Por me divorciar, terei que casar com ele na próxima vida?
Por Paulo Henrique de Figueiredo
Meu casamento vai muito mal e ouvi numa palestra na casa espírita que não adianta se separar. Vamos ter que voltar a ficar juntos na próxima reencarnação? Então, para que serve o divórcio, que pelo o que compreendi também nem é contra a Lei de Deus?
Maria Cristina, de São Paulo – SP.
A sua pergunta, Maria Cristina, pode ser traduzida pela seguinte forma: Se eu cometer o ‘pecado’ do divórcio, Deus vai me dar um ‘castigo’ na próxima vida, obrigando que me case novamente com meu marido para ‘pagar’ minha falta com esse ‘sofrimento’.
Um dia, visitando camponeses chilenos para uma aula, o educador brasileiro Paulo Freire, depois de um grave silêncio inicial, teve uma conversa mais ou menos assim:
– Fale o senhor, pois nós não sabemos nada e o senhor é doutor – quebra gelo um camponês.
– Por que vocês não sabem nada e eu sei? – questiona o educador.
– Porque seu pai deu educação e nós somos camponeses pobres, sem estudo, trabalhando de sol a sol, sem esperança.
– E por que ao camponês falta tudo isso?
– Porque Deus quis assim.
– Se você tem três filhos – argumentou Paulo Freire – mandaria um para a escola ter futuro, dando todas as condições a ele, deixando os outros dois na ignorância e sofrimento?
– Ninguém faria isso! – responderam os camponeses.
– Então, por que Deus seria tão injusto?
A palestra sobre o divórcio que você ouviu numa casa espírita foi feita por quem não conhece a moral racional proposta pelo espiritismo, mas sim a moral dogmática, ao propor um Deus vingativo e cruel que castiga quem infringe suas leis. Segundo o palestrante, suas opções seriam sofrer agora para pagar os erros do passado ou adiar o sofrimento para a outra vida. E depois disso? Você poderia perguntar: Deus me daria só vidas felizes como recompensa?
Ninguém sofre para pagar pecados. O sofrimento é uma consequência das imperfeições, criadas pelas escolhas de cada um. Ele mesmo é o responsável para superar os hábitos que criou! Não só Deus não castiga como as circunstâncias principais de nossas vidas são escolhas de nós mesmos, como espíritos antes desta vida, com a finalidade de enfrentar circunstâncias que revelem nossas imperfeições, para reconhecê-las e superá-las.
O casamento não é um contrato onde duas pessoas são obrigadas a respeitar deveres e obrigações. A união conjugal deve ter o mesmo fundamento da amizade criativa, onde se compartilham objetivos, dificuldades e esperanças. Uma amizade só dura quando os desencontros e dificuldades não são suficientes para quebrar o laço que os une, o que deve ser mantido pelos dois. É ilusão imaginar que essa chama se mantenha por um só. Enquanto o amor é espiritual, o divórcio resolve um problema humano.
Seria muito mais fácil deixar que o castigo divino fosse uma troca de nossos problemas, mas isso não existe. Só há um caminho real: assumir nossas escolhas, tomar decisões conscientes e lidar com as consequências com planejamento, maturidade e moderação. Aprender com nossos erros é a verdadeira fonte da felicidade futura.
(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 439, mai./jun. 2011)