Literatura infantil além da moral cristã
Por Izabel Vitusso
É bem difícil abordar a história do Correio Fraterno sem fazer referência ao Lar da Criança Emmanuel. Ambos sempre caminharam juntos, na mesma localidade. Nosso trabalho até hoje é regado pelo zum-zum-zum das crianças brincando na quadra ou correndo pelos espaços verdes da instituição. Por essas e possivelmente outras questões que fogem do nosso ‘radar’, o universo infantil desde cedo atraiu as iniciativas do Correio Fraterno, aproximando talentos como os da escritora Iracema Sapucaia, criadora nos anos 70 de personagens que se imortalizaram na literatura espírita; do cartunista Paulo José, com o talentoso formigueiro em torno do personagem Bingo e escritores da nova geração, como Tatiana Benites e Rogério Pietro.
O objetivo sempre foi apenas um: entreter e instruir crianças e jovens espíritas com literatura de qualidade.
Anunciado como um presente de Ano Novo para os leitores, o Correio Fraterno inaugura em janeiro de 1978 a coluna “Fraterninho”, na autoria da escritora Iracema Sapucaia, a pedagoga com especial tino para as letras, que possivelmente inspirada pela ousadia literária de Lobato, inicia narrativas em forma de fábulas, segundo o qual “precisam correr a galope, sem nenhum enfeite literário”.
A paisagem literária no Brasil
“A literatura infantil em nosso país só tomou corpo e assumiu seu verdadeiro sentido recreativo e didático após o aparecimento do grande livro de Monteiro Lobato, em 1921, o Narizinho arrebitado. O caminho estava desbravado. Vieram na esteira de Lobato outros autores, porém sem o compromisso de levar algo mais alto, como por exemplo noções fundamentais de uma religião racional e desvinculada de dogmatismo.
O espiritismo sentiu a problemática. Do mundo maior veio o exemplo: a partir de 1946, os espíritos de Veneranda, Meimei, Neio Lúcio e Casimiro Cunha ditaram a Chico Xavier vários livros destinados às crianças.
Dos escritores espíritas encarnados, apenas dois vinham explorando o difícil ramo da literatura infantil: Roque Jacintho e Mário Tamassia. A literatura infantil espírita é assaz deficiente, no aspecto numérico e seus poucos autores encarnados e desencarnados, e não transmite ensinamentos doutrinários, a cultura espírita, mas apenas a moral cristã.” Em abril de 1979, assim escrevia o articulista do Correio, Aureliano Alves Netto.
Iracema enriquece a literatura espírita infantil
Em pouco tempo as histórias de O Fraterninho ganharam o formato de livro, sob o nome O Besouro Casca-Dura e outros contos, e se torna a primeira publicação em livros do Correio, em dezembro de 1978. O espaço no jornal destinado ao Fraterninho se transformou no Suplemento Literário, um projeto inovador na imprensa espírita na época.
Deolindo Amorim comenta
Deolindo Amorim, jornalista, idealizador e presidente da Associação Brasileira de Jornalistas Espíritas, também se manifesta, na edição de março de 1979:
“De cada história, como o besouro, a aranha, a formiguinha, o coelhinho, o jacaré, o tatu, o expositor ou orientador tira uma lição, que se aplica à vida. A história em si agrada à criança, mas o principal, depois da exposição, é justamente o aproveitamento prático. Contudo, não faz mal observar que, em determinados passos de algumas das histórias, o orientador da classe infantil naturalmente terá o cuidado de esclarecer o que significam as referências à mediunidade, quando trata de bichos, a fim de que a criança não fique na suposição de que o jacaré, o jabuti e outras figuras do enredo recebam comunicações de espíritos. Tudo é figurado, mas a curiosidade infantil, como sabem, tem reações imprevisíveis.”
Os animais e a temática espírita
Usar ou não os recursos das fábulas (dando voz aos animais) para passar o conhecimento espírita para crianças? A questão ganhou espaço por inúmeras edições do Correio, e foi levada inclusive à mesa redonda, realizada na época pelo jornal, com representantes do movimento espírita. Algumas colocações estampadas na edição de dezembro de 79 trazem afirmativas como: “negar este material junto à criança é negar a realidade infantil. A criança passa pela fase anímica, ela fala com os animais e os animais falam com ela. Negar isso é negar o talento de Walt Disney, de Monteiro Lobato, negar os grandes fabulistas. O autor ao escrever não está fazendo uma farsa, está procurando deleitar o espírito infantil. Agora, o importante é transmitir a verdade à criança: a reencarnação, a mediunidade etc.”
Fraterninho em quadrinhos
Ainda pelas mãos de Iracema Sapucaia nasce em dezembro de 1978 o personagem Fraterninho, primeiramente no Suplemento Literário, depois em forma de livro – As aventuras do Fraterninho. Mas foi em projeto recente que as aventuras deste personagem junto ao seu amigo Forcílio se transformaram em uma série em histórias em quadrinhos, encartada nas edições do Correio Fraterno entre 2008 e 2009. O sucesso foi tanto que por pouco a autora, já octogenária, não acata o nosso convite para dar vida a novas travessuras do personagem trinta anos depois. Receosa, ela se precaveu: Fraterninho poderia não reconhecê-la.
Texto publicado na edição especial de 45 anos do jornal Correio Fraterno - (edição 447 - setembro/outubro 2012)