A experiência de Victor Hugo com os espíritos

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Por Izabel Vitusso

 Em 1885, no dia 22 de maio, esvaia-se o último fio vital de seu corpo e Hugo retornava à existência dos espíritos. No seu rastro, entretanto, as marcas do gênio. Obra e vida são descritas por seus historiadores, que as recheiam de cores fortes. Poucos, melhor, nenhum, porém, mostra o gênio em suas perquirições metafísicas, como ele realmente as colocou. Mas, da ilha de Jersey em diante, seus contatos com os espíritos se tornaram constantes, mudando-lhe os rumos de muitas convicções, como descreve o escritor argentino Humberto Mariotti:

“Victor Hugo possuía fé no plano divino do Universo, razão porque buscava seu lirismo sobre essa profunda convicção. Confiava na lei do progresso e admitia que tudo evoluía, apesar das incertezas humanas.” (...)

A primeira sessão mediúnica de Victor Hugo foi publicada por Gustavo Simón2, na qual se manifestou sua filha Leopoldina, há pouco falecida em um naufrágio, e lavrou a correspondente ata o célebre poeta e dramaturgo Augusto Vacquerie.  “Quando se falava das mesas girantes nós duvidávamos. Havíamos feito experiências com elas, mas sem êxito certo. Víamos, sobretudo, na atenção, que em todas as partes se dedicava a estes fenômenos uma armadilha da polícia francesa para distrair o espírito público das vergonhas do governo. Assim estávamos quando Mme. de Girardin veio a Jersey para visitar Victor Hugo. Chegou na terça-feira, 6 de setembro de 1853. Falou-nos das mesas. Não giravam, apenas, falavam também. Convencionava-se com elas que as batidas que dessem seriam as letras do alfabeto e que se escreveria a letra na qual se detivessem. Vimos nisto um paradoxo do gênio encantador de Mme. de Girardin. Tanto é que, na quarta-feira, enquanto tratava de falar a mesa com Victor Hugo, na sala de jantar, nós permanecíamos no salão. A mesa não falou. (...) Eu, particularmente,  acreditava tão pouco nas mesas que falavam que fui deitar-me, enquanto eles se puseram à mesa. (...). No domingo à noite, eis aqui o que aconteceu:

Ata de diálogo com a mesa girante

Presentes: Mme. de Girardin, Mme. Victor Hugo, Victor Hugo, Carlos Hugo, Francisco Victor Hugo, senhoritas Hugo, general Lê Fló, Mme. de Treveneve, Augusto Vacquerie.

Mme. de Girardin e Augusto  Vacquerie  põem-se à mesa, colocando a mesinha redonda em cima de uma mesa grande quadrada. Ao fim de alguns minutos a mesa estremece.

Mme. de Girardin: Quem és? (A mesa levanta um pé e o abaixa).

Mme. de Girardin: Existe algo que te  preocupa? Se for sim, dá uma batida, e não, duas. (A mesa dá uma batida).

Mme. de Girardin: O quê?

– Losango.

(De fato estávamos formando um losango, sentados em ambos os lados de um ângulo da mesa grande. A mesa se agita, vai e vem, recusa-se a falar. Eu me separo dela. O general Le Fló ocupa meu lugar. Na mesa, Carlos Hugo e o general Le Fló).

General Le Fló: Diga em que penso.

Mme. de Girardin, ao mesmo tempo: Quem és?

–  Filha. (O general Le Fló não pensava em sua filha. Eu penso em meu sobrinho Ernesto e pergunto:)

– Em que penso?

– Morta.

Mme. de Girardin, bastante emocionada: – Filha morta?

Eu volto a dizer: Em que penso?

– Morta.  (Todos pensam na filha que Victor Hugo perdera).

Mme. de Girardin: – Quem és?

– Ane soror. (Mme.   de   Girardin  havia perdido uma irmã. A mesa disse soror ,em latim, para dizer que era irmã de um homem)

General Le Fló: Carlos Hugo e eu, que estamos à mesa, perdemos uma irmã cada um. De quem és irmã?

– Dúvida.

General Le Fló: – Seu país?

– França.

General Le Fló: – Sua cidade? (Nenhuma resposta. Todos sentimos a pre­sença da morte. Todo mundo chora).

Victor Hugo: És feliz?

–  Sim.

Victor Hugo: – Onde estás?

– Luz.

Victor Hugo: – Que se deve fazer para ir a ti?

– Amar. (A partir deste momento, em que todos estamos emocionados, a mesa, como se visse compreendida, já não vacila mais. Responde imediatamente, ao ser interrogada. Quando demoramos para fazer-lhe uma pergunta, agita-se para a direita e para a esquerda ).

Mme. de Girardin:  – Quem te envia?

– Bom Deus.

Mme. de Girardin, muito emocionada: – Fala tu mesma. Tens algo a dizer-nos?

– Sufrid para o outro mundo.

Eu não estava absolutamente convencido. Não é que acreditasse precisamente que Mme. de Girardin nos enganava e dava os golpes voluntariamente. Mas eu me dizia que a força do desejo e de tensão de espírito podia dar à sua mão uma pressão involuntária.

Fomos  buscar outra mesa, sobre a qual colocamos a pequena. Mme. de Girardin e Carlos Hugo colocam-se de maneira que cortam a mesa suporte em ângulo reto. A mesa se agita.

General Le Fló: – Diz-me em que penso.

– Felicidade. (O general Le Fló pensava em sua mulher. Eu estava menos convencido. Parecia-me tão engenhoso e espiritual responder "felicidade" a um marido que pensa em sua esposa, que atribuía a resposta a Mme. de Girardin).

Victor Hugo escreve uma palavra em um papel e o coloca, fecha­do, em cima da mesa.

Augusto Vacquerie: – Podes dizer-me o nome escrito aí dentro?

– Não.

Victor Hugo: – Por quê?

– Papel.

Todas as respostas começavam a estranhar-nos um  pouco. Para estar mais seguro de que não era Mme. de Girar­din quem atuava, solicito colocar-me à mesa com Carlos Hugo. Ponho-me com ele. A mesa se move. Penso em um nome e digo:

Qual é o nome em que penso?

– Hugo.

De fato, este era o nome. Neste momento comecei a crer. Fazia alguns instantes que Mme. de Girardin estava emocionada e dizia-nos que não perdêssemos tempo com perguntas pueris. Pressentia uma grande aparição, mas nós, que duvidávamos, obstinamo-nos a desa­fiar a mesa a que respondesse as palavras escritas ou pensadas.

Mme. de Girardin: – Engana-nos?

– Sim.

Mme. Por quê?

– Absurdo.

Mme. de Girardin: – Pois bem, fala tu mesmo.

– Molesta.

Mme de Girardin: –  Que te molesta?

– Um só.

Mme. de Girardin: – Nomeia-o.

– Ruivo.

De fato, sr. de Treveneve, muito ruivo, era o mais incrédulo de nós.

Mme. de Girardin: – Queres que saia?

– No.

Victor Hugo: – Vês o sofrimento dos que te amam?

– Sim.

Mme. de Girardin: – Sofrerão muito tempo?

– No.

Mme. de Girardin: –Voltarão rápido à Fran­ça?  (Não responde)

Victor Hugo: – Mas voltarão?

– Sim.

Victor Hugo: – Rápi­do?

– Sim. (Terminado a uma e meia da madrugada).

 

Nota: Tudo o que antecede foi escrito ime­diatamente após a sessão por Augusto Vacquerie. A partir deste dia, decidi­mos escrever as respostas da mesa no momento mesmo em que se produ­ziam e todas as atas seguintes foram recolhi­das durante o transcurso das sessões mesmas".

 

1- Victor Hugo Espírita, Correio Fraterno, 1989.

2- Las tables tournants de Jersey. Editoral Louis Conard, Paris.

  

(Publicado no jornal Correio Fraterno nov/dez 2005).

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