A horta autossustentável e os recursos para a instituição

Por Eliana Haddad e Izabel Vitusso

Obra Social Célio Lemos, em São José dos Campos, SP, que o engenheiro aposentado Carlos Orlando Villarraga, autor do livro Planeta vida pôs em prática a sua ideia de uma horta autossustentável

Obra Social Célio Lemos, em São José dos Campos, SP, que o engenheiro aposentado Carlos Orlando Villarraga, autor do livro Planeta vida pôs em prática a sua ideia de uma horta autossustentável

Você já pensou em angariar recursos para sua instituição com uma horta autossustentável? Almoços beneficentes, noites da pizza, confecções de artesanatos e bazares são algumas das iniciativas que se multiplicaram ao longo dos anos no movimento espírita como forma de manutenção dos projetos sociais e do próprio funcionamento da instituição. Foi pensando em estruturar um projeto aliando uma educação ambiental diferenciada e a produção de alimentos orgânicos junto à Obra Social Célio Lemos, em São José dos Campos, SP, que o engenheiro aposentado Carlos Orlando Villarraga, autor do livro Planeta vida colocou em prática a sua ideia de uma horta autossustentável. O projeto deu tão certo que não só expandiu, como se tornou uma referência no assunto que, multiplicada, já tem beneficiado outras instituições.

Como surgiu esse projeto?
Veio depois de eu ter escrito em 2005 o livro Planeta vida (Minas Editora), sobre a conservação do meio ambiente físico e espiritual, e em 2013 o livro Espiritismo e desenvolvimento sustentável (FEB). Queria colocar em prática o que escrevi, baseado nas leis morais de Allan Kardec, principalmente a lei de conservação, a lei de reprodução, a lei do trabalho e a lei da sociedade. A ideia era começar com uma horta orgânica, que fosse um recurso prático para a educação ambiental, e que todo o projeto fosse autossustentável. O nome do projeto é Projeto SEMEAR. Começamos em julho de 2015. Hoje temos quatro voluntários e um funcionário, mantido com os próprios recursos do projeto.

O que vocês plantam?
Cultivamos nos 400 metros quadrados de canteiros na própria instituição pelo menos 25 variedades de hortaliças e frutas: diversos tipos de alface, beterraba, cenoura, rúcula, couve, espinafre, salsinha, cebolinha. E trouxemos de volta as PANCs (plantas alimentícias não convencionais), muito consumidas no passado e bastante nutritivas: azedinha, peixinho, ora-pro-nóbis, etc. Temos também um pomar com diversas espécies de frutas, várias delas nativas do bioma da Mata Atlântica: uvaia, cambuci, seriguela, banana, amora, caqui-chocolate, que as crianças experimentam e adoram.

Você já tinha alguma experiência?
Não. Nossa filosofia de trabalho é uma colaboração conjunta e construção coletiva. Vamos aprendendo por demanda e com a chegada de novos voluntários que vão trazendo novas ideias. Fizemos alguns treinamentos com agricultores orgânicos da região. Também contamos com o nosso consultor, o "doutor Google", que nos ajuda bastante. A produção é para nosso consumo interno: os 60 funcionários, 290 crianças e cerca de 30 voluntários. O excedente nós vendemos para arrecadar fundos para a obra social. Começamos anunciando para o pessoal que vem para a Obra Social. Os contatos foram se expandindo, no boca a boca, e hoje a demanda é maior do que conseguimos produzir. São cerca de 800 pés ou maços vendidos por mês, que rende de 2 a 3 mil reais para a Obra Social.

Como fazem para ter sempre o que colher, sem desperdício?
É uma sequência de produção, porque os ciclos das plantas são diferentes. Há plantas que em 25 dias estão prontas e outras demoram 120 dias. Planejamos para sempre termos espaço disponível para cultivo e produtos para venda e consumo, que vão abrindo espaço para plantarmos novamente. Não usamos nenhum fertilizante químico nem agrotóxicos. Com o resíduo orgânico (folhas e cascas) que vem do refeitório produzimos nosso próprio adubo fazendo a compostagem. Só no ano passado compostamos 5.300 quilos de resíduos orgânicos, que são ousados na horta. Produzimos também o nosso próprio adubo orgânico fermentado tipo bokashi (de origem japonesa), que usamos na horta e o excedente é vendido.

Como as casas espíritas poderiam implementar esse trabalho?
Qualquer pessoa em sua casa, até mesmo em apartamento, pode fazer uma horta. Na instituição, se não tiverem espaço, podem fazer hortas verticais. Também, num pequeno espaço, de 3 ou 4 metros quadrados conseguem plantar e oportunizar a experiência para as crianças de cultivar alimento orgânico e fresco. Na Obra Social Célio Lemos as crianças entre 3 e 6 anos participam do projeto de educação ambiental. A professora, em sala de aula, decide com elas sobre o que gostariam de plantar, desdobrando-se daí a semeadura nas bandejas. Elas acompanham todo o desenvolvimento e quando a muda atinge o tamanho ideal, eles transplantam para os canteiros. Cada sala possui o seu. Vão acompanhando, observando o desenvolvimento das plantas, regando, retirando os matinhos. No dia da colheita fazemos uma refeição especial com o que plantaram e colheram e ainda levam para casa, envolvendo também as famílias nesta experiência, mudando hábitos, enriquecendo conhecimentos.

O que é mais importante a seu ver no projeto: a alimentação e a fonte de recursos para a instituição ou a conscientização sobre os recursos naturais do planeta?
A sustentabilidade. Através destes princípios, a horta é um meio de conscientização, porque numa horta orgânica natural, respeitamos os ciclos da natureza. Empregamos, por exemplo, várias flores que atraem os insetos que nos ajudam no controle biológico. Tudo isso ensinamos para as crianças, assim como o processo de compostagem, conscientizando-as de que o que muitas vezes consideramos "lixo" é, na verdade, riquíssima matéria-prima. Temos os minhocários para fazer a compostagem de uma forma lúdica, para que elas entendam e acompanhem o processo. Iniciamos também a reciclagem de esponjas utilizadas na cozinha, em parceria com uma ONG, que as processa e do material são feitos baldes e potes para plantas.

E o que vocês perceberam de mudança nessas crianças com esse trabalho?
Vimos dois resultados muito interessantes. Várias mães vieram conversar conosco, sobre a mudança dos hábitos alimentares. Muitas crianças não gostavam de hortaliças e agora estão comendo. Também algumas crianças já trouxeram pés de alface, maços de couve que plantaram nas suas casas, estimuladas com o que vivenciam na Obra Social, como um presente para nós.

A educação ambiental é ao mesmo tempo uma educação espiritual de preparo do planeta para nossas vindas futuras. Hoje se fala muito em falta de alimentação para o crescimento da população do planeta. Como você vê essa questão?
Atualmente, a maioria dos alimentos são produzidos com bastante agroquímicos, porque existe um falso paradigma de que se não os utilizarmos, não vamos ter alimento suficiente. O que temos visto na horta, e através da informação e prática de vários agricultores orgânicos, é que bem cultivada a terra, bem cuidada, ela produz bastante. Tem que haver o conhecimento e o cuidado para acompanhar e produzir. O problema é que temos que mudar um pouco o tipo de alimentação, que é ainda muito baseada na carne vermelha e o gado ocupa muito espaço, que poderia ser usado para as plantas. Para se ter uma ideia, 37% dos grãos produzidos no mundo são utilizados para alimentar o gado. A principal causa do desmatamento no mundo é a criação de gado.

Analisando-se isso sob a visão espírita, a que conclusão poderíamos chegar?
Allan Kardec, quando se referiu à lei de conservação e perguntou aos espíritos se haveria recursos suficientes para alimentar toda a população do planeta, eles responderam que sim. O problema nosso é a imperícia e a imprevisão, a falta de conhecimento e de ver as consequências do modelo atual de cultivo. À medida que vamos conhecendo mais sobre as leis da natureza e entendendo a interdependência que existe entre todos os seres que habitamos neste planeta, teremos mais argumentos para aplicarmos a lei de conservação que nos permita receber o planeta em melhores condições quando reencarnarmos novamente aqui.

Hoje há tanta tecnologia, em sua opinião, ela não está favorecendo a construção de um planeta melhor?
Sim, mas é preciso saber utilizá-la. Acabamos de instalar na obra social seis painéis fotovoltaicos para gerar a energia que consumimos na horta, para a bomba de irrigação e para o triturador de resíduos orgânicos. Também instalamos aquecedores solares que usamos para esquentar a água usada para dar banho aos bebês. Trocamos todas as lâmpadas fluorescentes por lâmpadas LED, muito mais eficientes no uso da energia. Instalamos a coleta de água de chuva para uso na irrigação da horta e outro sistema para fornecer a água dos banheiros das crianças e a água para lavar o chão da obra social.
Como tudo, a tecnologia pode ser utilizada para o lado bom ou mau. No caso da energia solar, é uma tecnologia bastante eficiente, é uma excelente opção de fonte de energia renovável. Em vez de usar energia de uma hidroelétrica ou uma termoelétrica que tem severos impactos ambientais.

O que você aconselharia a quem desejasse fazer esse tipo de trabalho? Por onde começar?
Eu recomendaria começar pequeno e ir aprendendo, procurando a colaboração e o conhecimento das pessoas e das organizações que já estejam trabalhando nessa linha. Porque essas pessoas estão bem-dispostas a ajudar. Começamos com uma ideia e boa vontade e tivemos a orientação da Secretaria do Meio Ambiente da cidade, inclusive participando de curso sobre hortas urbanas, oferecido por eles. Aos poucos apareceram pessoas com conhecimento, o dono de uma empresa de paisagismo, que inclusive já havia apresentado o projeto de uma horta em várias escolas, mas sem sucesso. Nós o acolhemos e ele, com seu pessoal, fez os primeiros canteiros como a Secretaria do Meio Ambiente tinha indicado. No projeto da compostagem, fizemos uma parceria com a Faculdade de Engenharia Ambiental da UNESP. Alunos e professores nos ensinaram e fizemos um projeto em conjunto. O importante é ter a vontade de fazer e alguém de liderança para conduzir o projeto. Sabemos que a espiritualidade está atenta, nos ajudando e aproximando pessoas para nos auxiliarem. Assim o trabalho pelo Bem vai crescendo e se instalando entre nós.

Quem se interessar pode fazer contato?
Nós já somos multiplicadores. Aqui em São José dos Campos, recebemos o selo de Compromisso da Secretaria do Meio Ambiente e da Prefeitura de São José dos Campos. A Secretaria de Educação tem a Obra Social Célio Lemos como referência na questão da Educação Ambiental. Vários professores da rede municipal têm vindo à Obra Social para aprender conosco. Iniciamos o projeto da horta em mais duas escolas. Quem se interessar sobre o nosso projeto pode entrar em contato conosco pelo emailsecretaria@oscl.org.br , no website www.oscl.org.br ou pelo telefone (12) 3921-6191. É para nós motivo de muita alegria poder colaborar com outras instituições sobre alguns dos cuidados que podemos e deveríamos ter com o nosso planeta. Nosso desejo é servir!

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)