Pioneiros antes do ‘começo’
Por Adair Ribeiro Jr.*
Antes mesmo de surgirem os primeiros agrupamentos espíritas no Brasil a partir de setembro de 1865, brasileiros já haviam tido contato com o espiritismo. Alguns deles chegaram a frequentar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE). O próprio Allan Kardec autorizou a tradução de O livro dos espíritos para o português quase cinco anos antes da formação do primeiro grupo espírita em Salvador, em 1865, por Telles de Menezes. Essas são algumas das informações que constam em documentos do repositório do Projeto Allan Kardec, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Uma correspondência datada de 23 de agosto de 1860 contém a autorização de Kardec para a tradução de O livro dos espíritos, além de outorgar a um brasileiro o título de membro correspondente da SPEE. Quem teria sido esse personagem que se correspondeu com Kardec, foi elevado a membro da SPEE e recebeu tamanha incumbência para traduzir a obra que inaugurou o espiritismo na França?
O ainda desconhecido do movimento espírita brasileiro é o decano dos advogados da Bahia, Francisco Antônio Pereira Rocha (1815-1882). Com bacharelado na Faculdade de Direito de Olinda e doutorado em Coimbra, ele começou a exercer a advocacia em Salvador na segunda metade dos anos 1930.
Rocha foi um importante empreendedor, responsável por criar a Companhia de Águas do Queimado, empresa instalada em 1853 para o fornecimento de água potável canalizada para a cidade de Salvador. O advogado também foi responsável por fundar em Porto Alegre, em 1862, outra sociedade com o mesmo objetivo de abastecimento de água.
Foi esse personagem quem recebeu autorização de Allan Kardec para tradução de duas obras para o português: O livro dos espíritos e Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Não temos conhecimento sobre a publicação ou mesmo tradução das referidas obras por Rocha, o que poderia ser justificado, de uma maneira especulativa, pela simples falta de tempo, verificada pelo seu caráter empreendedor em várias províncias do Império.
Antecipando a história do espiritismo brasileiro, outras fontes primárias descrevem personagens participando de reuniões da SPEE, na cidade de Paris, nos anos de 1864 e início de 1865. Do Rio de Janeiro, são encontrados registrados os nomes, nos controles internos da sociedade presidida por Allan Kardec, do sr. Geoffray, participando da sessão de 17 de junho de 1864; sr. Denizes, registrado na sessão de 11 de novembro de 1864; sr. Diniz, presente em reuniões em 18 e 25 de novembro de 1864; e o sr. Barandier, com registro na reunião de 11 de maio de 1865. Sobre eles, ainda não temos maiores informações.
Esses manuscritos são a memória da história do espiritismo e estão ajudando a resgatar personagens importantes que, apesar de ainda desconhecidos, se revelam como verdadeiros pioneiros do movimento espírita brasileiro.
*Adair Ribeiro Jr. é curador do Museu AKOL – Allan Kardec.Online.