A caridade que educa

Por Tiago de Lima Castro 

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Ao ouvirmos falar sobre Allan Kardec em palestras ou cursos na casa espírita, vemos que o foco recai normalmente no realce de suas qualidades intelectuais e em seu árduo e profícuo trabalho de organização e construção do edifício doutrinário que suas obras constituem.

Enfatizar a figura de Kardec como um cientista frio e sóbrio é um recurso muitas vezes utilizado na oratória para destacar a capacidade racional do codificador e para evitar que os ouvintes o imaginem como alguém místico ou passível de fraudes de ‘médiuns’ ou mistificações nas mensagens mediúnicas.

Porém, a doutrina espírita nos ensina que evolução espiritual implica evolução intelectual e também moral, o que nos faz concluir que por mais que este recurso oratório seja realizado com a boa vontade de evidenciar o olhar imparcial de Kardec e as condições intelectuais de sua personalidade, surge uma pergunta, principalmente para quem ainda está se aproximando da doutrina: Se o espiritismo tem como lema “Fora da caridade não há salvação”, por que Allan Kardec era este homem de coração frio e imparcial, distante da dor alheia ou da caridade?


Ao abrirmos o capítulo 13 de O evangelho segundo o espiritismo, intitulado “Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita”, encontramos um bom argumento que nos ajuda a entender o silêncio de Kardec diante dos atos de caridade por ele empreendidos. Afinal, “fazer o bem sem ostentação tem grande mérito. Esconder a mão que dá é ainda mais meritório, é o sinal incontestável de uma grande superioridade moral”.


Entretanto, após a sua morte, em 31 de março de 1869, os espíritas da época fizeram uma série de homenagens, como o dólmen levantado em seu túmulo, no cemitério Père-Lachaise, em Paris. Entre elas também estava o opúsculo Discursos pronunciados pelo aniversário de Allan Kardec, no ano de 1870, onde há uma importante carta de seu amigo Alexandre Delanne, pai do conhecido escritor espírita Gabriel Delanne.


Nela, o amigo comenta que conhecia bem a capacidade intelectual de Kardec na produção de sua obra e em sua divulgação. Porém acrescenta: “Puderam avaliar a bondade de seu coração, seu caráter tão firme quanto justo, a benevolência de que usava em suas relações, a caridade afetiva que inundava sua alma, sua prudência e extrema delicadeza? Não!”


Ilustrando a conduta do codificador, Alexandre Dellane narra que certa feita Kardec lhe contara sobre um encontro com um homem de idade avançada que passava por grandes dificuldades materiais, a ponto de mal conseguir se proteger do frio, porém, demonstrando aceitar a sua condição, devido a um texto espírita que lhe caíra nas mãos. Eis que durante a narração do caso, uma lágrima escorre no rosto de Kardec, que lembrava ter buscado moedas de ouro para ajudar aquele homem a sobreviver e, no dia seguinte, enviara-lhe uma série de suas obras para que conhecesse melhor o espiritismo, ou seja, fornecendo-lhe o pão material e o pão espiritual. Na carta narram-se outras situações em que Kardec fornecera ajuda material a necessitados, com a discrição que lhe era peculiar. Bastava saber de um necessitado que não se poupava em ajudar como podia.


São narrativas como essas que evidenciam as virtudes morais do codificador, demonstradas desde quando, como educador Hyppolite Léon Denizard Rivail, já revelava ser um espírito de grande envergadura, coerente com a missão que caberia realizar.

Bibliografia
O Espiritismo em sua expressão mais simples e outros opúsculos de Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

(Publicado no jornal Correio Fraternoedição 456 - março/abril 2014)

 

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