A perturbação do espírito no pós-morte e sua comunicação
Um espírito pode se comunicar logo após a sua desencarnação? – Givanildo Silva, Vitória da Conquista, BA
Por Eliana Haddad
A teoria espírita explica que sim, pois não existe um prazo determinado para que um espírito possa se comunicar após a desencarnação, tendo em vista que o tempo varia de espírito para espírito, dependendo de vários fatores: físicos, morais, emocionais e até mesmo do modo como ocorreu a morte. A morte violenta ou inesperada, o suicídio e o apego à matéria, por exemplo, ‘prendem’ o espírito por mais tempo às sensações do corpo, causando uma maior perturbação para a adaptação mais rápida às condições espirituais e, consequentemente, à comunicação.
Como cada caso é um caso, não há regra geral. O que acontece é que os espíritos menos apegados à matéria têm maior facilidade de se desvincularem do corpo físico, o que explica o maior desprendimento do seu perispírito para a comunicação. Em O livro dos médiuns, capítulo 25, Allan Kardec afirma que, como não há tempo determinado, os espíritos, nesses casos, podem adquirir uma maior lucidez e se comunicar imediatamente.
No livro O céu e o inferno e na Revista Espírita, são relatados vários casos de espíritos que se comunicaram logo após o desenlace, e muitas vezes até no mesmo instante.
No Brasil, há o caso do escritor e filósofo espírita J. Herculano Pires, que desencarnou em São Paulo, em 9 de março de 1979. Contam seus parentes e amigos que naquela noite estavam realizando, como era de costume, uma reunião espírita na garagem da casa de Herculano, quando receberam através de um médium uma mensagem que, de início, não compreenderam muito bem. Era o jornalista, um dos maiores defensores da obra de Allan Kardec, dizendo que havia realizado uma passagem serena, que estava lúcido, apresentando-se consciente, tranquilo e sem perturbação. Dizia ter se desligado do corpo com facilidade e demonstrava carinho pela família e amigos, reafirmando que seu trabalho continuaria no plano espiritual. Só terminada a reunião, puderam saber que, no andar de cima do sobrado, Herculano teria passado mal e sido levado às pressas ao hospital.
Entre os vários casos semelhantes, também analisados por Kardec na Revista Espírita, na França, no século 19, está o da “Senhora M...”, publicado em outubro de 1862.
A “Senhora M…” era uma mulher conhecida do grupo espírita que colaborava com Allan Kardec. Era uma pessoa de moral elevada, caráter doce, fé profunda e grande serenidade. Doente havia algum tempo, vivia sua enfermidade com resignação e confiança. Desencarnou no mesmo dia em que sua comunicação foi recebida. Ela começa a mensagem afirmando que acabara de despertar no mundo espiritual e que estava totalmente lúcida, consciente de sua nova condição, descrevendo a morte como ‘um despertar suave’. Informa que a separação do corpo foi fácil e calma, sem sofrimento, e que sentiu uma espécie de leveza, como se um peso se desprendesse, e que logo percebeu que não mais pertencia ao corpo físico. Relata que foi amparada por espíritos benevolentes, que a ajudaram no momento da transição, e que a dor física cessara antes da morte, tendo a imediata sensação de liberdade, e demonstra afeto pelos familiares.
Em sua análise, Kardec conclui que a rapidez da comunicação é proporcional à elevação do espírito.
O sr. Sanson morreu no dia 21 de abril de 1862, depois de um ano de cruéis sofrimentos. Prevendo seu fim, solicitara ao presidente da Sociedade Espírita de Paris que o evocassem o mais imediatamente possível após sua morte, a fim de que seu relato pudesse servir para estudos.
Allan Kardec e alguns membros da Sociedade foram ao velório e, evocando-o, ainda na presença do corpo, obtiveram sua comunicação:
“Venho ao vosso apelo para cumprir minha promessa. É uma graça especial de Deus que permite ao meu espírito poder se comunicar.
Minha posição é bem feliz, pois não sinto mais nada de minhas antigas dores; estou regenerado e novo em folha. A transição da vida terrestre à vida dos espíritos tinha no início tornado tudo incompreensível para mim, pois ficamos às vezes vários dias sem recuperar nossa lucidez; mas, antes de morrer, fiz uma prece a Deus e lhe pedi para poder falar com aqueles que amo, e Deus me ouviu. Estou forte, transformado. Sou espírito; minha pátria é o espaço.”
Durante a cerimônia, no cemitério, sr. Sanson ainda ditaria algumas palavras:
“Que a morte não vos apavore; ela é uma etapa, se soubestes bem viver; ela é uma bem-aventurança, se houverdes merecido dignamente e cumprirdes bem vossas provas. Coragem e boa vontade! (...) Que a terra me seja leve!”
O céu e o inferno, segunda parte, cap. 2, “Espíritos felizes”.