Acervo: Herminio Miranda: aos 88 anos e quase 40 livros, ele ainda não disse tudo
Entrevistar o respeitado pesquisador e escritor Herminio Miranda e reproduzir o material em espaço reduzido é algo impossível. Ainda que o tema seja delimitado, ele se transborda. Fala sobre suas concepções, produção editorial, planos de continuidade e é por isso que a entrevista com Herminio ganhará outras edições. Neste módulo, as ideias do autor recaem sobre o exercício da escrita e de parte de suas obras.
Correio Fraterno: Sr. Herminio, como o senhor vê hoje a qualidade do exercício mediúnico, já que algumas de suas obras são produto do intercâmbio entre os dois mundos. Tem havido engessamento ou progresso nesse âmbito?
HCM: Não considero engessado o exercício da mediunidade em si mesma, mas não há como deixar de reconhecer que se trata de aspecto fundamental na prática espírita, sobre o qual ainda muito temos de aprender, em vista da complexidade e sutilezas que oferece esse tipo de atividade. Por assim entender, desde o início é que meu livro de estreia – Diálogo com as sombras – foi elaborado com o propósito de sempre, o de colocar o exercício dessa nobre faculdade em debate, a fim de nos ser possível saber mais sobre ela e sobre como, onde e por que utilizá-la adequadamente como instrumento de trabalho, de aprendizado e de serviço.
Depois de amealhar um tanto mais de experiência, arrisquei-me a escrever sobre mediunidade e médiuns, o estudo intitulado Diversidade dos carismas. Como ambos alcançaram expressivas tiragens, acredito que tenham sido de alguma utilidade, para leitores e leitoras, como o foi, certamente para mim escrevê-los. Digo isso parodiando conhecido autor americano, ao confessar que escreve para saber o que ele próprio está pensando. Isso é um valioso achado metafórico no sentido de que o ato de escrever em si mesmo, tem consigo um componente anímico e, por vezes, freqüentes, conotações mediúnicas, ainda que nem todos estejam preparados para aceitar essa hipótese. Não importa. As coisas são como são e não como gostaríamos que fossem.
Suas obras como A irmã do vizir, A dama da noite, entre outras, contribuem para a formação do espírita, também pelos conflitos emocionais trazidos pelos que sofreram as conseqüências da Lei de ação e reação no mundo espiritual. O mercado carece de mais obras nestes moldes?
Costumo dizer que muito mais aprendemos com as entidades desencarnadas do que ensinamos – se é que o fizemos. Centenas delas, talvez milhares, freqüentaram nosso trabalho mediúnico durante mais de três décadas. A primeira de muitas dessas importantes lições foi a de que os espíritos são gente como a gente: sofrem, amam, odeiam, aprendem com os próprios erros, tropeçam nos seus rancores e suas paixões, tudo igualzinho. Aprendemos, também, que a dificuldade maior consiste em ter a coragem e a determinação de se levantar depois de quedas desastrosas. Muitos deles, demonstraram explicitamente ou pela eloqüência da própria atitude, não estarem ainda preparados para enfrentar o dramático momento do despertar para a realidade espiritual. Demonstravam, com isso, que a cura espiritual de que todos necessitamos, começa com o reconhecimento do erro. Começa apenas. Porque muito trabalho terão ainda pela frente. E novas dores terapêuticas para curar as antigas que nos infelicitam. Muitos outros, contudo, demonstraram suficiente bravura e determinação para dar o primeiro passo, acordando para a necessidade de mudar de rumo. Desses muitos, outros nos responderam com espantosa generosidade à nossa singela oferenda de apoio no momento mais difícil da perplexidade em que mergulham. Vivemos juntos emoções inesquecíveis. Tivemos até um grupo de entidades que, de tão gratas passaram a orar por nós!
O senhor conclui, no caso A filha de Ho-San, uma de suas narrativas, que o orgulho foi o que impediu a reconciliação, o apaziguamento entre os seres. Como vencer esse mal e ascender, fazendo jus aos ensinamentos que recebemos por meio da Doutrina Espírita?
Não me parece que haja para isso uma fórmula mágica. A luta será sempre uma espécie de guerra íntima, na qual o adversário somos nós mesmos. Temos de estar preparados para perder muitas batalhas na expectativa de ganhar a última, vencendo o inimigo oculto, mas não menos obstinado e implacável. Essa é a grande, longa e penosa tarefa da recuperação, e, no seu desempenho, necessitamos desesperadamente do conhecimento da realidade espiritual tão bem explicitada na doutrina dos espíritos. E de três outros componentes decisivos: a prece, a determinação e a fé em nós mesmos.
Já em O exilado, o espírito conclui: “o problema com todos nós, seres em evolução, é a impaciência. Eu vi a grandeza do ser e quis conquistá-la de imediato”. Que paralelo faria o senhor entre essa frase e as angústias vividas por um espírita?
Realmente esse é um dos problemas, não propriamente o problema, ou seja, não o único. Temos um cacho deles. Não sem razão, Pedro se refere à multidão dos pecados que arrastamos conosco por séculos sobre séculos. Foi, ainda ele, que propôs a medicação adequada, ou seja, o antídoto infalível do amor.
Em seu livro O que é fenômeno mediúnico há a afirmação: “se há um povo que foi instruído, orientado e conduzido ostensivamente pelos guias espirituais, esse é o povo judeu”. Dos judeus aos espíritas de hoje, o senhor acredita que aproveitamos adequadamente a benevolência do Plano Superior?
Acho que ainda não atingimos nesse curso o grau de PhD, ou seja, o doutorado. Entendo mais que aqueles de nós, familiarizados com os ensinamentos dos espíritos, temos, sim, melhores condições, de chegar lá. Para isso, contudo, é indispensável botar em prática aquilo que aprendemos com a teoria do amor, se é que assim podemos dizer. Esse é, aliás, um dos fundamentos da mensagem do Cristo. Em vez disso, temo-nos empenhado no estéril e cansado debate entre fé e obras. Claro que a fé somente terá esse poder curativo se as colocarmos a serviço do próximo. Que tipo é esse de fé e para que serve se ignoramos o sofrimento alheio? Ou nossas próprias imperfeições? Ademais, são muitos os que tentam nos convencer de que a fé constitui dom de Deus, que o concederia a uns e negaria a outros. De fato, ela é dom divino escrito nas suas leis, mas não doação arbitrária. Em outras palavras: está e estará sempre ao alcance de nossas mãos, mas tem de ser buscada e merecida. Não podemos, ainda, esquecer o sábio e valioso ensinamento do apóstolo dos gentios, segundo o qual a fé é uma antecipação do conhecimento. Atenção. Ele não diz que o conhecimento a dispensa, tornando-a desnecessária, mas sim, que antecipa o conhecimento. Não há, portanto, incompatibilidade alguma entre fé e conhecimento ou razão, apenas uma sutil diferenciação entre um modelo de fé que apenas crê e outro que, além de crer, sabe.
Numa de suas entrevistas, o senhor afirmou que sua tarefa nessa encarnação era escrever. Se tivesse que fazer um balanço, há alguma obra que daria um outro rumo ou nem a escreveria? De alguma delas faria um volume 2?
A tarefa que “me deram”, do lado de lá, foi realmente essa. Como, aliás, em algumas existências que se foram... A temática principal e dominante de tais encargos seria, como de fato tem acontecido, a reencarnação. Quanto ao livro 2, sim, gostaria, como me sugeriu um leitor, de escrevê-lo em continuação a Alquimia da mente. Ou, ainda, uma seqüência ao Cristianismo – a mensagem esquecida, dois dos meus temas prediletos, além de outros. (Isto aqui é para não suscitar ciúmes nos demais livros...) Quanto ao rumo, não creio que tivesse muita coisa a alterar. Talvez um retoque, aqui e ali. Como se diz no Brasil, não se mexe em time que está ganhando e eu espero que isso esteja acontecendo com alguns dos meus escritos.
E sobre qual tema ainda não escreveu, mas acha que poderia dar sua contribuição para os dias atuais?
Um deles seria, por certo, sobre a velhice. Outro seria o que cuidasse de um resgate da verdadeira história do cristianismo primitivo, a ser montada pacientemente com fragmentos de memória de gente que estava lá. Projeto esse, que reconheço ambicioso, mas, em princípio, viável. Há muitos anos, conversando com um fraternal amigo em transe regressivo, falamos sobre isso. Ele se declarou de pleno acordo e que poderíamos, nós dois mesmos, dar início ao projeto e que ela havia sido um romano e eu cristão. Como você vê, a tarefa já está combinada. Falta somente amadurecer o tempo em que será posta em termos de realização. Quem sabe se da próxima vez? Uma entidade com a qual conversamos, em uma de nossas longas tertúlias mediúnicas, me disse, certa vez: “Eu sei de tudo. O que você quer saber?” Quase que lhe respondo: “Quero tudo!”
Maria Menner
Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 420, mar./abr. de 2008.