Bom ânimo, a mensagem esquecida
Por Gisela Alexandre Levatti *
"Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo." (João 16:33)
Quando fazemos uma leitura dos Evangelhos com 'olhos de ver' e com foco nos dias atuais, surpreende-nos a quantidade de informações e a preocupação de Jesus com o futuro, não somente aquele que se apresentava de imediato para seus discípulos e apóstolos, mas o futuro referindo-se aos milênios que se sucederiam para a alma humana, o que ele conhecia muito bem.
Na escolha dos doze, que chamaria de apóstolos, Jesus contava com os espíritos mais capazes deste orbe para a difusão da sua mensagem de amor. Sendo a realização de um projeto extraordinário e grandioso – a transformação da Humanidade terrena – convocou diversos níveis hierárquicos para serem intérpretes e divulgadores de suas ações e de seus ensinamentos, o que tornou possível que a mensagem chegasse aos nossos dias.
Dentre eles, Pedro e João (o evangelista) estão mais presentes nas narrativas dos Evangelhos. Os demais eram "homens comuns, corajosos e trabalhadores, mas que ficavam a uma distância incalculável de um místico profundo como João, de um teólogo intelectualizado como Paulo, e de um administrador entusiasta como Pedro", nas palavras de Humberto de Campos, no livro "Boa Nova", psicografado por Chico Xavier. Entretanto, atendendo àquela convocação, estes homens dariam a vida pelo Mestre e levariam sua palavra a lugares distantes e inóspitos.
Composto o colégio de apóstolos, mesmo com reduzido número, o grupo vive de início algumas dificuldades em se harmonizar. Humberto de Campos, na obra citada, informa que Jesus por vezes os surpreendia em discussões inúteis do tipo "qual deles seria o maior no reino de Deus" ou qual revelava maior sabedoria no campo do Evangelho. "Homens comuns", que no trabalho apostólico se harmonizariam.
Foram muitas as passagens que revelaram as dificuldades que Jesus viveu em relação a eles: a da "fé que move montanhas" (Mateus 17:14 a 20); "deixai vir a mim as criancinhas" (Marcos 10:13 a 16); "a oração no jardim"(Mateus 26:36-46); a negação de Pedro (Mateus 26:69-70), só para citar algumas. Esses "homens comuns" tinham suas famílias, viviam os problemas de sua época e, certamente, muitos dramas íntimos quando abraçaram a missão de acompanhar o Cristo.
Jesus frequentemente chamava um ou outro para transmitir recomendações particulares, ora consolando, ora orientando, além de suas pregações reservadas aos apóstolos ou públicas. Foi num desses momentos, narrado por Humberto de Campos, que o Mestre se dirige a Bartolomeu.
Embora a escassez de informações sobre este apóstolo, Humberto de Campos conta que ele "foi um dos mais dedicados discípulos do Cristo, desde os primeiros tempos de suas pregações, junto ao Tiberíades", e que "todas as suas possibilidades eram empregadas em acompanhar o Mestre, na sua tarefa divina". Nesse relato, Jesus lhe ouve sobre por que motivos muitas vezes meditava triste e dolorosamente.
Impressiona o que Bartolomeu expõe ao Mestre, que nos traz à nossa realidade: "quando esclarecestes que o vosso reino não é deste mundo, experimentei uma nova coragem para atravessar as misérias do caminho da Terra, pois, aqui, o selo do mal parece obscurecer as coisas mais puras!... Por toda parte, é a vitória do crime, o jogo das ambições, a colheita dos desenganos!...". Relata ainda a perda da mãe, havia pouco tempo, e as dificuldades com os comerciantes com quem negociava.
Então Jesus lhe acende o ânimo, como sempre o fez a outros, apesar de em muitos momentos ter recorrido a críticas disciplinadoras; reafirma que seu reino não é deste mundo, mas também que um dia esse reino será estendido aos corações da Terra, onde o Evangelho florescerá no espírito dos povos depois de florescer na alma das criaturas; que a morte do corpo abre as portas de um mundo novo para a alma e que o melhor negócio do mundo é a iluminação definitiva da alma para Deus.
Conforme este relato, Bartolomeu, ao voltar para casa transformado, mais tolerante, ouviu ofensas de seus irmãos e se lembrou de que só ele tinha alegrias a lhes dar. Do pai, ouviu igualmente impropérios. Mas ele conhecia Jesus e seu pai não. No trabalho teve palavras boas com os companheiros e com os comerciantes, e essa mudança de atitudes lhe trouxe mais harmonia, mais paz. Aprendera a converter em alegria a incompreensão, as adversidades e a tristeza.
Nos contratempos que se nos apresentam, que muitas vezes nem são tão grandes assim, lembremo-nos de Jesus, de sua tarefa gigantesca, das muitas dificuldades e incompreensão que colheu entre os homens na Terra e da sua mensagem de bom ânimo, porque "todo discípulo do Evangelho tem que ser um semeador de paz e alegria".
*Geóloga, responsável pelo GEDE – Grupos de Estudo da Doutrina Espírita do Centro Espírita União, em São Paulo, SP.
(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 454, nov./ dez 2013)