Padre Nicodemos e o bem acima das convenções
Por Raymundo Espelho
Conheci o padre Nicodemos em 1966 e com ele convivi durante 14 anos, numa instituição de ensino superior no ABC Paulista, onde nós dois prestávamos os nossos serviços. Durante todo aquele tempo, conversávamos sobre vários assuntos. Mas o tema religião tornou-se o predileto, e sempre estava presente em nossos bate-papos fraternos e proveitosos: com o padre respeitando a minha religião e eu a dele.
Catolicismo, espiritismo, reencarnação, mediunidade, vida após a morte, evolução, comunicação dos espíritos: esses assuntos surgiam naturalmente em nossos encontros e padre Nicodemos ouvia-nos atento, quando seus olhos, que já eram grandes, pareciam ficar ainda maiores.
Inúmeros livros espíritas, como as obras de Allan Kardec e o livro Memórias do padre Germano, fizemos chegar até ele. Depois de lê-las, vinha o padre Nicodemos tecer comentários e pedir mais informações. A nossa amizade cresceu a ponto de ele nos confiar os problemas, alguns relacionados ao sacerdócio, e pedir sugestões e caminhos para soluções, e eu me esforçava para ajudá-lo.
Obtendo sucesso, voltava radiante para agradecer. Nos casos contrários, calava-se, a exemplo do que fazem as almas de escol. Chegou a assistir a palestras espíritas e sempre que podia visitava a instituição espírita a que nos dedicávamos, demonstrando que para ele o bem estava acima de qualquer convenção.
Era comum ver o padre Nicodemos pelas comunidades, nos hospitais, nas sociedades de amigos de bairros, levando o seu auxílio e o seu entusiasmo.
Mesmo enfrentando problemas de saúde, preferiu continuar trabalhando, e foi celebrando missa que se sentiu mal, despedindo-se desta vida acompanhado por verdadeira multidão.
Poucos meses depois, padre Nicodemos compareceu em espírito espontaneamente a uma reunião mediúnica. Emocionado, ainda sob o impacto da nova realidade, falou de sua alegria por ter conhecido as verdades espíritas ainda em vida, dizendo entender bem melhor o espiritismo na condição que agora estava.
Antes de se despedir, fez questão de dizer que, ao procurar a “Virgem Santíssima”, de quem era devoto, não a encontrou no plano espiritual, mas mirando no ensino espírita, voltou os olhos para os irmãos da estrada e aí a identificou nas mães dignas desse nome, junto de seus filhos.
Plenamente ajustado à nova realidade, desvencilhado das impressões materiais, padre Nicodemos continua trabalhando no plano espiritual, desenvolvendo seu sacerdócio de bondade e dedicação, principalmente socorrendo os religiosos que lá dão mostras de estarem estacionados nos perigosos recifes do dogmatismo ou apegados no sentido literal dos textos da tradição religiosa.
Fonte: Seareiros da atualidade, vol. 2. Escritores e jornalistas espíritas. Editora ABC do Interior.