O encontro de Allan Kardec com George Sand

Parte do castelo de Nohant, onde George Sand viveu por muitos anos.

Parte do castelo de Nohant, onde George Sand viveu por muitos anos.

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Antes de fazer qualquer comentário a respeito do encontro que teria havido na França entre essas duas personalidades: Allan Kardec (1804-1869) e George Sand (1804-1876), gostaria de falar a respeito de quem foi George Sand.


Na verdade, George Sand é pseudônimo de Aurore Dupin de Francueil (nome de nascimento, ou Aurore Dudevant, quando se casou com Casimir Dudevant). Esta escritora tornou-se uma personalidade e uma das autoras mais conhecidas de sua época (século 19), não apenas para o público francês, mas internacionalmente; tanto pelos textos , quanto por sua própria história.

Autora de mais de uma centena de romances, além de peças para o teatro, contos infantis, artigos para periódicos, teve publicada uma grande quantidade de biografias a seu respeito. Sem contar com a sua autobiografia retratando a intensa correspondência que mantinha com escritores, políticos, intelectuais, bem como sua vida familiar e sua relação com os amigos e os companheiros. Um dos principais: o músico polonês Frédéric Chopin.


No Brasil, alguns dos seus livros foram lançados com bastante êxito em edições brasileiras, sobretudo nas décadas de 1930 a 1960. Tudo isso, em sintonia com o momento de expansão do mercado editorial no País.


Mas, antes de acontecer essas produções editoriais de grande alcance de público no Brasil, leitores expressivos já a conheciam, porém em idioma francês. Um deles foi D. Pedro II, que a admirava, chegando a tentar uma entrevista com George Sand quando de sua viagem à França, nos idos de 1871.
Surpreendentemente, depois do sucesso obtido no século 19 e até meados do 20 entre os brasileiros, constatou-se o desaparecimento quase que absoluto de seus títulos por aqui.


A boa notícia é que em pesquisa recente a respeito de George Sand[1], inteirei-me de que está havendo entre pesquisadores da França e de outros países da Europa e América uma retomada dos estudos de sua obra, considerando sua importância no cenário francês do século 19.[2]

O instigante de toda a história de George Sand é que no meio espírita ela surge informalmente num comentário feito por Chico Xavier, que também a admirava como romancista.


Conta-se que o médium mineiro descreveu à escritora espírita Suely Caldas Schubert[3] uma passagem em que Allan Kardec e George Sand se encontram em Paris, no dia exato do lançamento de O livro dos espíritos, em 18 de abril de 1857.


" (...) E assim foi que, andando pelas ruas de Paris, com o primeiro exemplar do livro nas mãos, (...) o professor avistou a carruagem de Sand, reconhecendo-a em seu interior. Imediatamente acenou e, cumprimentando-a, disse:
– Madame Sand, venho oferecer-lhe o primeiro livro da Doutrina dos Espíritos! A que ela retrucou:
– Ah, professor Denizard – ela assim o chamava –, eu sei que o senhor está fazendo experiências verdadeiras. Eu mesmo sou delas testemunha, porque desde quando muito jovem observava alguém, um vulto, a me acompanhar o tempo todo! De pequena, lutei muito para que os demais compreendessem o que se passava comigo, mas em vão!... (...) O senhor está de parabéns, professor!"


O professor Rivail agradeceu-lhe a acolhida fraterna, dizendo-lhe que estimaria muitíssimo ver sua apreciação da obra. – Professor Denizard, guarde para si este exemplar, do qual não sou digna. Alegrar-me-ei bastante em opinar sobre ele mais tarde, quando o tempo me permitir. Atualmente, tenho a vida atribulada de compromissos. Prometa enviar-me outro volume posteriormente."


Esse encontro de abril de 1857 acabou promovendo o envio de uma carta de Allan Kardec para George Sand, em 20 de maio do mesmo ano, acompanhada da obra doutrinária que se inaugurava naquele período. E assim se escrevia:[4]


"Tenho a honra de vos endereçar um exemplar de O livro dos espíritos, o qual lhe pediria que o aceitasse como homenagem.

Se aí julgo por certo as ideias emitidas nos seus vários escritos, a questão das relações do homem com os seres incorpóreos não vos é nada estranho; sem prejulgar vossa opinião sobre tal sujeito, suponho que um espírito de elite como o vosso, Madame, não teria sido dominado pelos pré-julgamentos e deve querer o exame.

Se vossos afazeres vos permitem de consagrar alguns instantes a essa leitura, talvez vereis, pela exposição dessa doutrina, o espiritismo sair do círculo estreito das manifestações materiais para abraçar todas as leis que regem a Humanidade. Os Espíritos, por sua vez, Madame, me têm falado muitas vezes de vós e, em lhe endereçar esta obra, a qual é bem mais vossa do que minha, não faço mais do que executar o desejo que eles me inspiraram.

Recebeis, eu vos suplico, Madame, com o tributo de admiração que partilho com tantos outros, a homenagem de meus sentimentos os mais distintos.

Allan Kardec, Paris, 20 de maio 1857."

 

Magali Oliveira Fernandes


Editora e jornalista, autora do livro Chico Xavier: um herói brasileiro no universo da edição popular, Ed. Annablume e Vozes do céu­ – os primeiros momentos de impresso kardecista no Brasil, Ed.Mandacar.


1- Pesquisa de pós-doutorado em Comunicação e Semiótica, da PUC-SP, em 2010-2012.
2- Artigo “O processo criativo no universo da edição – George Sand no Brasil". Revista Tessituras & Criação, n. 3, 2012. http://revistas.pucsp.br/index.php/tessituras/article/view/11406/8313.
3- Conferir HTTP://observadorespirita.blogspot.com.br/2009/04/18-de-abril-de-1857.html. Há também referência em Nova História do Espiritismo, Dalmo Duque dos Santos. Ed. Conhecimento.
4- A carta encontra-se publicada no livro de autoria de Zeus Wantuil e Francisco Thiesen: Allan Kardec – o educador e o codificador. Vol. II. (organização de Zeus Wantuil), FEB.

 

(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 451, mai/jun/2013)