A emoção de viver Arigó
Por Eliana Haddad
O ator Danton Mello estreou em novelas em 1985, aos dez anos de idade, como o pequeno Cuca na novela global A Gata Comeu. Depois, viriam outras atuações de destaque não apenas em tevê, mas também em cinema e teatro, dublagens e projetos especiais, como a reportagem que realizou sobre ecologia, em 1998, quando sofreu um grave acidente, a queda do helicóptero da equipe que sobrevoava o monte Roraima.
Agora Danton realiza mais um trabalho marcante em sua carreira, ao interpretar Arigó, no filme Predestinado, Arigó e o espírito do dr. Fritz, que estará nas telas do país em setembro, trazendo a palpitante vida do médium simplório que desafiou a ciência com suas cirurgias e curas. Acompanhe a entrevista que o ator concedeu com exclusividade ao Correio.
Como foi interpretar Arigó durante as filmagens na cidade de Congonhas? O que mais lhe marcou nesse trabalho?
Danton Mello: Foi uma experiência bastante especial e que marcou muito minha vida profissional e pessoal. Tenho certeza de que quem for assistir a esse filme vai entender do que estou falando. Foi marcante demais dar vida ao Arigó; uma pessoa extremamente bondosa, um ser iluminado, e isso me tocou muito durante as gravações. A história de vida dele é emocionante!
Você já conhecia essa história?
Confesso que já tinha ouvido falar, principalmente por ele ser de Minas Gerais, estado em que eu também nasci. Mas não sabia de muitos detalhes. Com o convite para o filme, comecei a me aprofundar mais para compor o papel e aí entendi a importância da sua história.
Como analisa a mediunidade e os processos espirituais de cura? Não sei como explicar, mas falando especificamente do Arigó, conheci pessoas que estavam desenganada pelos médicos, pessoas que passaram por ele e que foram curadas. Baseado em todas as pesquisas que fiz, nos materiais que li, nos meus encontros com os seus familiares e com pessoas que foram operadas e curadas pelo Zé, eu acredito na seriedade do trabalho e que ele realmente tenha curado essas pessoas.
Arigó e dr. Fritz são dois personagens, um encarnado e outro desencarnado. Como você lidou com essa experiência como ator e particularmente?
Foi um desafio grande e especial para se fazer. Interpretar dois personagens de uma vez só e na mesma história é um trabalho que requer muito cuidado e entrega. Mas me preparei bem com o Gustavo Fernandes, que dirige o filme. Foi uma leitura intensa. Fiz também uma boa preparação corporal, por achar importante diferenciar bem os dois, que, na realidade, são duas pessoas. Toda referência que a gente teve de leitura e de pessoas que conviveram com José Arigó dizia ser ele realmente outra pessoa quando incorporava o dr. Fritz, desde o modo de falar, até os gestos. O trabalho foi intenso, e eu sou um ator que valoriza muito a expressão corporal. O nosso corpo fala e é o instrumento do ator. Diferenciamos os dois na voz, no gestual, no comportamento, no jeito de andar e acabou sendo um trabalho muito lindo.
Houve algum episódio que tenha lhe marcado mais durante as gravações, alguma experiência ou sensação diferente?
Tenho uma curiosidade que diz respeito a como cheguei nesse projeto. Depois que conversei com a Vivian Golombek – ela quem me fez o convite –, recebi o roteiro e, quando recebo tanto roteiros de cinema como de teatro, gosto de me sentar no meu escritório e tirar duas horas para poder ‘embarcar’ na história. Gosto de ler de uma vez! Mas, desde quando ela me fez o convite, fiquei me questionando muito sobre o fato de eu não ser uma pessoa religiosa. E pensando: Caramba! E esse roteiro, essa história de médium! Ao começar a ler, tive uma crise de choro. Antes da página dez, parei. Voltei a ler no dia seguinte. Li mais quinze a vinte páginas e tive outra crise de choro, e com isso não consegui ler esse roteiro de uma vez. Acabei fazendo em uma semana, tendo crises de choro e me questionando do porquê desse roteiro ter chegado para mim. Eu que não acreditava, que não tinha religião (‘não tinha’, até porque esse filme transformou bastante minha vida), eu que não convivia com ninguém que tivesse uma religião.
Acabou sendo um grande processo ler esse roteiro e, quando acabei, liguei na hora para a produtora de elenco, falando que eu estava dentro. “Eu tô dentro; quero muito contar essa história. Eu preciso ser esse mensageiro, preciso ser esse ator que vai contar a história desse homem iluminado. Esse filme não é só para mostrar a história dele, é filme que veio pra transformar. Acho que estava no momento da minha vida que eu precisava de algo assim. Realmente fiquei muito emocionado e mexido.
O que mais o impressionou na vida de Arigó?
A empatia dele para com o próximo! O fato de ele ter se dedicado quase metade de sua vida ajudando e curando as pessoas que o procuravam. Ele abdicou até da sua vida familiar para fazer tudo isso. E vocês vão poder conferir o que estou falando no filme.
Você contracena com Juliana Paes, que interpreta a esposa de Arigó. Como analisa o papel da família na vida do médium?
Uma família reunida de amor e de muita atenção com o próximo. E contracenar com Juliana foi ainda mais especial, mulher de personalidade e que fez uma linda entrega. Tivemos uma grande sintonia do início ao fim.
Você já teve alguma experiência espiritual, alguma vivência que se assemelhasse ao que interpretou sobre esses personagens?
Não. Acredita? Nunca passei por experiência espiritual ou algo parecido. Como já falei em outras entrevistas, não tinha nenhuma relação ou ligação com o lado espiritual ou até mesmo religioso.
Na sua opinião, qual a maior dificuldade enfrentada por Arigó?
A cura do seu filho.
Como você analisa o papel da ciência diante das cirurgias espirituais?
É um desafio para a ciência, quando você vê relatos de pessoas que o conheceu e que foram curadas por ele. Durante as filmagens, conheci e convivi com algumas delas. São histórias lindas de se ouvir.
Sobre a atividade mediúnica, o que você apreendeu?
É muito difícil explicar, mas o Arigó realmente incorporava o dr. Fritz, ele ajudou realmente muita gente, fez todas essas cirurgias de maneira muito simples e precária, com facas e quaisquer instrumentos que estavam à mão dele. Por isso, meu aprendizado foi: Arigó de alguma maneira – que eu não sei explicar – recebia e incorporava o espírito do dr. Fritz, podendo ajudar e curar milhares de pessoas.
E sobre as cirurgias, qual foi seu impacto na realização destas cenas?
Foram cenas muito fortes, sendo para isso usados efeitos especiais! Quando você pensa numa cirurgia de visão, imagina toda uma estrutura oftalmológica. Mas dr. Fritz curava através de Arigó com uma faca, então realmente são cenas fortíssimas. E, mais uma curiosidade sobre a preparação do personagem: eu só consegui assistir o todo material a que tive acesso das cirurgias na véspera da filmagem. Era muito impressionante pra mim. Essas cenas mexeram muito comigo e tenho certeza de que o público também vai ficar impactado.
O escritor José Herculano Pires comenta em seu livro sobre Arigó que as curas e cirurgias realizadas foram um verdadeiro desafio para ciência, que ela não teria se debruçado o suficiente para estudar o fenômeno. Você também sentiu isso ao interpretar o personagem?
Sim, a gente mostra no filme um personagem, um médico americano que veio para o Brasil pesquisar e passou inclusive uma temporada ao lado do Arigó, acompanhando e fazendo registros. Muitas imagens que a gente tem hoje em dia, das cirurgias também, foram feitas pela equipe desse médico, que, aliás, foi operado pelo Arigó. Mas o preconceito e o julgamento sempre foram fortes, principalmente naquela época, em que era mais desafiador a informação chegar até as massas. O médium foi perseguido e chegou a ser processado pela Sociedade de Medicina. Então, foi pesquisado o que era possível no momento e, baseado nisso, tentaram entender e explicar ‘o inexplicável’.
Arigó foi alvo de críticas por parte dos mais céticos, chegou a ser preso, principalmente por usar faca, canivete, para as intervenções, sem assepsia e sem anestesia. Como você vê isso tudo?
Para as pessoas que não acreditam na mediunidade e no espiritismo, de fato assusta um pouco, ainda mais com as técnicas rudimentares que ele usava pra fazer as cirurgias. O fato é que nada disso justificou ele ter sido preso. Isso aconteceu por puro ceticismo das autoridades da época.
Suas considerações finais.
Fazer este trabalho representou muito para mim. Aprendi muito com esse papel. Foi uma história que me transformou, porque Arigó foi uma pessoa extremamente bondosa e generosa, dedicando mais de vinte anos da sua vida para cuidar das pessoas. Ao fazer esse papel, tive também oportunidade de conhecer crenças novas. Me aprofundar nisso tudo para viver um personagem não tem preço.