prepostos, seus santos espíritos, no plural. Essa concepção reflete perfeitamente o debate iluminista sobre a impossibilidade de uma atuação mágica de Deus (debate levantado por autores como Immanuel Kant), e que Deus, não sendo físico, atuaria no mundo natural por leis, e no mundo humano com a cooperação de homens de boa vontade. Quando alguém é moral, é ministro de Deus, e Deus só atua materialmente onde encontra voluntários; onde e quando eu quero que a lei de Deus atue através das minhas mãos.

Na interpretação de Severino Celestino da Silva, em seu livro Analisando as traduções bíblicas², os significados originais do termo santos espíritos aparecem no plural, especialmente em hebraico, dando margem para imaginar que Jesus e sua comunidade, que não falava grego, adotavam essa expressão, mais conforme ao entendimento espírita do que ao dos pais da Igreja.

 

¹ Profissão de fé adotada do Primeiro Concílio Ecumênico reunido na cidade de Niceia da Bitínia, em 325. (Nota da editora)

² Ed. Ideia.

 

* Humberto Schubert é professor, escritor e pós-doutor em filosofia