Os filhos de Divaldo

os-filhos-de-Divaldo.jpg

Izabel Vitusso

Dentre tantas histórias que o orador Divaldo Pereira Franco conta em sua larga experiência à frente da obra social Mansão do Caminho, em Salvador, BA, uma delas diz respeito a uma das quase setecentas crianças órfãs sociais ou sem pais que para lá foram levadas.

Algumas chegaram pela lata do lixo, onde foram deixadas à porta da instituição.

Divaldo conta que, na primeira vez, quando viu a criança ali abandonada, experimentou um sentimento muito estranho. Pegou a criança afrodescendente no colo e correu para o tabelião, dizendo, assim que chegou:

– Vim registrar o meu filho.

O tabelião, então, disse estranhando-me:

– Seu filho?

– Sim, afirmei convicto.

– Qual o nome dele? – perguntou-me.

– Jaguarassu Pereira Franco.

– E o nome da mãe?

Eu, entusiasmado, disse:

– Não tem.

Ele sorriu-me e insistiu:

– Mas deve ter. Quem é a mãe?

– Não sei.

– Mas, como não sabe? A mãe pode não saber quem é o pai, mas o pai tem que saber quem é a mãe!

Então, diante daquele conflito, eu vi entrar um espírito que, acercando-se, me sugeriu:

– Ponha o meu nome: Auta de Souza.

Tratava-se da poetiza potiguar que havia morrido em Natal, em 1901, vítima da tuberculose.*

– Coloquei, como sugerido, o nome da mãe: Auta de Souza.

– O tabelião, sorrindo, me disse:

– Curioso, esse nome me é familiar.

E eu respondi:

– A mim também.

E assim veio o segundo filho, o terceiro, o quarto filho.

Graças à situação em que vieram, sem qualquer identificação, registrei-os como filhos biológicos. Na época não era permitido e eu ignorava. Mas mesmo que soubesse das consequências, talvez não positivas, eu me esforçaria para levar adiante.

Na adoção, o amor não é menor do que ao filho biológico. Creio que seja até maior, porque o biológico nós temos porque temos, e o adotado temos porque queremos. Nós vamos buscá-los. Feliz é quem é capaz de adotar o amor – reflete Divaldo.

O sentimento de amor que eles nos inspiraram e nos inspiram, hoje através de netos e bisnetos, deu-nos uma plenitude e ajudou-nos a amadurecer interiormente. Porque o amor só é válido quando vivenciado através dessas experiências – finaliza o orador.


Fonte: Programa Transição, entrevista com Divaldo Franco. Adoção, parte 1.



*Quem foi Auta de Souza

Auta de Souza foi destacada poetisa brasileira, nascida em Macaíba, RN, em 1876.

Órfã de pai e mãe em tenra idade, foi criada pela avó, que, embora analfabeta, ofereceu-lhe boa formação. Ingressou em colégio dirigido por freiras vicentinas francesas. Lá aprendeu francês, inglês, literatura, e teve acesso a boas obras de escritores, como Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand e Fénelon.

Aos 14 anos foi diagnosticada com tuberculose, afastando-se da escola e prosseguindo com sua formação intelectual como autodidata. Ainda jovem, iniciou-se na escrita, movida por fortes emoções, incluindo a perda de seu irmão e o afastamento de seu grande amor. Seu único livro publicado, Horto (1900), é caracterizado por uma fé ardente e um profundo sentimento de compaixão pelos humildes.

Desencarnando aos 24 anos, em 1901, veio depois a se manifestar pela mediunidade de Chico Xavier, transmitindo poesias, que constam na obra Parnaso de além-túmulo (1932) e em várias outras obras. Divaldo Franco psicografou também poesias de Auta de Souza.


Artigo original publicado no jornal Correio Fraterno.