The Chosen: a vida de Jesus que faz sucesso em série de tevê
Por Eliana Haddad
O grande sucesso da recente estreia nos cinemas da quarta temporada de The Chosen (Os Escolhidos) fez com que a Paris Filmes e a Lionsgate, que distribuem mundialmente a série, decidissem lançar todos os próximos capítulos primeiramente nas telonas antes de serem exibidos nas plataformas de streaming.
No total serão sete temporadas, com oito episódios cada. O diferencial está em mostrar a vida de Jesus (Jonathan Roumie) de forma inusitada, através do olhar de seus discípulos e seguidores.
Os números da produção, que iniciou com tímida campanha de financiamento coletivo e se tornou uma das maiores arrecadações da história para um projeto de mídia, são impactantes. Os episódios de The Chosen já foram visualizados mais de 800 milhões de vezes. A série conta com 13 milhões de seguidores nas redes sociais e já foi assistida em mais de 190 países, com tradução para múltiplos idiomas. Tudo isso nos faz perguntar por que um tema já tão explorado no universo cinematográfico tem suscitado tanto interesse do público por todo o mundo.
O desenrolar da história
As três primeiras temporadas — disponíveis na Netflix — mostram o caminho de preparação percorrido por Jesus e seus apóstolos para o cumprimento da missão de anunciar a chegada do Reino de Deus à Terra. A quarta temporada termina com a emocionante e profética entrada de Jesus em Jerusalém, reproduzindo em cada episódio o aumento da tensão, com a perseguição pelas autoridades políticas e religiosas da época.
A cada cena, a conhecida história de Jesus vai sendo revelada com ênfase no aspecto humano e empático dos personagens. A uns, ela ainda impressiona pela narrativa tão próxima sobre a passagem de Jesus na Terra; a outros, cativa pela qualidade da produção e pela evidência das imperfeições e conflitos dos discípulos, gerando no espectador maior identificação com os personagens.
São 32 episódios já disponibilizados gratuitamente no próprio aplicativo The Chosen e no canal do YouTube. A quinta temporada, filmada em Utah, nos Estados Unidos, promete para o ano que vem novas emoções ao abordar o período da Semana Santa. A sexta temporada será sobre a crucificação e a sétima trará a ‘ressurreição’ de Jesus.
Uma ideia ampliada
A ideia para a série começou em 2017, quando o cineasta evangélico Dallas Jenkins produziu para sua igreja o curta-metragem The Shepherd (O Pastor), como parte de um especial de Natal, que contasse a história do nascimento de Jesus do ponto de vista dos pastores. O vídeo viralizou, o que levou Jenkins a considerar a possibilidade de produzir uma série mais ampla, que contasse a vida de Jesus através das perspectivas daqueles que o conheceram.
A primeira temporada foi lançada em 2019. A segunda viria em 2021, depois do período de isolamento social provocado pela pandemia. A terceira, em 2023, emplacou justamente pelo contexto emocional delicado que o mundo todo passava, do pós-Covid. Momento certo para se desejar ouvir falar sobre amor, fé, perdão, como é a mensagem atemporal e universal trazida à humanidade há mais de dois mil anos. Com ênfase numa abordagem histórica, The Chosen resgata a presença de Jesus, trazendo a possibilidade de seus ensinamentos serem divulgados em forma digital a várias nações ao mesmo tempo, cristãs ou não, justamente por não focar as particularidades de cada religião.
Experiências emocionais
O sucesso da série parece estar muito mais vinculado a experiências emocionais que provoca, ao revelar personagens bastante humanos, muitos a lutar pelo poder com grande vazio no coração. Jesus a todos acolhe e, apesar das suas dificuldades e imperfeições, os discípulos também continuam a segui-lo com suas limitações, alegrias, lágrimas e dúvidas aplicáveis ao cotidiano humano.
Esse impacto também atingiu o elenco e os milhares de figurantes da série. Segundo o ator Jonathan Roumie (católico), ser intérprete de Jesus, além de ser de grande responsabilidade, tem sido um trabalho que vem procurando desempenhar com humildade para melhor estreitar sua relação com Deus. “A compreensão sobre Jesus permitiu que eu me conectasse emocionalmente com sua humanidade, entendendo melhor suas lutas e compaixão pelo próximo”, destaca, informando que recebe muitos depoimentos de pessoas que foram transformadas pela série. “The Chosen é realmente algo especial, extraordinário, que tem o poder de mudar o mundo inteiro”, acrescenta o ator, que revelou ter passado por sérias dificuldades financeiras, desemprego e quase ter desistido da profissão dias antes de ser chamado para o papel na série, que aceitou mesmo sem saber até quando e como iria continuar.
Outros atores se expressaram em vários vídeos, também disponíveis no aplicativo, destacando que, durante as gravações, muitas vezes não conseguiam dominar a emoção em certas cenas. Foi o caso de Erick Avari, que interpreta na série o sacerdote Nicodemos. Considerando-se até então ateu, revelou não poder ter contido as lágrimas ao interpretar a passagem bíblica em que ele reconhece Jesus como o Filho de Deus, o Enviado, que veio cumprir a Lei e os profetas. Para quem assiste, a emoção é evidente, contagia.
O poder da sétima arte
Baseada nas verdadeiras histórias dos Evangelhos de Jesus, a produção conta com algumas licenças poéticas. “Localizações e linhas do tempo foram combinadas ou condensadas, histórias de fundo e alguns personagens e diálogos foram adicionados. No entanto, todo contexto bíblico e histórico e qualquer imaginação artística foram feitas para apoiar a verdade e a intenção das Escrituras”, explica o seu criador, diretor e corroteirista Dallas Jenkins, acreditando assim incentivar a leitura dos evangelhos.
A série retrata um drama histórico com liberdades de criação bastante sugestivas para melhor compor o enredo. Um bom exemplo é o autismo de Mateus (Paras Patel), um dos evangelistas e ex-cobrador de impostos. A característica atribuída ao personagem surgiu da experiência pessoal de Jenkins como pai de sua filha autista, fato inspirador para evidenciar ainda mais o interesse e o amor de Jesus por todas as pessoas. Assim também acontece com algumas cenas criadas para melhor contextualizar temas importantes, como o luto. Daí o assassinato de Ramah (Yasmine Al-Bustami), noiva de Tomé (Joey Vahedi), e o aborto espontâneo sofrido por Eden (Lara Silva), esposa de Simão Pedro (Shahar Isaac).
A fidelidade aos textos evangélicos permite grande conexão com o público, na voz de um Jesus humano, muito mais perto de todos. “Não violamos o caráter e a intenção de Jesus nos evangelhos. The Chosen não é a Bíblia, mas uma série de tevê que explora essas histórias”, esclarece Jenkins, ao comentar que muitas obras de arte fazem Jesus parecer mais distante, formal. “As pessoas que com ele conviveram conheceram-no como ser humano que ria e chorava, dançava com os amigos nos casamentos. Mostrar a sua humanidade não afasta sua divindade. Isso o torna ainda mais poderoso”, destaca.
The Chosen conta com a consultoria de uma comissão de três especialistas bíblicos e religiosos – um rabino judeu messiânico, um padre católico e um estudioso evangélico. “Eles leem os nossos roteiros e nos ajudam a garantir que não estamos fazendo nada que seria totalmente impossível ou improvável. Depois de cada episódio, realizamos mesas-redondas para conversarmos sobre as histórias, entrando em seu sentido mais profundo”, conta Jenkins.
O século 19 e as elucidações
Fica claro em The Chosen que os milagres realizados por Jesus foram realmente motivos de muita perplexidade, o que acabou por gerar toda a sua perseguição, suplício e crucificação. Aliás, eles são bastante evidenciados ao longo da série. Ali estão retratadas, por exemplo, a cura do cego de nascença, do paralítico e da mulher hemorrágica, a multiplicação dos pães no Sermão da Montanha, a transformação da água em vinho e a ‘ressurreição’ de Lázaro.
Dezenove séculos depois, Allan Kardec traria com o espiritismo novas elucidações sobre o tema, esclarecendo que tudo isso nada tinha de sobrenatural. Tais fatos estavam baseados nas propriedades da alma e dos fluidos, um outro lado da natureza de que Jesus, o espírito mais elevado que esteve na Terra, tinha bastante conhecimento.
The Chosen emociona pelo melhor de Jesus. Sua simplicidade, sabedoria e amor resumem sua autoridade moral sobre todos, numa mensagem especial, renovadora, por ele exemplificada e vivenciada através de tantas passagens inspiradoras, que esclarecem sobre o que realmente seria a felicidade e que até hoje ainda permanece incompreendida por falta de visão espiritual da vida.
É por isso também que Kardec afirma em A gênese (1868) que, de todos os fatos que dão testemunho do poder de Jesus, os mais numerosos são, sem dúvida, as curas. Mas observa que “queria ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o daquele que faz o bem; que o seu objetivo era ser útil e não satisfazer à curiosidade dos indiferentes, por meio de coisas extraordinárias. Aliviando os sofrimentos, prendia a si as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os olhos. Desse modo, fazia-se amado, ao passo que se se limitasse a produzir surpreendentes fatos materiais, conforme os fariseus reclamavam, a maioria das pessoas não teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil, que os desocupados iriam apreciar para se distraírem”.
Ao colocar foco na mensagem de Jesus, tudo indica que The Chosen está no caminho certo. De qualquer forma, será preciso aguardar os próximos capítulos.