Música: a sinfonia divina no coração dos homens

Por Eliana Haddad e Izabel Vitusso

“...do Alto descem acordes e um hino universal faz estremecerem céus e terras. À percepção desses acordes o espírito se dilata e desabrocha; ele se sente viver na comunhão divina e entra numa encantamento que chega ao êxtase.” – Léon Denis

Quem ainda não conhece o trabalho artístico que ele realiza no movimento espírita em São Paulo e em outros estados não imagina que por trás dos ares de um garoto habite um tenor, encantado com a música erudita. Aos 29 anos, além do trabalho profissional de canto lírico em apresentações e cerimônias, Allan Vilches dedica grande parte de sua agenda ao trabalho de abrilhantar os eventos espíritas, onde sua participação inunda de boas vibrações os ambientes, fazendo com que o evangelho de Jesus toque com maestria todos os corações.

Só agora em dezembro ele fará 48 apresentações. Para um tenor, isso representa falta de descanso, pausa para voz, o que tecnicamente não seria recomendável. Mas para ele não é assim. Com a agenda lotada, um sorriso constante que retrata alegria do trabalho e a consciência de seu papel como artista na divulgação da temática espírita, Allan Vilches sente-se liberto das recomendações de praxe. Ele mesmo se espanta, não sabe o que acontece para ser diferente, atribuindo sua saúde e energia à vibração de carinho que recebe por onde passa. Arte é troca, diz. Por isso faz questão de salientar que o artista que emociona verdadeiramente não é fruto somente de um dom, como algo que viesse como presente divino, mas também conquista, consequência de dedicação, estudo, disciplina e trabalho.

Você é tão novo, e em nossa cultura a música erudita não é gosto prevalecente. Como começou isso tudo?

Nunca ninguém cantou em casa, nem pais, tios ou avós. E eu comecei com a ideia de querer um som, mas meu pai não tinha condições de comprar. Nem rádio a gente tinha. De tanto eu pedir, fomos um dia a uma loja, lá mesmo em Carapicuíba,SP, onde ele acabou comprando o som, em inúmeras prestações. Mas eu não tinha o cd. A sorte é que deram de brinde um, daqueles de saldão, um cd de ópera. Eu coloquei para tocar e me identifiquei na hora. Comecei então a imitar. Na época, eu frequentava a mocidade espírita. Além do estudo, era hábito eles sortearem alguém para fazer a parte artística da semana seguinte: dançar, cantar, declamar, o que quisesse. Houve uma semana em que o pessoal que ia fazer a parte artística faltou. Resolveram sortear e, quem caísse, faria qualquer coisa. E lá fui eu sorteado. Imagina um pré-adolescente, com quatorze anos de idade, soltando o vozeirão – “Granada, tierra soñada por mi.” Aquilo foi um estrondo!! Depois, o próprio pessoal da mocidade me aconselhou a procurar um conservatório. Acabei me formando em canto lírico. Depois, fui para a USP para estudar Coral, para a Universidade de Música, até finalizar os estudos na Escola do Teatro Municipal.

Você tem uma empatia muito grande com o público, e em se tratando de mediunidade, a voz é um instrumento de magnetismo, de cura. Como você vê esse seu trabalho?

Tudo é muito natural. Não tem efeito artístico somente. Mas um objetivo, um direcionamento. Acredito até que todas as manifestações artísticas deveriam partir desta conscientização. Comecei a perceber que a música erudita não tinha mercado porque as pessoas não entendiam o que estava sendo interpretado. Dessa observação começou o meu trabalho profissional. Trata-se de um concerto didático. Vamos a escolas da rede pública de São Paulo, explicamos a canção, o autor, o período em que foi escrita, o que o compositor quis falar em alguns trechos de obras, desmistificando assim a música erudita. E eu acabei levando isso para a casa espírita. Há todo um processo de conscientização sobre o texto do evangelho, a contextualização com a música que se vai cantar. Quando você interpreta o que vai acontecer, a plateia se entrega, se envolve com o trabalho. 

O que você sente quando canta na casa espírita?

Sinto que há uma afinidade conjunta muito grande. Não preparo repertório, mas uma linha de raciocínio sobre o tema, a ser levado, segundo o Evangelho e vou entremeando com as canções dentro das possibilidades que eu tenho, selecionando as canções de acordo com a inspiração no momento. É possível, por exemplo, ao cantar determinada música, ‘visualizar’ na plateia quem está precisando daquela vibração, o que quase sempre se comprova com as conversas depois dos trabalhos. E já ouvi histórias diversas nesse processo, como: “Meu pai desencarnou há dois meses e gostava imensamente dessa música.” A gente nunca sabe de todo o processo que se desenvolve durante os trabalhos. O que sabemos é que a arte, a música principalmente, tem uma proposta. A pessoa se impregna com sua vibração, com o amparo da espiritualidade, e leva consigo esses benefícios. 

Como você vê a arte no espiritismo? 

 A arte no movimento espírita nem sempre tem sido trabalhada com rigor. Penso que não é porque vou fazer um evento beneficente que posso pegar um violão desafinado, não prezar pela qualidade do que se faz. Falamos muito sobre isso no programa na Rádio Boa Nova [Quem canta sua vida encanta] – com Paula Zamp e Moacyr Camargo. Temos procurado investir sempre mais em nossas obras e produções, buscando o aprimoramento, a qualidade mesmo. Existem talentos cuja expressão sonora do instrumento é diferente; há o sentimento de quem o está executando, ou cantando. Muitas pessoas dizem: recebi uma orientação da espiritualidade para que eu trabalhe com a música na casa espírita’. Eu digo: ótimo, mas tem que estudar. Vai fazer um curso de piano, um curso de violão... aprimore-se. 

O que a música pode fazer pelo espiritismo? 

Muito. Tanto na divulgação como no sentido de fomentar mensagens. Às vezes o palestrante transmite um conceito, uma mensagem importantíssima e consegue atingir 10% das pessoas. Neste trabalho, você coloca a mensagem agregada à vibração da música, que consegue atingir grande parte dos que ouvem. Como vão sentir ou compreender é de cada um.

Qual a mágica da música que nos faz sair das vibrações mais densas e migrar para as mais elevadas, mais próximas ao Criador?

Isso não tem nada de mágico. É vibração simplesmente. Quando a gente toca, ou canta, há várias vibrações, ondas sonoras – a da nota tônica, que se ouve, e as das outras notas musicais, que são as ressonâncias, variações da primeira. Todas juntas vão compondo a harmonia musical. Cientificamente, também, sabe-se que você agrega ainda um valor psicológico a essas vibrações sonoras, justamente por possibilitar a percepção dessas ondas, atingindo assim as pessoas. Do ponto de vista do nosso organismo físico, por exemplo, se você estabelecer sintonia com essas vibrações, consegue até mesmo se curar de uma dor de cabeça, de uma gripe, de algum outro processo.  E o espiritismo nos ensina muito bem sobre essa mecânica da influência dos fluidos.

Léon Denis diz que a dificuldade da alma contemporânea em conceber uma fé esclarecida, uma concepção mais elevada da beleza universal, é o que justifica a pobreza da estética artística atual. Qual sua opinião sobre a música do futuro, então?

A música do futuro será aquela que refletirá o que de melhor a pessoa tenha, as características do espírito: amor, fé, fraternidade, harmonia e não fatores de materialidade: dinheiro, emprego, mulheres, carro. O dia em que direcionarmos a atenção maior ao espírito, começaremos o processo de criação de músicas mais evoluídas.

A atividade de canto lírico é desgastante para o físico. Como você concilia cantar profissionalmente e também realizar o seu trabalho social na doutrina espírita? 

Desde que comecei a estudar, até terminar meus estudos na Escola Municipal, os professores sempre foram taxativos: o cantor de ópera canta duas ou três vezes na semana. Não deve se exceder, para reposição das energias físicas e vocais. Fico pensando o que tenho de especial, porque eu canto três vezes por semana profissionalmente, e canto tantas outras vezes em casas espíritas, asilos, orfanatos. Aprendi que é a vibração positiva que eu recebo que sustenta o meu trabalho. Depois que eu me foquei mais nos trabalhos nos centros, percebi melhorias inclusive físicas. Acabei me dedicando mais ao Grupo [Cantores da Luz]. Hoje o coral é conhecido em toda a região de Osasco e Barueri. É uma alegria. 

Uma música que toque mais você.

A música do momento. Aquela música que às vezes estou ouvindo num cd no carro e me comove. É um processo interessante e importante para trabalharmos em nós: perceber que sentimentos são aqueles que a melodia faz brotar em nós. 

Que mensagem você deixaria para o nosso leitor, nessa edição festiva de Natal?

Acho que devemos refletir sobre a nossa proposta nesse planeta. E o Natal sempre é um bom momento para isso. Pense em como você realmente pode ser um instrumento para agregar mais a família, as pessoas no trabalho, como você pode ser a vibração diferenciada, capaz de melhorar a sua vida e dos que o rodeiam. Fazendo isso, acho que vamos construir uma vida mais feliz. Natal é o tempo em que a música ganha mais espaço nos shoppings, nas ruas e isso fortalece a ideia de nos sintonizarmos com a proposta de ter mais música no nosso dia a dia. Digo sempre: “Quando você estiver triste, solte a sua voz, para perceber que de você parte uma energia que consegue amenizar todas as dificuldades; quando estiver alegre, cante”. A música é sempre grande cúmplice e companheira da vida.  

Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 436, nov. dez de 2010.



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