Dolores Bacelar: conheça a história dessa médium
Por Priscilla Wilmers
Todos temos nossos baús de memórias. Lugar afetivo onde depositamos lembranças, vasculhamos vez por outra um passado bem vivido, uma história compartilhada, procurando inspiração para nosso presente. Hoje quem abre seu baú para o Correio Fraterno é o escritor Rômulo Bacelar, o caçula dos três filhos da médium Maria Dolores de Araújo Bacelar, desencarnada em seis de outubro de 2006.
A vida em família e o trabalho incansável na difusão da doutrina espírita estão registrados na memória de Rômulo Bacelar: “... Ela era disciplinada... mas gerava consequências para o próprio lar... e cadê o almoço? Ela trabalhava madrugada adentro.”
Uma carta de 25 de julho de 1980 escrita por Dolores Bacelar à Editora Correio Fraterno que publicou 10 obras por ela psicografadas reforça a impressão do contínuo esforço da médium em conciliar família e o compromisso assumido com a espiritualidade. Em dado momento, Dolores Bacelar diz: “Ando muito atarefada com as obrigações outras e o término do segundo livro da série Às margens do Eufrates. Com a mudança da minha filha para o Rio tenho estado mais na casa dela do que na minha. Porém assim que ela melhorar da gripe que a acometeu, retornarei para o nosso lar e isto deve ser em breve, espero em Deus.”
Reconhecida por sua capacidade e dedicação, Dolores Bacelar deixou contos, poesias, romances, como A Mansão Renoir, um clássico na literatura espírita, ditado pelo espírito “Alfredo” [que, segundo Rômulo Bacelar, seria Alfredo D’Escragnolle, visconde de Taunay], que influenciou na postura da médium sempre discreta. A obra tinha que sobrepujar o autor. Segundo Rômulo Bacelar, Alfredo estava sempre com sua mãe: “O Alfredo, enriquecia a nossa vida com histórias. Ele não era nenhum familiar, era o guia de minha mãe”.
A médium nascida católica em dez de novembro de 1914 em Pernambuco enfrentou as angústias de psicografar sem confrontos familiares. Rômulo Bacelar comenta a situação da mãe: “Quando ela começou a escrever A mansão Renoir ela era católica ainda. Estudou seis anos em colégio de freira, sobrinha de madre e de monsenhor... Todos eram católicos. Quando explodiu a mediunidade dela, ela não podia falar pra ninguém, porque na época o espiritismo era uma religião do diabo. Foi um drama para ela, escondia os livros espíritas que lia quando o tio chegava...”
Criada numa época em que as mulheres eram preparadas para as tarefas do lar, Dolores Bacelar não frequentou curso superior, mas trouxe de casa o hábito da boa leitura, que o filho Rômulo, recorda como incentivo do avô: “O pai dela reunia a família e eles tinham que ler romance em círculo. Minha mãe estudou seis anos interna num colégio de freiras, o que lhe deu uma boa base... Os meus tios são todos formados o que tinha de faculdade na época os irmãos fizeram, mas a mulher não. Era outra mentalidade.”
A ausência de uma cultura formal jamais foi empecilho para o desenvolvimento mediúnico da médium que produziu com qualidade literária, orientada por espíritos como Monteiro Lobato, Arthur Azevedo e Coelho Neto, além de Josepho, que ditou a série Às margens do Eufrates (O alvorecer da espiritualidade, Guardiães da verdade, Veladores da luz, O voo do pássaro azul e Jonathan, o pastor). Rômulo admite psicografia mecânica: “Eu conheci minha mãe madura como médium. Ela era inconsciente e sempre pedia alguém da confiança dela que ficasse ao seu lado.”
A capacidade mediúnica de Dolores Bacelar andava de braços dados com seu amoroso coração. Certa vez, em 1980 ao visitar o lar da criança Emmanuel – primeira instituição de assistência fundada em São Bernardo do Campo, SP- a médium cedeu os direitos autorais de suas obras para a Editora Correio Fraterno. Revertendo a venda dos livros as crianças da instituição. Generosidade que pautou seus 92 anos de vida. Esteve ao lado do coronel Jaime Rolemberg de Lima no atendimento às famílias carentes do lar Fabiano de Cristo e aos 74 anos se entregou de corpo e alma as órfãs no Lar Amigo.
Recentemente comemorou-se o dia das mães, assim Rômulo Bacelar fecha o Baú de Memórias homenageando a mãe – comprometida com aqueles que recebeu como companheiros de jornada-: “À minha mãe eu devo tudo, devo a ela o que eu sou... devo também a Alfredo... ensinando-me a pautar minha vida em justiça, solidariedade... passei a acreditar que o espiritismo é a verdade prometida que vai irmanar a humanidade...”
(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno, edição 433)