O corpo rejeitado

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Por Lauro F. Carvalho

Este caso se deu em Palmelo, GO, e foi pela década de 1950, quando as curas mediúnicas ali estavam no auge. Entre as centenas de pessoas que lá aportavam semanalmente, em busca do alívio para as doenças do corpo e da mente, chega a jovenzinha negra, Jozilda. Os familiares já estavam extenuados de tanto labutarem com o mal inexplicável.
Sua doença? Desmaiava frequentemente, permanecendo inconsciente por dias. E foi assim que ela chegou ao centro, na sessão da tarde: conduzida nos braços.
Acomodando-se a paciente inerte, concentraram-se os médiuns, sob a segura direção do sr. Jerônimo Candinho, presidente do centro. O quadro espiritual foi se revelando: um palácio imperial. Um casal de jovens e garbosos mandatários em estreito idílio. Poder, vaidades... e os abusos de uma sociedade prepotente e escravagista.
Voa o tempo, mudam-se os quadros. Um dia, a morte, a separação. Padecimentos nas furnas astrais. Por fim, o reajuste indispensável, no instituto da reencarnação. Ela volta primeiro. Porém, agora não mais nas pompas palacianas. Não mais o físico exuberante; nada do que possa por em risco o programa retificador. Simplesmente uma donzela negra, sem atrativos nem riquezas, submetida à dureza da vida desde cedo.
Mas o espírito soberbo não se conforma com tão brusca mudança. E o comparsa de outrora, acenando-lhe dos ouropéis estruturados nas telas mentais de ambos, arrebata-lhe o espírito, deixando desfalecido o corpo.
Dá-se o tratamento espiritual, requerendo algumas sessões. O suposto príncipe incorpora-se primeiro, exaltado, exigindo explicações. É doutrinado e entregue aos mentores espirituais, a fim de ser encaminhado aos institutos retificadores do Espaço. A seguir, convocam a presença do espírito fugitivo da paciente. À custa de muita firmeza, ela é finalmente trazida, manifestando-se num dos médiuns de incorporação.
E o diálogo surge, veemente.
– Jozilda, você está me ouvindo? – interroga o dirigente.
– Jozilda, não! – retruca asperamente o espírito incorporado. – Veja lá com quem está falando! Eu sou a alteza... – e anuncia os sonoros títulos que um dia ostentara.
– Jozilda, sim... Deixe de petulância. Aceite a vida que tem e assuma suas responsabilidades!
– Eu?! Viver nesse corpo aí? Nunca! Sou dama da nobreza!
– Qual nobreza? Tola vaidade!... Não despreze o abençoado corpo que Deus lhe concede para aprender as lições da humildade e do trabalho digno! Submeta-se sem demora e tome logo o seu corpo, vamos!
Ante o imperativo da ordem e a vibração da corrente mediúnica, a médium estremece, ao mesmo tempo em que o corpo inerte à frente começa a dar sinal de vida.
Mais um pouco e a mocinha é despertada. A doutrinação prossegue, no estado consciente dela, e o intricado problema dos desmaios inexplicados desaparece.
É mais uma 'rainha' que perde sua coroa, e mais uma alma que se matricula na academia do Amor divino...

*Este caso foi narrado por Lauro F. Carvalho, que viveu muitos anos em Palmelo, GO. Em Brasília, em 1960, ele fundou o Sanatório Espírita de Brasília, e a Livraria e Distribuidora de Livros Espíritas Brasil Central.

 

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)