A responsabilidade de cada um no progresso coletivo

Por Eliana Haddad

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Licenciado em história e doutor em educação, o professor Marcelo Freitas Gil analisa em excelente entrevista o atual panorama do Brasil, os processos de mudanças na história e o papel da política no desenvolvimento moral do espírito e de uma nação.

O Brasil, excepcionalmente, teve seu caminho traçado pela Espiritualidade? 

O ascendente espiritual está sempre presente na vida das pessoas, das instituições, das coletividades e dos países. Há influência espiritual no percurso histórico de todos os países e não apenas do Brasil. Contudo, o homem conserva sempre o seu livre-arbítrio, influenciando esse processo com suas decisões individuais e coletivas, sendo também constrangido a suportar as consequências de suas escolhas. 

Como analisa os brasileiros enquanto sociedade? 

Somos um povo com imensa diversidade e riqueza cultural, já que a colonização ocorreu através da vinda de pessoas dos mais diferentes países e ambientes culturais do mundo. Isso também ocorre do ponto de vista espiritual. Reencarnaram e continuam reencarnando no Brasil espíritos ligados a vários países, o que contribui para a formação de um povo extremamente rico do ponto de vista cultural e espiritual. A sociedade brasileira reflete essas características também em seus valores negativos, frutos desse processo, que precisam ser trabalhados e melhorados. 

Como avaliar o período atual de mudanças políticas no Brasil?

Um momento muito delicado, denotativo de grande prova coletiva. Um dos problemas centrais de nosso país está num certo descaso com as coisas públicas, associado a um desprezo pela política e uma desvalorização da educação. Queiramos ou não, somos seres políticos e precisamos aprender a lidar com a política. Faz parte de nosso processo de aprendizado valorizar o que é de todos e aprender a gerenciar as coisas públicas, além de aprendermos a nos posicionar politicamente, contribuindo para a escolha de gestores sérios e comprometidos com o social. O momento é de aprendizado, onde teremos de valorizar o respeito ao próximo, os valores éticos e darmos prova de que somos capazes de gerenciar o nosso patrimônio comum em benefício de todos, escolhendo gestores capazes de transformar nossas riquezas coletivas em um patrimônio gerador do bem-estar de todos. 

Você acredita que os mesmos líderes idealistas do passado estejam acionando a engrenagem de transformações do Brasil de hoje?

Creio que sim. Muitos espíritos, grandes líderes do passado, estão acompanhando de perto os nossos problemas de hoje, nos inspirando a tomarmos as decisões corretas. Mas vale lembrar que para essa influência ser exitosa precisamos de sintonia com eles, cultivando hábitos, sentimentos e pensamentos elevados, na busca do bem. 

Qual sua opinião sobre revelações mediúnicas da história do Brasil?

Penso que se deve ter muito cuidado com qualquer ‘revelação’ nesse sentido. Embora elas sejam possíveis, de acordo com Kardec, precisam sempre passar por vários crivos. O primeiro deles é o crivo da razão. Em segundo lugar, deve-se analisar se as comunicações estão obedecendo ao critério de universalidade previsto pela própria doutrina espírita e, também, as consequências que delas possam advir. Não é diferente em se tratando de revelações sobre questões políticas e históricas. 

Como ocorrem os processos de mudanças na história?

As mudanças, sejam elas políticas, econômicas, sociais ou culturais, sempre são necessárias para que haja o progresso. Sem elas ocorre a estagnação. No decorrer do processo evolutivo, muitos fatos se repetem e se reconfiguram, apresentando-se com consequências diferentes. Imagino que o processo evolutivo do espírito e da própria sociedade seja como uma espiral: sempre de modo ascendente, mas passando pelo mesmo ponto diversas vezes. 

Como vê o Brasil do futuro? Que momento histórico é esse pelo qual estamos passando?

Todos nós, como espíritos, somos destinados à perfeição. Ocorre o mesmo no que se refere a uma coletividade. O Brasil será um grande país, onde haverá justiça social, harmonia e seus fabulosos recursos naturais serão aproveitados em benefício de todo, utilizados de modo responsável e consciente. Nossos líderes terão consciência e respeito pelo seu papel e pela coletividade. Todos viverão de modo fraternal, independentemente de etnia, gênero ou filiação religiosa e partidária. Contudo, como e quando chegaremos lá será sempre uma decisão nossa. O momento nos solicita calma, discernimento e confiança nos valores do Evangelho, que devemos aplicar urgentemente. Quando atrasamos o processo evolutivo com nossa inércia ou teimando em não nos libertarmos dos vícios morais, as expiações coletivas aceleram o processo. Não falo apenas em desastres de natureza física, mas também em grandes conturbações morais, como a que passamos agora. São os nossos valores que estão em crise e precisam ser repensados. O egoísmo é a grande chaga que nos compete erradicar. 

Qual o papel da atividade política no desenvolvimento moral do espírito que reencarna comprometido com a história de uma nação?

A vivência política é essencial para que o espírito possa evoluir. Há mais de 2.000 anos, Aristóteles já asseverava que o homem é um ser político. Não estou apenas me referindo às questões administrativas e de governo. A política, sobretudo, é a arte de conviver, de exercer o nosso papel social, seja em casa, no trabalho, na coletividade ou mesmo na casa espírita onde atuamos. Quem se compromete com a política, pleiteando ou exercendo cargos junto à administração pública, assume tremendas responsabilidades relacionadas ao próprio comportamento e ao bem coletivo. Através do exercício da política, o espírito reencarnado poderá se redimir, auxiliando o processo de redenção de vários, ou se comprometer, principalmente através do egoísmo, do orgulho e da vaidade. É algo sobre o que devemos refletir com grande seriedade. 

E a militância política, também faz parte desse aprendizado?

Sim. Através dela podemos, por exemplo, aprender a tolerância, o quanto os nossos pontos de vista são frequentemente relativos e bitolados, o respeito pelas opiniões alheias e a somar forças para a conquista de objetivos que são comuns. Podemos lutar por um mundo melhor, mas também podemos aprender a ouvir muito mais do que falar e a respeitar o próximo como um irmão. Podemos aprender que por vezes nos equivocamos nos caminhos que imaginamos serem os mais acertados e a rever os nossos pontos de vista, desde que estejamos interessados em aprender muito mais do que a ensinar. A militância é muito mais uma oportunidade para o aprendizado do que para a pregação de nossos ideais. 

 A evolução do espírito anda junto com o progresso das nações?

Os espíritos evoluem assim como as nações progridem, tanto no aspecto moral quanto intelectual, mas podem ocorrer descompassos nesse processo. Se os espíritos ligados a uma determinada nação não acompanharem o seu processo evolutivo, poderão ter de reencarnar em outras menos evoluídas, onde prestarão auxílio para a evolução de seus irmãos. Também pode ocorrer que isso represente o cumprimento de uma missão. É algo semelhante ao que acontece nos mundos: se os espíritos não acompanham o processo evolutivo de seu mundo, podem ter de deixá-lo e reencarnar em mundos menos elevados. De outra forma, quando se adiantam em relação ao mundo em que estão ligados, podem permanecer nele cumprindo determinadas missões ou então partir para os mais evoluídos, em sintonia com suas conquistas íntimas. 

 O que é uma nação de progresso?

É uma nação onde reina a harmonia e, sobretudo, a justiça, em todos os níveis. A justiça social, a justiça no que diz respeito ao exercício da cidadania, à expressão do pensamento, ao exercício religioso e à expressão da cultura. Onde todos são efetivamente tratados de igual modo perante a lei, que é uma expressão da vontade de todos, concebida de acordo com profundos valores éticos e para atender o interesse da coletividade. É uma nação de bem-estar material, psicológico e espiritual, com atendimento às necessidades econômicas, sociais, psicológicas, políticas e espirituais de todos os cidadãos. Onde haja liberdade e respeito. Onde a educação integral seja uma prioridade, levando em consideração a necessidade de formar e educar o corpo, a mente, os sentimentos e o espírito para o convívio, para o trabalho, para o exercício político-social e, sobretudo, para o bem. Onde a preocupação com a saúde abarque o físico, o psicológico e o espiritual, sem distinções. Onde os recursos naturais sejam aproveitados com responsabilidade. Onde se priorizem o trabalho, o lazer, o convívio entre as pessoas e a cultura. Onde cada um seja levado a compreender o seu papel na harmonia do conjunto. 

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Qual o papel das crises na história da humanidade?

Acelerar o progresso e nos levar a refletir sobre o que queremos. Elas representam a possibilidade de ruptura com situações esgotadas que nos compete modificar para melhor. Crises são oportunidades de crescimento, que pode ser realizado através da reflexão e do trabalho para que a mudança e a superação aconteçam. 

 Espiritualmente, o que ocorre quando as sociedades se rebelam? 

Por vezes as rebeliões são necessárias para acelerar o progresso e para demolir o velho edifício dos valores carcomido pelo tempo. No nosso estágio de evolução as rebeliões de natureza social e política ainda se fazem necessárias para acelerar o progresso quando a maioria opta pela acomodação e pelo menosprezo às ideias de mudança para o bem comum. Sabemos que mesmo em situações em que os espíritos inferiores fomentam a discórdia, a disputa e até mesmo a violência e a guerra, a Espiritualidade Superior tudo aproveita para o bem geral e para o progresso coletivo. Há, contudo, outros meios de se evoluir que não estes apresentados pela violência, presente nas rebeliões de qualquer caráter. Isso depende de nós, já que somos nós que optamos pelo caminho a seguir. O trabalho coletivo no bem e a consequente construção de um futuro justo para todos é uma possibilidade que muitas vezes deixamos escapar em nossa vivência social e histórica. Quando isso acontece e um número relativamente grande de espíritos mergulhados no egoísmo e no orgulho se apega a privilégios injustificáveis, negligenciando o interesse comum e o sofrimento alheio, as rebeliões e as guerras surgem como agentes para o progresso, representando também processos de expiação e prova para a coletividade. 

 Qual o papel do Brasil na transformação da Terra em planeta de regeneração?

Temos um papel importante nesse processo. Em primeiro lugar, o Brasil é o país em que o espiritismo mais se difundiu. Nossa importância nesse sentido está no fato de que a doutrina espírita explica de modo racional esse processo de transformação e difunde os valores do Evangelho, colocando-os como necessários para que consigamos vencer com êxito esse momento de transição. Em segundo lugar, o Brasil é um país de grande diversidade social e cultural e deve dar o exemplo ao mundo de convivência pacífica, harmônica e com aprendizado entre as diferenças. Não é apenas no plano teórico que temos uma grande contribuição a oferecer, mas também no plano prático, exemplificando ao mundo que é possível viver sem violência, com respeito e tolerância entre pessoas tão diferentes, exercendo a justiça em todos os níveis e respeitando a natureza. A contribuição que precisamos dar é muito maior do que normalmente se imagina. Não podemos nos deslumbrar com as nossas riquezas materiais e nem permitir que elas se transformem em privilégios para alguns. Sem toda essa exemplificação prática de nada adiantará sermos o ‘país do espiritismo’. Aliás, se não agirmos assim no plano prático e nos conservarmos apenas na teoria, isso pesará contra nós. Que não esqueçamos a sentença do Evangelho do Mestre: a quem muito foi dado, muito será pedido.   

(Publicado no Jornal Correio Fraterno - Edição 469 mai./jun/2016)

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