A captação de recursos nas casas espíritas

Por Redação

O Departamento de Doutrina da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo realizou, em agosto, junto aos dirigentes de centros e órgãos representativos paulistas, um estudo sobre a captação de recursos em centros espíritas, visando identificar entre eles as principais práticas adotadas e as consideradas inapropriadas.

Marco Milani

Marco Milani

O levantamento foi coordenado pelo economista Marco Milani com a participação de 204 respondentes, os quais acessaram um questionário eletrônico com sete perguntas. 

“Considerando-se tratar de amostra não probabilística, os resultados serão utilizados apenas para registro de ocorrências e motivação para argumentação conceitual, sem a pretensão de generalização”, explica Milani.

A manutenção e o desenvolvimento das suas atividades, com seus respectivos recursos de diferentes naturezas, inclusive financeiros, constituem-se em uns dos principais desafios de dirigentes de centro espírita.

“Já no século 19, Allan Kardec, conhecedor da necessidade do planejamento financeiro baseado na prudência, ao discorrer sobre as características da Comissão Central do Espiritismo (Obras póstumas – 2ª parte), sabiamente alerta para não se tentar cobrir despesas fixas com recursos eventuais, pois no longo prazo essa medida prejudicaria a sustentabilidade da organização”, explica Milani. 

“Kardec sinalizou que as despesas deveriam ser compatíveis com o volume de receitas recebidas, ou seja, primeiro verifica-se o volume de recursos disponíveis para somente depois se assumir compromissos com gastos, preservando a continuidade operacional das atividades. A estrutura da organização seria proporcional à sua capacidade de geração de renda”, lembra o pesquisador, que é diretor do Departamento de Doutrina da USE.

No Brasil, constatam-se diferentes práticas nas instituições espíritas para a captação de recursos, tanto aquelas que geram rendas de maneira mais perene, assim como as decorrentes de eventos pontuais. “Muitas dessas práticas são bastante disseminadas e plenamente aderentes aos princípios e valores espíritas. Algumas, entretanto, ainda que estejam em conformidade legal, despertam controvérsias com relação aos seus aspectos éticos e doutrinários, como a realização de bingos, loterias, rifas e outras formas de arrecadação que se assemelhem a jogos de azar e que têm a sua legitimidade questionada como prática em uma organização espírita”, argumenta Milani.

Também a venda de bebidas alcoólicas, ainda que controlada para maiores de idade em eventos e atividades festivas, é questionada. A comercialização de pinturas e de outras formas de manifestação artísticas mediúnicas recebem, também, questionamentos sobre sua pertinência.

Milani observa que, em documento publicado em 2007 pelo Conselho Federativo Nacional, entidade que reúne as federativas espíritas de todos os estados brasileiros, recomenda-se “evitar o uso de tômbolas, bingos, rifas... ou outros meios desaconselháveis ante a doutrina espírita” (Orientação ao centro espírita – Cap. 9, i. 6).


Conflitos éticos

A autonomia administrativa inerente a cada instituição espírita permite a análise de posturas ora convergentes, ora divergentes do entendimento geral das práticas mais comuns e consideradas apropriadas para a necessária captação de recursos.

A postura de alguns dirigentes, ainda que minoria, conflita eticamente com a maioria, com relação às práticas de comercialização de bebidas alcoólicas e promoção de jogos e sorteios, dentre outros procedimentos para captação de recursos financeiros que contrariam princípios e valores espíritas.

Alguns respondentes deste levantamento sinalizaram que se a comercialização de tais produtos, considerados drogas lícitas (cerveja, vinho etc.), ocorrerem em eventos fora da instituição espírita, mas promovidos por ela, então poderiam ser aceitos. Os fins justificariam os meios. “Essa postura carrega uma contradição ética ao incentivar o consumo de drogas lícitas em eventos organizados ou apoiados pela casa espírita, a qual deveria, supostamente, cuidar do corpo e do Espírito”, comenta Milani.

Para o pesquisador, é compreensível a existência de diferentes níveis de maturidade moral e doutrinária entre os adeptos, gerando posicionamentos antagônicos em algumas situações, porém cabe aos dirigentes de instituições espíritas e às entidades federativas a orientação segura e formação de ambientes adequados para a reflexão crítica sobre quais práticas estariam coerentemente alinhadas aos ensinamentos dos Espíritos apresentados por Allan Kardec. “Se, por um lado, é de responsabilidade da própria casa espírita a adoção de práticas, ainda que lamentavelmente estranhas ao espiritismo, é fundamental que a USE e seus órgãos administrativos prezem pelo esclarecimento fraterno, mais claro e objetivo, sobre práticas adequadas e inadequadas às instituições espíritas”.

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Orientações oportunas

Bebidas alcóolicas — Não há como considerar apropriada a comercialização, ainda que consideradas drogas lícitas, em qualquer evento organizado ou apoiado por entidades espíritas.

Jogos e sorteios — Deve-se desincentivar a arrecadação por meio de jogos de azar e sorteios de qualquer espécie sob a justificativa financeira.

Produtos mediúnicos — A obtenção de recursos mediante a venda de produtos mediúnicos, como pinturas e desenhos, não encontra uma aceitação plena, havendo divisão de opiniões nesse sentido. A intenção é meritória, porém os cuidados envolvidos nesse processo devem ser atentados. Inicialmente, não se pode ter certeza de que se trata de manifestação mediúnica e a comercialização de algo que não corresponderia às expectativas do cliente pode ter implicações jurídicas. Mesmo que fosse mediúnico, quando assinado por suposto artista famoso, também poderiam ocorrer problemas legais.

Livros — A comercialização de livros com conteúdo doutrinário distorcido também contou com a reprovação da maioria dos dirigentes. Os desafios financeiros podem fazer com que a casa espírita torne-se mais permissiva quanto à qualidade das obras comercializadas em suas respectivas livrarias, mas novamente evoca-se a responsabilidade inerente ao cargo que todos os dirigentes deveriam ter com relação à divulgação sincera e coerente dos princípios espíritas.