O ChatGPT e as obras de Kardec
Por Luciana Farias*
Pessoas de diversas áreas do conhecimento vêm explorando as funcionalidades do ChatGPT, um serviço baseado em inteligência artificial, que se propõe a auxiliar em diversas tarefas que envolvam linguagem, como responder perguntas, criar e traduzir textos. No espiritismo, seu uso ainda é incipiente e limitado a interações esporádicas, compartilhadas em grupos de discussão e posts em redes sociais. Interessa-nos saber se o ChatGPT pode ser útil aos espíritas, se essa tecnologia está pronta para um diálogo sobre a doutrina espírita.
Trago aqui a minha experiência do ‘papo’ com o ChatGPT, versão free, sobre espiritismo. Comecei com o básico, visando identificar o seu conhecimento sobre as obras de Kardec, através de diversas perguntas extremamente simples, constatando o risco de se ter como verdades as respostas fornecidas. Eis a transcrição de partes desse diálogo.
Eu: “Você conhece a obra O evangelho segundo o espiritismo?”
ChatGPT: “Sim, estou familiarizado com a obra O evangelho segundo o espiritismo. É um livro importante dentro do espiritismo, que busca estabelecer uma interpretação dos ensinamentos de Jesus à luz da doutrina espírita. Foi publicado pela primeira vez em 1864, codificado por Allan Kardec, o fundador do espiritismo.
É composto por cinco partes principais. A primeira parte contém uma introdução que aborda a importância do Evangelho na vida dos indivíduos. A segunda parte é composta por uma seleção de capítulos dos Evangelhos canônicos da Bíblia, que são analisados e comentados à luz da doutrina espírita. A terceira aborda a moral espírita, apresentando uma série de ensinamentos morais e éticos. A quarta trata das esperanças e consolações oferecidas pela doutrina espírita, incluindo temas como a vida após a morte e a lei de causa e efeito. A quinta e última parte contém uma coleção de preces e instruções sobre a prática do bem.”
Aqui já vemos que a Inteligência Artificial não ‘leu’ esse livro, uma vez que se refere a uma divisão em partes que não corresponde à estrutura do Evangelho.
Intencionando também obter um resumo do capítulo ‘Sistemas’ de O livro dos médiuns, perguntei ao ChatGPT se poderia fazê-lo, mas pedi propositalmente de forma ambígua o resumo do capítulo 4, sabendo que a obra possui duas partes e ambas contêm um capítulo 4. A resposta acabou sendo sobre o capítulo 15 da parte 2:
ChatGPT: “Certamente! O quarto capítulo do livro O livro dos médiuns, de Allan Kardec, tem como título ‘Dos médiuns escreventes ou psicógrafos’. Neste capítulo, Kardec explora o fenômeno da escrita mediúnica, no qual os médiuns são capazes de produzir textos escritos sob a influência de espíritos.”
Eu - Esse é o quarto capítulo de que parte do livro? - insisti para ver se o Chat corrigiria o erro.
E ‘a emenda foi pior do que o soneto’. Pediu desculpas pelo erro e afirmou que o capítulo ‘Dos médiuns escreventes ou psicógrafos’ não pertencia à obra, e ainda a descreveu erroneamente como composta por quatro partes, citando as partes de O livro dos espíritos. Depois, confirmou que não fazia a mínima ideia de que tinha errado novamente, por se achar capaz de me dar ‘informações precisas’:
ChatGPT: “Mais uma vez, peço desculpas pela informação imprecisa anterior. Se você tiver interesse em um capítulo específico ou em algum tema relacionado ao espiritismo, estou à disposição para ajudar com informações precisas.”
Por fim, indaguei com base no nome do capítulo: "De que livro de Allan Kardec é o capítulo ‘O método’?" Em vez de responder que era de O livro dos médiuns (capítulo 3 da parte 1), o ChatGPT afirmou ser de O livro dos espíritos.
A experiência mostrou que o ChatGPT não conhece o texto completo das obras de Kardec. E, assim como Marco Milani alertou na edição passada do Correio sobre a possibilidade da Inteligência Artificial gerar falsas comunicações mediúnicas, também vale destacar ser o ChatGPT um péssimo companheiro de estudos para quem quer aprender verdadeiramente sobre espiritismo, cuja melhor fonte continua sendo as obras de Allan Kardec.
Ambiguidades e incorreções
O que realmente impressiona no ChatGPT é o uso de expressões e formas de linguagem humana para simular respostas, dando a impressão de um diálogo real com outra pessoa. O encantamento pode dar a falsa impressão de que essa ‘máquina-pessoa’ é extremamente inteligente e tudo que responde está correto.
O serviço, em fase experimental e com informações até setembro de 2021, às vezes, escreve respostas que parecem plausíveis, porém são incorretas ou sem sentido. O fabricante, OpenAI, tem ciência dessas falhas e convida os usuários a utilizá-lo gratuitamente e a dar feedback de seus erros e acertos.
Embora a versão paga, Plus, prometa corrigir erros, como a dificuldade de lidar com ambiguidades ou de identificar que não sabe responder, é preciso lembrar que há limitações da tecnologia que os humanos ainda não conseguiram resolver.
Quem ainda não experimentou, pode acessar o serviço em https://chat.openai.com/
*Luciana Farias é analista de Tecnologia da Informação. Pesquisadora junto ao CSI do Espiritismo (Codification Séances Investigation) https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/ e do Museu AKOL www.allankardec.online. Participa do portal Obras de Kardec www.obrasdekardec.com.br.