USE comemora 70 anos de trabalho em São Paulo

Por Eliana Haddad e Izabel Vitusso

Júlia Nezu de Oliveira

Júlia Nezu de Oliveira

Ao comemorar 70 anos de trabalho em São Paulo, a USE-União das Sociedades Espíritas analisa os atuais desafios do movimento espírita, não somente no estado de São Paulo, mas em todo o Brasil. Afinal, o movimento espírita precisa estar atento ao momento que atravessa a humanidade terrena, adaptando-se às necessidades morais e intelectuais dos tempos de transição em que vivemos, rumo à era de regeneração.

Nos preparativos finais da coordenação geral do 17º Congresso Estadual de Espiritismo, que acontece em Atibaia, SP, de 23 a 25 de junho, a presidente da União das Sociedades Espíritas, Júlia Nezu de Oliveira, concedeu entrevista ao jornal Correio Fraterno fazendo um balanço dos 70 anos da entidade.

Como você analisa esses 70 anos de USE?
É um marco pelo serviço que a entidade prestou e vem prestando. A USE surgiu numa época em que o movimento espírita precisava se organizar. Na década de 1940, ele estava muito disperso, não só no estado de São Paulo, mas em todo o Brasil. Havia muitas infiltrações, muitas práticas não doutrinárias.


Mas como foi criada a USE?
Foi criada em 1947 sob a égide de quatro instituições: a Federação Espírita do Estado de São Paulo, Sinagoga Espírita Nova Jerusalem, a Liga Espírita do Estado de são Paulo e a União Federativa Paulista. As quatro instituições mais os centros espíritas da época resolveram criar uma instituição que as representasse e falasse em nome do estado. Surgiu de um congresso paulista, no qual 28 teses foram apresentadas com propósito da criação da entidade. A tese vencedora foi a de Edgard Armond, em nome da Federação Espírita do Estado de São Paulo, que descrevia como deveria ser a operacionalidade.

 

Todas as instituições se submeteram à nova entidade?
Sim. Na época, todas as instituições abriram mão de federar. A USE passaria a ser a única federação e as demais funcionariam apenas como instituições espíritas. Tanto que o primeiro presidente da USE foi Edgard Armond, que era o secretário-geral da Feesp. A diretoria, no início, foi formada pelos membros das quatro instituições.
O estado de São Paulo teve um impulso muito grande com o movimento espírita organizado. Todos juntos. E a USE nasceu justamente com a função de união, com a importante função de manter a coerência doutrinária no estado de São Paulo. Havia muita confusão entre espiritismo, umbanda, magia, como se fossem a mesma coisa. Atualmente a doutrina espírita é mais compreendida. O que existe são pessoas querendo introduzir outras práticas deliberadamente — como a autoajuda, por exemplo — mesmo sabendo que não se trata de espiritismo.


Mas Edgard Armond veio com algumas influências orientalistas, não?
Sim. Dizem que o Edgard Armond era de uma linha mais orientalista. Mas não se pode negar o papel importante que ele teve no espiritismo no estado de São Paulo. Foi quem fundou as escolas na FEESP. As pessoas passaram a estudar a doutrina espírita, a conhecê-la de verdade. São Paulo foi um dos primeiros estados a ter cursos sistematizados, sendo modelo para os outros estados. O meio de comunicação naquela época não era rápido como hoje. As notícias chegavam através de pessoas que viajavam. Assim foi com a Caravana da Fraternidade na década de 1950, formada por companheiros do Rio Grande do Sul, o Francisco Spinelli, o Lins de Vasconcelos, do Paraná, o Leopoldo Machado, do Rio de Janeiro, e Carlos Jordão da Silva, de São Paulo. Eles saíam visitando todos os estados brasileiros, fomentando a organização das federativas.


Quantos centros estão ligados a USE hoje?
Legalmente, reunimos 1.450 centros associados no estado de São Paulo, aos quais a USE oferece apoio, assistência, orientação jurídica, tudo o que a casa espírita necessita para realizar suas tarefas. Através de cursos de qualificação para multiplicadores, procuramos melhorar a qualidade desses trabalhos. Ela não vai, por exemplo, ensinar o que é o espiritismo. Mas ajudar na capacitação de expositores, oferecer cursos de gestão de centros espíritas, disponibilizar cursos sobre como evangelizar etc. Também não interfere, não impõe, mas disponibiliza as experiências bem-sucedidas para os que desejem utilizá-las. Somos um celeiro, um espaço onde os dirigentes podem apresentar suas vivências para que outras instituições possam conhecê-las.


Como você vê o movimento de unificação em termos doutrinários, com cada centro tendo sua liberdade de assimilar práticas que julguem pertinentes?
É um trabalho constante de perseverança, em que vamos levando assuntos necessários através de seminários, cursos, fóruns de debates, reuniões do conselho. À medida que as casas espíritas começam a participar desse movimento, percebem onde podem estar equivocadas, observando como a maioria procede. Nesse quesito, os palestrantes também têm um papel fundamental, quando há conhecimento doutrinário.


O maior desafio da USE é estimular o estudo?
Acho que o pessoal até gosta de estudar. O que é muito difícil, na USE e em qualquer parte, é a questão da dificuldade de se trabalhar em equipe. A USE faz um trabalho de rede e vejo que as casas espíritas têm a tendência de se isolarem, de criarem um clã no próprio centro e não sair dali. Cerca de trinta anos atrás, ouvíamos muito dirigente dizer para trabalhadores da casa que não precisavam participar de encontros, da USE ou qualquer outro evento, porque já tinham a orientação do plano espiritual e isso bastava.
Hoje vejo que há uma abertura maior, muito mais casas trabalhando em equipe. O tempo está nos conduzindo a isso, não só nas casas espíritas, como nas próprias empresas, na sociedade de maneira em geral. O bom gestor é aquele que sabe buscar talentos, é o que sabe trabalhar em equipe. Até por força dos meios de comunicação. Os dirigentes precisam ter uma nova postura!

 

Estamos conseguindo atingir o jovem com a mensagem do espiritismo?
Sim, mas não tanto quanto poderíamos. Quem sabe possamos aproveitar mais e repensar a forma do diálogo, a linguagem. A área de comunicação vai fazer a diferença nesse sentido. Há muitos palestrantes cuja proposta é fazer uma palestra puramente divertida. Penso que esse não seja o caminho. A proposta seria uma linguagem mais acessível aos jovens, simples e direta.
Também ouço que os jovens têm reclamado a falta de espaço na casa espírita e maior acolhimento. E de alguns anos para cá, temos tido a preocupação de trabalhar com os jovens não como um futuro, mas como um presente, propondo aos dirigentes das instituições que os introduzam no trabalho da casa espírita. Não somente para tocar violão no final de semana. As casas espíritas têm inúmeras atividades para eles.


Qual é o maior desafio para manter os jovens ligados ao trabalho espírita, num momento em que há tanta oferta de conhecimento, ocupação, opções de lazer?
Apesar de tantas opções, a verdade é que eles estão também em busca de algo. Essa geração é muito afoita, impaciente. Eles já vieram mais preparados e não aguentam esse nosso jeito de ser. E isso precisa ser revisto urgentemente.
Eles devem fazer parte do trabalho não só como auxiliares do auxiliar do auxiliar, mas tendo uma função mais efetiva. Na diretoria da USE, sempre há jovens formando o nosso quadro, onde já vão sendo treinados para uma gestão em nível estadual. O próprio Departamento de Mocidade tem uma estrutura como a estrutura da USE no geral. Outro ponto importante que deve ser reavaliado é a questão da idade. O jovem no passado, de 18 anos, equivaleria hoje talvez a um jovem de 15 ou de 14 anos. A mentalidade é outra.


Como as casas espíritas estão enfrentando a crise econômica?
Estão sentindo mais dificuldades. Alertamos sempre em nossas reuniões: Se você não consegue dar 500 cestas básicas, dê 200, dê 100. Nós nos preocupamos muito com a parte social, porém houve tempo em que havia pobreza muito maior. Na época do Império, por exemplo, tínhamos problemas sociais graves. Quando houve a libertação dos escravos, outro caos se instalou. Eles não tinham para onde ir. Muitos espíritas se movimentaram, e nós sabemos disso, através de Anália Franco, Batuíra, Cairbar Schutel, Eurípedes Barsanulfo... Essas frentes de grandes espíritas vieram para enfrentar mesmo a fome, a falta de abrigo. Só Anália Franco fundou mais de 100 instituições. Essa necessidade mudou.


Qual deve ser o foco da casa espírita na atualidade?
Acredito que se ela puder fazer assistência social e, se isso não for prejudicá-la financeiramente, deve fazê-lo. Mas evangelizar a criança, ensinar o espiritismo e auxiliar quem está com problemas espirituais deve ser o foco da casa espírita. A prioridade deve ser a educação moral, a educação dos sentimentos. Esse é o grande papel da casa espírita. E na base de tudo deve estar o estudo. Se tivermos um bom conhecimento da doutrina, a divulgação também estará de acordo com ela.


Nesses 70 anos da USE, o que você considera de maior importância?
A USE veio com uma proposta inovadora, a da união, de unificação, de apoiar as casas espíritas, qualificando suas atividades. Penso que vem realizando bem o seu trabalho. Estivemos presentes: na iminência da descriminação do aborto ou quando tivemos a possibilidade da descriminalização da maconha e outras drogas, na prevenção do suicídio, família etc. Nesses momentos cruciais, a USE sempre entrou com grandes campanhas em todo o estado. Uma casa espírita pode fazer uma divulgação, mas se a USE faz no estado inteiro, simultaneamente, através dos 148 órgãos de unificação que a representam em todo o estado, tudo fica muito mais rápido e eficiente.

 

E o futuro da USE? O que esperar?
Estou terminando a minha segunda gestão. Há 20 anos estou em sua diretoria. A USE naturalmente tem seus caminhos traçados, com seu estatuto muito bem delineado, embora cada um faça a sua gestão de maneira peculiar. Penso que as futuras gestões deverão continuar nessa trilha, traçada em consonância com o Plano Maior, adequando-a para os tempos que vivemos, nessa ebulição dos valores, nessa transição que já está acontecendo. Cada vez mais virão crianças com um cabedal maior de conhecimento, e todas as federativas e casas espíritas deverão atentar para isso, sem esquecer que modernizar não significa abrir mão da doutrina espírita codificada por Allan Kardec. Isso é muito importante.

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)