Genética e mediunidade: pesquisa abre portas para novos estudos

Alexander Moreira: A pesquisa não mostra que há uma genética da mediunidade, mas é bastante sugestiva

Por Eliana Haddad

Um artigo recentemente publicado por pesquisadores brasileiros na Brazilian Journal of Psychiatry, revista científica da Associação Brasileira de Psiquiatria, apresentou estudo que aponta para a existência de uma estreita relação entre mediunidade e genética.

A pesquisa foi realizada em parceria com o NUPES – Núcleo de Pesquisa e Espiritualidade, da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A divulgação do artigo atingiu mais de 30 mil visualizações e gerou audiências marcantes em entrevistas realizadas com os autores para programas de tevê, indicando o alto interesse pelo tema também pelo público em geral.

O psiquiatra e pesquisador Alexander Moreira-Almeida, coordenador do NUPES que participou do projeto, em entrevista ao Correio Fraterno, esclarece sobre os pontos importantes do estudo para nós, espíritas, uma vez que o assunto mediunidade se constitui em um dos pilares do espiritismo, tema inclusive de uma das principais obras de Allan Kardec, O livro dos médiuns.

O que e como foi realizada a pesquisa?

A pesquisa foi uma parceria liderada pelo professor Wagner Gattaz, do Instituto de Psiquiatria da Universidade São Paulo, com o Núcleo de Pesquisa e Espiritualidade, da Universidade de Juiz de Fora, MG, e também com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Selecionamos médiuns em mais de dez estados do Brasil com atividade mediúnica frequente e considerados pelos seus pares, em seus grupos religiosos, como médiuns diferenciados, em termos de maior capacidade mediúnica, e que alegadamente produziram informações mais precisas. Os médiuns, basicamente espíritas e umbandistas, também teriam de ter, no mínimo, dez anos de prática semanal da atividade mediúnica, sem qualquer tipo de remuneração. Além desses médiuns, selecionamos também seus parentes de primeiro grau não médiuns – pais, filhos e irmãos, com o cuidado de esse grupo-controle* ter uma grande similitude social, econômica, cultural e até mesmo genética. A diferença dos parentes é que não eram médiuns. A amostra possuía 54 médiuns e 53 parentes de primeiro grau, não médiuns, na qual foram comparados vários dados de saúde mental, qualidade de vida e especialmente o exoma – a parte do nosso genoma que possui os genes que expressam e codificam as proteínas, fundamentais para a estrutura e funcionamento do nosso organismo. A meta foi identificar genes que teriam alterações, modificações específicas, em médiuns e não nos seus familiares.

Quais foram os resultados e o que a pesquisa exatamente comprovou?

A pesquisa encontrou 33 genes com alterações específicas em pelo menos um terço dos médiuns e em nenhum de seus familiares. Algumas dessas modificações estavam presentes em pelo menos 90% dos médiuns e em nenhum de seus familiares. Essas 33 modificações genéticas encontradas são candidatas para ajudar a explicar a capacidade mediúnica. Para tentar replicar e validar esses dados, também testamos uma outra amostra de 12 médiuns sem familiares e neles também encontramos que, de fato, assim como os 54 iniciais, eles também tinham em grande parte essas modificações genéticas, reforçando a possibilidade de esses genes estarem relacionados a essa experiência.

Afinal, a pesquisa mostra que a mediunidade tem relação com a herança genética?

A pesquisa não mostra, não prova que tem uma genética da mediunidade, mas é bastante sugestiva. Como tudo em ciência e pesquisa, ela começa a produzir alguns dados que vão ser replicados, corrigidos ou negados em futuros estudos. Podemos dizer que os dados foram muito robustos. Selecionamos alterações genéticas raras na população, com alta probabilidade de modificar a expressão proteica e que estavam presentes em boa parte desses médiuns e em nenhum dos familiares. Depois, esses dados foram replicados também nessa amostra de validação dos outros 12 médiuns. É altamente provável que esses genes tenham alguma relação com essa experiência mediúnica e até mesmo com outras experiências espirituais, mas isso ainda tem que ser replicado em novos estudos.

Qual a importância para a ciência e para o espiritismo do que ficou evidenciado?

A importância para a ciência é ajudar a compreender uma experiência humana universal. Nós definimos cientificamente a mediunidade como uma experiência em que a pessoa alega estar em contato ou sob a influência de um ser espiritual, ou de uma pessoa falecida. Essa experiência é absolutamente universal. Todas as culturas, todas as épocas, todas as pessoas de todas as religiões têm essa experiência. No Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, existem dados mostrando que na população em geral metade das pessoas já referiram ter tido algum tipo de contato, percepção, visão, ou sentiram a influência de uma pessoa que faleceu. É claro que há pessoas que percebem, que têm essa sensação, essa vivência de modo mais frequente, a que tendemos a chamar de médiuns. É preciso compreender quais fatores estão relacionados a essa experiência humana e uma das hipóteses é que o nosso cérebro funciona como um filtro sobre a realidade e só capta alguns de seus aspectos. Pode ser que os médiuns tenham um filtro mais poroso, que capte outros aspectos da realidade, e isso precisa ser melhor investigado.

O que exatamente se concluiu sobre a glândula pineal?

Também investigamos a glândula pineal, porque há um histórico de tradições espirituais do Oriente, assim como também o filósofo René Descartes e a própria literatura espírita, que afirmam que a pineal teria ligação com a contato mente-corpo, com experiências espirituais. Em nossa investigação, de fato encontramos uma dessas modificações mais expressa exatamente na pineal, estando esse gene mutado presente em mais de 90% dos médiuns. Justamente essa modificação do gene MUC 19 também tende a ocorrer na pineal. Isso precisa ser também melhor investigado. Tudo isso precisa ser também melhor investigado.

Qual o próximo passo sobre pesquisa neste tema?

Serão vários passos. Um será verificar esses mesmos dados, esses genes com alterações, em outras amostras de pessoas com outras experiências espirituais como, por exemplo, experiências fora do corpo e experiências de percepção do Espírito Santo, nas igrejas católicas ou protestantes pentecostais, e em pacientes com transtornos mentais e em médiuns de outros estudos, de outros grupos e até de outros países.


Kardec disse que a mediunidade tem um componente orgânico. Pode-se dizer que isso ficou evidenciado?

Sim, Kardec disse que a mediunidade tem componente orgânico e essa pesquisa está nessa direção. Ela traz uma evidência complementar altamente sugestiva de que essas alterações genéticas estariam relacionadas com a experiência mediúnica.

A pesquisa destacou que foi encontrado algo nesses 33 genes mutados em comum a um terço dos médiuns estudados. E os outros dois terços dos médiuns, não apresentaram alteração genética ou nem todos os médiuns apresentam os mesmos genes modificados?

Não é que dois terços dos médiuns não tinham essa alteração genética. Os 33 genes estavam presentes em pelo menos um terço dos médiuns. Por exemplo, uma alteração em um terço, outra alteração em outro terço e, assim sucessivamente. Isso não quer dizer que os dois terços não tinham nenhuma daquelas variações genéticas. Na realidade, cada gene estava presente em pelo menos um terço dos médiuns e a maioria dos médiuns tinha a maioria dessas alterações.

Se alguns médiuns não possuem nenhum desses 33 genes observados, a mediunidade então não dependeria desses genes. Correto?

Não temos esse dado, se teria algum médium que não teria nenhuma das 33 alterações. Mas é possível também que aconteça isso, o que também não quer dizer que todos os médiuns tenham que ter a mesma alteração genética. Isso acontece com qualquer característica humana. De um modo geral, alguns genes estão mais fortemente ligados, outros menos; alguns podem ter a mesma alteração e a mesma característica por outros genes mais raros. Isso não é possível dizer.

Que interesse tem a ciência nessa pesquisa?

O interesse tem sido muito grande. Para se ter uma ideia, em apenas um mês, o artigo foi baixado mais de 30 mil vezes no site da revista Brazilian Journal of Psychiatry, que é uma das revistas científicas brasileiras de maior fator de impacto na comunidade científica. O artigo teve 33 mil downloads e visualizações. Isso é três vezes mais do que o segundo artigo mais visto da revista, publicado há três anos. Além disso, também estamos sendo convidados para apresentar o estudo em outras universidades e instituições científicas para apresentarmos o estudo, além do grande interesse da sociedade. O artigo sobre essa pesquisa foi o mais visto da Folha de S.Paulo no dia de sua divulgação, sendo também o vídeo mais visto na GloboNews e na CNN. O interesse e repercussão são tanto no público científico, como no público em geral.

A pesquisa sobre mediunidade na área da saúde mental está permitindo algum avanço científico, no sentido de se admitir a existência de ‘algo’ além do corpo?

Sim. O estudo da mediunidade tem ampliado a compreensão do que é consciência e do que é a mente humana. Há outros estudos – não esse especificamente – que apontam a possibilidade justamente da consciência estar ativa, funcionando além do cérebro. Um exemplo de estudo nesse sentido de revisão é o nosso livro mais recente, Ciência da vida após a morte, em que nós revisamos o que existe de evidência científica atual de que a consciência, a mente, a alma, o espírito possa existir após a morte. Revisamos as pesquisas científicas do mundo inteiro. Há mais de 350 estudos sobre experiências de quase-morte e fora do corpo, experiências mediúnicas, de aparição, de final de vida e experiências de alegadas memórias de vidas passadas. Essas pesquisas têm se encaminhado nesse sentido, inclusive no Congresso Americano de Psiquiatria, que vai acontecer agora em maio, em Los Angeles, Estados Unidos, onde farei uma conferência exatamente sobre a implicação desses estudos das experiências espirituais para uma mente além do cérebro.

*Grupo-controle: Grupo de pessoas semelhantes ao grupo estudado, mas que não possuem o fator em estudo.

Saiba mais: Acesse o artigo original: bit.ly/ArtigoGenesEMediunidade