A lógica de Conan Doyle a serviço da doutrina

Por Rita Cirne*

Desvendar assassinatos e crimes com um raciocínio lógico e muita inteligência era a principal característica de um dos personagens mais conhecidos de histórias de detetive da literatura universal: o Sherlock Holmes. Assim como esse personagem, o seu criador, o escritor escocês Arthur Conan Doyle, famoso em todo o mundo por suas histórias policiais, foi também um grande pesquisador e usou sua inteligência e raciocínio lógico para entender também o espiritismo. 

Ele admirava a lógica da doutrina. Mas tinha dúvidas em relação à continuidade da vida. Por isso, fez estudos sobre fatos mediúnicos e buscou provas que lhe satisfizessem a razão. E as encontrou. Acabou se dedicando tanto ao espiritismo, que se tornou um palestrante e autor de livros relevantes sobre a doutrina, como A nova revelação e História do espiritismo. Sua dedicação à causa espírita o fez declinar do título de nobreza que iria receber do Reino Unido da Grã-Bretanha, pois lhe foi imposta a condição de que teria de renunciar às suas crenças. E ele preferiu honrar as ideias em que acreditava.

Mas até chegar a esse posicionamento, passou pelo catolicismo, religião em que foi educado e teve uma fase materialista. Ele nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 22 de maio de 1859. Formou-se em medicina pela Universidade de Edimburgo, mas teve sucesso mesmo como escritor de novelas policiais. 

Em 1887, publicou na revista de bolso britânica Beeton’s Christmas Annual a históriaUm estudo em vermelho”, que se tornaria o primeiro dos sessenta contos protagonizados por Sherlock Holmes. E foi nesse ano também, através de seu paciente, o general Drayson, que afirmava conversar com seu irmão desencarnado, que Conan Doyle teve o primeiro contato com o espiritismo. 

Admiração pela religião sem dogmas

No texto biográfico de apresentação do escritor, no livro A nova revelação, Indalício H. Mendes diz que Conan Doyle admirava o espiritismo por sua elevação moral, por não ser religião sectária, não condenar as criaturas humanas ao castigo eterno, não as ameaçar de perder a alma por causa de simples pormenores doutrinários, nem possuir a intolerância que tanto o irritara quando menino, predispondo-o contra todos os credos dominantes na Europa, como o catolicismo e o protestantismo.

O biógrafo destaca ainda que Doyle sofreu muito durante a Primeira Guerra Mundial, que vitimou o seu cunhado Malcolm Leckie e que o fez refletir sobre o sofrimento das mulheres que perdiam seus filhos e maridos. Esse fato fez com que ele estudasse a guerra pelo lado de dentro, isto é, “procurou penetrar o mundo íntimo das criaturas que, de um momento para outro, se viam despojadas da felicidade. E percebeu que aquelas que se punham em contato com o espiritismo pareciam mais resignadas, porque compreendiam melhor as coisas”. Ele também ficou impressionado com as comunicações que os espíritos de soldados mortos enviavam através de uma médium. E, finalmente, teve a comprovação que procurava sobre a continuidade da vida com a mensagem do seu cunhado Malcolm que mencionava fatos de caráter muito pessoal, só por ele conhecidos. 

Em 1917, começou a fazer conferências espíritas, expondo e analisando os fenômenos psíquicos e nunca mais parou, mesmo sofrendo críticas dos inimigos da doutrina. Fez inúmeras palestras divulgando o espiritismo pelos países nórdicos até pouco tempo antes de desencarnar, no dia 7 de julho de 1930, em Sussex, na Inglaterra, após sofrer um ataque cardíaco.

Doyle aos olhos de Herculano Pires

No prefácio do livro A história do espiritismo (FEB) o jornalista e filósofo Herculano Pires afirma ter sido Conan Doyle  “um dos maiores e mais lúcidos escritores espíritas dos últimos tempos, em todo o mundo, que revelou admirável compreensão do problema espírita em seu aspecto global, como ciência, filosofia e religião”. Diz ainda que ao escrever A história do espiritismo, Doyle não tinha o intuito de fazer propaganda de suas convicções, mas o de historiar o movimento espírita, colocando-se numa posição serena e imparcial, como observador dos fatos que se desenrolam aos seus olhos, através do tempo e do espaço.

“O romancista e o novelista aqui estão, na múltipla tessitura das narrativas que se sucedem, capítulo por capítulo. O autor policial, na perspicácia de apreensão dos fatos. O espírita se manifesta no interesse pelos fatos e pela sua interpretação, na compreensão da grandeza e da importância do movimento espiritista mundial. O médico Arthur Conan Doyle, o homem voltado para os problemas científicos, o pensador, debruçado sobre as questões filosóficas, e o religioso, que percebe o verdadeiro sentido da palavra religião — todos eles estão presentes nesta obra gigantesca, suficiente para imortalizar um escritor que já não se houvesse imortalizado”. 

Herculano também destaca que no livro A nova revelação, Doyle cita Allan Kardec como uma figura de influência reduzida ao âmbito nacional do movimento espírita francês, porque, segundo Herculano, no movimento espírita, as coisas vão se definindo aos poucos, não se mostrando logo com a precisão necessária. “Somente quase trinta anos depois da morte de Conan Doyle é que a figura de Kardec vai se impondo também, nas suas verdadeiras dimensões, ao mundo anglo-saxão”. 

*Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor  Econômico.

Curiosidades

Por algum tempo, Conan Doyle foi um amigo do mágico Harry Houdini, que depois se tornaria um grande opositor do movimento moderno espiritualista da década de 1920. Embora Houdini tentasse provar que os médiuns da época faziam fraudes e truques de ilusionismo, Conan Doyle estava convencido de que o próprio Houdini possuía mediunidade ativa. Aparentemente, Houdini não foi capaz de convencer Conan Doyle do seu ponto de vista e eles acabaram rompendo a amizade, segundo informa a Wikipedia.

Em novembro de 1891, Doyle escreveu para sua mãe: "Acho que vou assassinar Holmes… e lhe dar fim de uma vez por todas. Ele priva minha mente de coisas melhores." Sua mãe respondeu, dizendo: "Faça o que achar melhor, mas o público não aceitará essa atitude em silêncio. "Em dezembro de 1893, ele fez o que pretendia para dedicar mais tempo a obras que ele considerava mais importantes – os seus livros históricos. Mas a sua a manifestação de desagrado do público fez com que o escritor trouxesse o personagem de volta.