Marcas de nascença e as memórias de vidas passadas

Por Eliana Haddad

Alan Roger dos Santos Silva é cirurgião-dentista e seguiu formação acadêmica por meio dos cursos de mestrado e de doutorado na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), SP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a Universidade de Sheffield na Inglaterra.

Especialista nas áreas de Estomatologia e Patologia Oral e Maxilofacial, Alan como professor livre-docente no Departamento de Diagnóstico Oral da FOP-Unicamp, possui centenas de publicações científicas internacionais relacionadas às doenças da boca e é referência no campo da pesquisa de pacientes com câncer de boca e orofaringe.

Em conjunto com uma equipe de investigadores provenientes de várias instituições nacionais, Alan publicou recentemente um artigo científico na revista internacional Explore (Nova York), intitulado “Birthmarks and birth defects in the head and neck region and claims of past-life memories: A systematic review” – Marcas e defeitos de nascença associados a memórias de vidas passadas –, tema que interessa muito ao espiritismo:
Em entrevista ao Correio Fraterno, Alan elucida sobre a importância desse trabalho.

Você poderia explicar o que pesquisa na sua área de atuação?

Minha atuação como pesquisador está direcionada a uma melhor compreensão dos fatores de risco para as doenças mais impactantes da região da cabeça e do pescoço, com ênfase para as doenças da boca. Além disso, meus esforços como investigador estão concentrados no aprimoramento de protocolos de tratamento baseados nos valores dos pacientes com doenças da boca, incluindo estratégias de comunicação de notícias ruins para pacientes que receberão o diagnóstico do câncer de boca.

Por que teve interesse em elaborar um artigo que revisa casos sugestivos de reencarnação? É seu primeiro trabalho sobre esse tema?

Sim, esse é o primeiro trabalho de nossa equipe nesse contexto. Nossa motivação provém dos estudos na área das doenças humanas e da observação do fato de que frequentemente pacientes são acometidos por alterações ou doenças congênitas com grande impacto físico e psíquico que não podem ser explicadas, em termos de fatores de risco, por predisponentes ambientais ou genéticos.

Como desenvolveu a sua pesquisa?

A pesquisa foi planejada e executada com base na parceria entre profissionais vinculados à FOP-Unicamp (Alan Roger dos Santos Silva, Laura Borges Kirschnick e Lauren Frenzel Schuch), ao Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Alexandre Caroli Rocha e Eric Vinícius Ávila Pires) da Universidade Federal de Juiz de Fora e à Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Manoela Domingues Martins). Seguindo protocolos internacionais do “Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)”, um conjunto mínimo de itens baseado em evidências que guia cientistas na investigação de temas no campo da saúde, descrevemos as evidências científicas publicadas ao longo de décadas de trabalho da divisão de estudos da personalidade da Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia, EUA, e também de cientistas associados a esse grupo, sobre as alegadas memórias de vidas passadas associadas à origem de marcas e defeitos de nascença.

 O que revelaram esses estudos? O que você descobriu?

Os resultados do estudo, direcionado para as marcas e defeitos de nascença da região de cabeça e pescoço, identificaram dados de uma série de casos de pacientes nascidos em diversas partes do mundo, incluindo Estados Unidos, Índia, Myanmar, Sri Lanka, Tailândia e Turquia. Essas marcas e defeitos associados a supostas memórias de vidas passadas foram identificados predominantemente na face de crianças do sexo masculino, com ampla variação em termos de manifestação clínica (verrucosa, hipotricose, hipopigmentação, hiperpigmentação, hiperemias e rugosidades, entre outras) e tamanhos entre 0,5 cm e 12 cm. Os casos tiveram entrevistas com a família da pessoa falecida e com a família da criança que associou as marcas de nascença com memórias de vidas passadas. A robustez das provas apresentadas junto aos casos compilados foi analisada com base no método validado conhecido como “Grading the Strength of a Body of Evidence When Comparing Medical Interventions”. A maior parte dos casos dos pacientes analisados com essas características foi associada a alegações de vidas passadas em que teriam ocorrido traumas e lesões decorrentes de violência por facas, armas de fogo, tortura, estrangulamento, queimaduras e colisões, entre outras, incluindo muitos desfechos fatais e um caso associado a complicações do tratamento do câncer.

Pode citar algum caso?

Um dos estudos identificados em nosso artigo relata uma alegada vida anterior na mesma família. Uma criança norte-americana do sexo masculino nasceu e permaneceu com marca escura na região anterior direita do pescoço, com uma opacidade em seu olho esquerdo, com alteração nos músculos oculares e com inchaço arredondado no couro cabeludo acima do ouvido direito. Aos quatro anos, o menino demonstrou vontade de voltar à casa anterior de sua própria família, fornecendo descrições acuradas de onde haveria morado com sua mesma mãe e dizendo havê-la ‘deixado’ naquele local. Relatou detalhes de uma biópsia à qual disse ter sido submetido e, quando lhe foi mostrada uma foto de seu irmão que morrera 12 anos antes de seu nascimento, o menino afirmou que ele e o irmão falecido eram a mesma pessoa. Seu irmão havia morrido em função de um câncer comum da infância conhecido como neuroblastoma. Coincidentemente, esta criança apresentava um inchaço acima do ouvido direito (em função do câncer), tinha o olho esquerdo saliente e com histórico de sangramento (ficou cego desse olho um pouco antes de falecer, também devido à doença), realizou biópsias durante a investigação diagnóstica e teve um tubo colocado numa veia da região anterior direita do seu pescoço (acesso venoso) para infundir medicações, antes de receber alta e falecer em casa.

O trabalho foi bem recebido entre os profissionais da sua área? Há resistência a esses temas?

Os resultados apresentados nessa publicação internacional foram recebidos com grande interesse por parte de cientistas e profissionais da saúde que atuam em diversos campos da odontologia e da medicina, entre eles a estomatologia, a patologia, a psiquiatria e a oncologia. Embora não tenhamos, até o momento, conhecimento de resistências formais à publicação, é possível cogitar que o desconhecimento – pela maior parte da população mundial – do lastro de mais de 100 anos de evidências científicas acerca da sobrevivência da consciência humana após a morte do corpo físico pode gerar dúvidas, incertezas e até mesmo resistências conceituais nesse contexto.

Como profissional de saúde, você percebe alguma maior aceitação dos profissionais da área com relação a esse novo paradigma, envolvendo a espiritualidade?

Sim, uma evidência adicional a essa constatação diz respeito a grandes centros de referência internacional em pesquisa e tratamento de pacientes com doenças psiquiátricas, condições incuráveis ou potencialmente fatais (como pacientes com câncer) ou especializados em cuidados paliativos. Centros como a Duke University, Harvard, Johns Hopkins e Oxford University possuem núcleos de investigação clínica e profissionais para lidar com questões dos pacientes no contexto da espiritualidade e do sentido da vida durante o enfrentamento das doenças graves. Há evidências para melhor qualidade da vida e prognósticos superiores quando essas questões são abordadas junto a pacientes com tais demandas.

Você dará continuidade a esses estudos? Qual o próximo passo?

Sim, nossa equipe segue estudando e interessada em aprimorar a compreensão de possíveis origens não convencionais para condições e doenças humanas, com ênfase para doenças na região da boca, da cabeça e do pescoço.

Na sua opinião, quais outros temas deveriam ser mais explorados pelos cientistas que se dedicam a pesquisas sobre saúde e espiritualidade?

Acredito que seria importante investigar temas que visem à melhor compreensão do impacto clínico da espiritualidade como parte do tratamento de pacientes com doenças altamente mórbidas e potencialmente fatais. Essa temática certamente merece atenção especial das agências de incentivo à pesquisa no campo da saúde.

Referências:

  1. Kirschnick LB, Schuch LF, Rocha AC, Ávila Pires EV, Martins MD, Santos-Silva AR. Birthmarks and birth defects in the head and neck region and claims of past-life memories: A systematic review. Explore (NY). 2023 Feb 10:S1550-8307(23)00031-9. doi: 10.1016/j.explore.2023.02.002. 

  2. https://med.virginia.edu/perceptual-studies/wp-content/uploads/sites/360/2015/11/REI34.pdf 

  3. https://spiritualityandhealth.duke.edu/ 

  4. https://www.hopkinsmedicine.org/spiritualcare/

  5. https://www.hsph.harvard.edu/news/press-releases/spirituality-better-health-outcomes-patient-care/

  6. https://academic.oup.com/book/37026