A verdade vos libertará
O diálogo de Jesus com os judeus, no Templo de Jerusalém, relatado nos versículos 21 a 57, do capítulo oitavo, do Evangelho de João, acabou numa tentativa de lapidação. Indignados com a verdade cristã, que contrariava os seus dogmas, os judeus pegaram pedras para lhe atirar. Mas, segundo escreve João: "Jesus encobriu-se e saiu do Templo". Na tradução de Almeida, "Jesus ocultou-se".
Na verdade, Jesus desapareceu diante deles. Porque estavam no pátio, lugar aberto e amplo, onde ninguém poderia esconder-se facilmente. E estavam face a face, primeiro dialogando e, depois, discutindo. É evidente que Jesus serviu-se das suas faculdades para-normais, dos seus poderes mediúnicos, para ocultar-se aos olhos dos adversários. Por sinal que ele mesmo ensinou: "Tudo o que eu faça, vós também podeis fazer". O espiritismo provaria, mais tarde e, hoje, a Ciência o confirma, que as faculdades mediúnicas permitem aos médiuns, de efeitos físicos, desaparecerem parcial ou totalmente aos olhos dos outros.
Mas, o ponto central do diálogo com os judeus – certamente escribas e fariseus – é o momento em que Jesus disse aos que haviam acreditado nas suas palavras: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará'". O auditório estava dividido. Uns poucos aceitaram o seu ensino, mas a maioria o rejeitou. E foi por isso que muitos lhe gritaram: "Somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém". Ao que Jesus retrucou: "Em verdade, vos digo que, o que comete pecado, é escravo do pecado".
Para os judeus formalistas, apegados aos dogmas da sua seita e às prescrições da lei, quem estava pecando era Jesus, que violava as regras sagradas para ministrar novos ensinos. A verdade, para eles, era a interpretação farisaica das Escrituras. Jesus lhes aparecia como um herege e, por isso mesmo, chamaram-no de samaritano e possesso do demônio. A História está cheia de episódios dessa natureza. Os homens se apegam a fórmulas, a preceitos, a interpretações convencionais, enchem a cabeça de mistérios e absurdos e, depois, não têm olhos para a verdade, quando ela se revela na palavra dos emissários divinos.
É assim na religião, na ciência, na filosofia, nas artes, em todos os setores do conhecimento. É por isso que o Espiritismo – doutrina livre dos prejuízos do espírito de sistema – não tem como lema a expressão arrogante: "Fora da verdade, não há salvação" mas, sim, a expressão humilde: "Fora da caridade, não há salvação". Os que são caridosos, amantes do Bem, estão de olhos e ouvidos abertos para a Verdade, porque o Bem é o próprio Deus manifestado entre os homens – e só Deus possui a Verdade. Assim, como Deus não faz acepção de pessoas, a Caridade não separa os homens e não atira pedras contra os que seguem por outro caminho.
Extraído do livro O mistério do bem e do mal, Editora Correio Fraterno, que contém crônicas de J. Herculano Pires, publicadas no jornal O Diário de São Paulo, entre 1957 e 1970, com o pseudônimo de Irmão Saulo.