Zilda Gama: a médium dos primeiros clássicos brasileiros

Por Rita Cirne*

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O movimento espírita brasileiro deve muito a uma mineira muito especial: Zilda Gama, médium, jornalista, escritora, professora, diretora de escola e defensora dos direitos femininos numa época em que as brasileiras não tinham ainda o direito de votar e a doutrina espírita era muito incompreendida. Mas os livros que psicografou estão aí para comprovar a importância de sua obra que serviu de exemplo aos médiuns que vieram despois dela, segundo o depoimento de outra grande médium brasileira, Yvonne Pereira. 

Em 1969, em uma palestra feita como tributo à Zilda Gama meses após o seu desencarne, Yvonne afirmou que os livros dessa médium foram bendito refrigério para os conflitos íntimos que a atormentavam. “Graças a tais leituras, nós mesmos conseguimos compreender e aceitar que nós também tínhamos que arrastar a cruz e responsabilidade semelhante, configurada na literatura mediúnica. A obra dela e os seus exemplos de paciência e dedicação ao trabalho foram o estímulo que nos levou a aceitar o mesmo convite do invisível”.

Os conselhos de Kardec

Yvonne se referia à dedicação de Zilda Gama à doutrina espírita e também aos desafios que soube enfrentar em sua vida. Isso porque Zilda, que nasceu em Juiz de Fora, MG, em 11 de março de 1878, ficou órfã dos pais em 1903, quando tinha 24 anos, tendo que assumir a direção da casa e o cuidado dos cinco irmãos menores. Em 1920, com o desencarne de sua irmã Adélia, também ficou responsável por cinco sobrinhos.

Desde 1912, ela já era adepta da doutrina espírita e psicografou mensagens de seu pai e de sua irmã. Ainda nesse ano, psicografou a primeira mensagem assinada por Allan Kardec, quando foi avisada da responsabilidade de sua missão espiritual e da ajuda que receberia para se desincumbir dessa tarefa. Segundo seu depoimento no livro Diário dos invisíveis, de 1929, Kardec afirmou na mensagem que sobre a fronte dela estava suspenso um raio luminoso, que a guiaria através de todas as dificuldades, e seria a sua glória ou condenação – conforme o desempenho que desse aos encargos psíquicos. “Cinge-te de coragem, fé, benevolência, cumpre sem desfalecimento, e sem deslizes, todos os teus deveres sociais e divinos, e conseguirás ser triunfante”, aconselhou o codificador.

Obras clássicas pela psicografia

Em 1916, foi informada por seus benfeitores espirituais de que iria psicografar uma novela. Zilda psicografou a novela Na sombra e na luz e foi surpreendida com a assinatura do autor: Victor Hugo, o escritor francês do século 19. Com esse autor, ela psicografou ainda Do calvário ao infinito, Redenção, Dor suprema, Almas crucificadas, O solar de Apolo, Na seara bendita. Com essa obra, Zilda Gama foi a primeira médium no Brasil a obter do mundo espiritual uma vasta literatura espírita.

Na sua vida profissional, foi professora e diretora de escola. Venceu em 1929 o concurso estadual promovido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais com um trabalho sobre “Aulas modelos”. Escreveu contos e poesias para várias publicações, como o Jornal do Brasil, a Gazeta de Notícias e a Revista da Semana, todos no Rio. 

Em 1931, quando houve no Brasil um movimento em defesa dos direitos femininos, Zilda foi autora de uma tese aprovada oficialmente no Congresso Nacional. Esse texto influenciou a Constituição de 1932, quando a mulher teve reconhecido o seu direito de votar.

Aos 81 anos, após décadas de trabalho na mediunidade, sofreu um derrame cerebral que lhe deixou sequelas, passando a viver em uma cadeira de rodas e sendo assistida pelo sobrinho Mário Ângelo de Pinho. No dia 10 de janeiro de 1969, desencarnou aos 91 anos.

Bibliografia: As mulheres médiuns, de Carlos Bernardo Loureiro.FEB

Curiosidades
O escritor francês Victor Hugo, autor de Os miseráveis, afirmou ao médium Divaldo Pereira Franco que Zilda Gama era a reencarnação de sua filha Léopoldine, que desencarnara aos 19 anos, em Paris, vítima de um naufrágio, no rio Sena. Dedicou a ela vários poemas e foi através de manifestações dessa filha em sessões mediúnicas que ele se voltou para as realidades espirituais. Segundo o jornal Mundo Espírita, publicado pela Federação Espírita do Paraná, a primeira obra psicografada por Zilda e assinada pelo escritor francês, Na sombra e na luz, que se passa na Europa no século 19, tem Victor Hugo como um dos seus personagens.

No link abaixo, pelo YouTube, é possível ouvir a gravação da palestra promovida por Yvonne Pereira e Newton Boechat em memória a Zilda Gama, em 14 de junho de 1969, na sede da União Espírita Suburbana, no Méier, no Rio de Janeiro:

*Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor Econômico.