Mednesp: altruísmo e compaixão no processo terapêutico

Presença de mais de 1.800 pessoas. “A ciência está mais aberta do que nunca”

Por Eliana Haddad e Izabel Vitusso

Direita para a esq.: Gilson Luis Roberto, ex-presidente da AME-Brasil e Marcus Ribeiro, presidente do Mednesp 2025


Com a presença de 1.800 pessoas, a Associação Médico-Espírita do Brasil realizou no mês de junho, em São Paulo, o seu 17º Mednesp, congresso bianual que reúne médicos, profissionais da saúde, pesquisadores e o público interessado em uma abordagem mais ampla e integral do cuidado humano.

Tendo como tema central “Servir para curar-se”, o evento, que aconteceu no Espaço de Eventos Villa Blue Tree, trouxe temas bastante atuais, que se constituíram em verdadeiro convite ao desenvolvimento pessoal, de modo a aprofundar não somente conhecimentos práticos voltados à promoção do bem-estar integral dos pacientes, como também enfatizou a necessidade do acolhimento e da empatia em hospitais, consultórios e nas casas espíritas.

Referência mundial, o Congresso Médico-Espírita tem como objetivo propagar não apenas o conteúdo científico mais atual na área de saúde, mas disponibilizar aos participantes uma programação recheada de depoimentos e reflexões sobre as experiências vivenciadas por profissionais renomados, nacional e internacionalmente, que têm a espiritualidade como um dos principais pilares no atendimento e cuidado dos pacientes.

“Servir para curar-se”

Neste ano, o Mednesp incluiu nos três dias do evento, 19, 10 e 21 de junho, impactantes abordagens relacionadas à reencarnação, continuidade da vida e influência espiritual.

Segundo seus organizadores, o tema teve como objetivo propor uma reflexão profunda sobre o papel do altruísmo, da compaixão e da transcendência no processo terapêutico – tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado, mostrando que o ato de servir ao próximo não é apenas um valor ético ou espiritual, mas também uma ferramenta de cura pessoal e coletiva. “O Mednesp é uma porta de entrada da ciência nas casas espíritas e da espiritualidade nos consultórios médicos”, resume Conrado Santos, coordenador de comunicação do evento. “É um movimento de transformação mútua, onde o conhecimento científico se alia à vivência espiritual.”

Segundo o geriatra Fabio Nasri, da AME São Paulo, o evento “é um espaço onde discutimos com coragem o paradigma médico-espírita. Hoje temos evidências científicas robustas sobre os benefícios da fé, da prece, da conexão espiritual. Não se trata apenas de crença, mas de dados concretos. A ciência está mais aberta do que nunca”.

Para Marcus Ribeiro, que presidiu este ano o evento, o Mednesp representou um divisor de águas: “Existe um Marcus antes e outro depois do congresso. A experiência me transformou como profissional e como ser humano. É isso que o congresso promove: expansão de consciência, troca de saberes e cura em vários níveis.”

Para eles, o evento vai além da medicina. Ele também mobiliza educadores, terapeutas, religiosos, estudantes e pessoas comuns, interessadas em ciência e espiritualidade, o que acabou por formar um público participante heterogêneo, e de diversas regiões do Brasil, que compartilha o propósito comum de construir um mundo melhor e uma saúde mais abrangente.

Temas de 2025

Entre os temas desenvolvidos neste ano, a programação incluiu: Saúde espiritual: caminhos para a harmonia da alma (Roberto Lúcio Vieira de Sousa, Maria Beatriz Veiga e Alberto Almeida); Fisiologia espiritual: conectando os corpos físico e sutis (Domingos Vaz do Cabo, Décio Iandoli Jr. e Ricardo J. dos Santos); Família e saúde integral: questões espirituais do desenvolvimento (Aroldo de Lara Cardoso Jr., Márcia R. Léon, Rossandro Klinjey e Fabiana G. Bassi); Diversidade e inclusão em instituições espíritas: o amor como princípio (Andrei Moreira, Moacyr Camargo e Ikaro Kadoshi); Curas improváveis e remissões espontâneas: desafios aos limites biológicos (Luiz Felipe Guimarães, Paulo Cesar Fructuoso e Sérgio Thiesen). Também foram abordados no auditório principal do evento os 30 anos da AME-Brasil, a atuação da ONG Fraternidade sem Fronteiras, além de evidências científicas sobre o pós-morte.

Painéis simultâneos

Simultaneamente às apresentações no auditório principal, o congresso contou com mesas em outras três salas, destacando-se como tema: O que todo centro espírita deve saber (José Roberto Santos, Katia Marabuco de Souza, Arismar Léon Pereira e Maria de Lourdes de Lima), que trouxe orientações práticas sobre gestão, acolhimento, ética e espiritualidade nos centros espíritas, visando melhores práticas de assistência social e cultural. Outro assunto interessante foi: Espiritualidade como suporte integral na internação (Marcelo Saad, Fabio Nasri, Felipe Moraes e Alexandre Anéfalos), que explorou como a espiritualidade pode ser integrada aos cuidados intensivos, especialmente em UTIs.

Destacaram-se ainda temas relacionados ao apoio assistencial na casa espírita quanto às diferentes fases do luto, ao suicídio (acolhimento e boas práticas em centros espíritas), aborto (acolhimento responsável), terapias complementares espirituais (evidências científicas), homeopatia humanista, consciência e imortalidade.

Também foram apresentados os resultados da pesquisa em espiritualidade e saúde, pelo cardiologista Álvaro Avezum e pelo psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, dois dos principais pesquisadores brasileiros no tema. 

Como programação especial, foi também realizado um Simpósio Internacional com Christina Puchalski, médica da Universidade George Washington, referência global na integração da espiritualidade em ambientes clínicos. O tema por ela desenvolvido foi: Sofrimento espiritual de pacientes – como reconhecer e atuar.

Como diferenciar um quadro de obsessão de um distúrbio psiquiátrico

Ao contar sobre suas experiências no campo da obsessão, o psiquiatra Jaider Rodrigues de Paula, que participou da mesa Saúde mental sob a ótica espírita, enumerou algumas questões-chave que podem ajudar a diferenciar a influência espiritual:
“A primeira é o sono. É preciso saber se a pessoa tem pesadelo persecutório à noite. A noite é terrível para os obsediados.
Tem pensamentos abruptos de agressividade direcionada a alguém? Geralmente isso acontece em relação a alguém da família, alguém bem próximo.
Tem sugestões mentais para fazer coisas erradas em público? Por exemplo, agredir pessoas na rua, fazer coisas que chamem a atenção? Possui pensamentos de autoextermínio ou pensamentos homicidas? Tem impulso de fazer coisas que irão colocar alguém ou mesmo ele em risco?
Tem pensamentos que lhe impõem medo, como, por exemplo, de perder o domínio da sua mente?”
O psiquiatra salienta que a diferenciação é difícil, mesmo porque muitas vezes o quadro obsessivo já está instalado e a ressonância entre espírito e paciente já é grande, dificultando se saber com quem na verdade se está conversando.
Conta que foi certa vez procurado por um psiquiatra, porque estava conversando com um paciente esquizofrênico crônico e lhe perguntou: “Você acredita em Deus?” O paciente modificou o tom e o ameaçou com uma voz rouca: “Você não fala esse nome comigo, não.” O profissional desconversou e aos poucos o paciente foi voltando ao normal. “Eu vi que estava falando com outra pessoa”, contou. Jaider de Paula conta que tal fato também se deu com ele. “São situações difíceis; nem sempre é o caso de distúrbio psicopatológico.”
E continuou: “Tive um paciente, advogado bem-sucedido, que acordava, de repente, com uma paranoia de não sair de casa, porque iria lhe acontecer alguma coisa, alguém iria agredi-lo, iria dar vexame em algum momento. Aproveitando que ele tinha certo conhecimento espiritual, apontei-lhe que poderia estar sendo hipnotizado à noite para não conseguir trabalhar. Estudando o caso para tirar-lhe o antipsicótico, certo dia lhe perguntei: ‘Você já pensou que isso pode ser espiritual?’ Ele aderiu à minha recomendação de fazer uma oração antes de dormir e logo que acordasse. Também o encaminhei a um centro. Se não fosse o centro espírita para encaminhar os pacientes, eu estaria perdido. Orientei também para que substituísse os pensamentos ruins ao levantar-se e, aos poucos, fomos retirando a medicação.”
“As ideias vêm menos. E eu já sei que não posso aceitá-las, porque não são minhas”, concluiu o paciente.

Acolhimento e boas práticas na casa espírita
Entre as dinâmicas apresentadas com relação ao acolhimento a ser exercido nas casas espíritas, médicos e psicólogos apresentaram algumas sugestões referentes ao atendimento fraterno nos casos de aborto e suicídio.

Aborto
É preciso acolher a mulher que abortou, seja qual for o motivo. Há de se ter cuidado com o julgamento, pois ali estará alguém que sofre e necessita de ajuda, carinho e escuta. Antes de lhe ser passado o que diz o espiritismo sobre o tema, é preciso observar se a pessoa está ao menos preparada para reconhecer o ato, normalmente cometido num momento de fragilidade e conflito. Em vez de culpa é preciso plantar esperança, para se recomeçar a vida na certeza de que junto com a responsabilidade que lhe cabe, sempre haverá formas de reparar os enganos, por ser a lei de Deus misericordiosa, educadora e não punitiva. O aprendizado deve ser priorizado depois de se prestar primeiro o socorro amoroso à dor.

Suicídio
Tanto para a prevenção como para os que já tentaram o suicídio ou passaram por essa situação com alguém próximo, os profissionais de saúde recomendam que, em um diálogo fraterno na casa espírita, o atendente perceba durante a conversa quais são os fatores de proteção (ter filhos, por exemplo) e quais os fatores de risco (uma doença crônica, por exemplo), para poder ter uma melhor avaliação e orientação.
Respostas prontas como “é preciso ter fé” e a ameaça de um lugar de muito sofrimento após a morte não são adequadas, pois é a dor do desespero e da falta de esperança que está ali presente, falando mais alto, necessitando de atenção. É preciso ter uma escuta bastante humanizada para que as dificuldades vividas venham à tona e possam ser acolhidas sem preconceito.