Zibia Gasparetto: sua mediunidade, suas escolhas, seu mérito
Por Rita Cirne*
Entrar em contato com conceitos espíritas, como reencarnação e vida após a morte, é uma tarefa que nos dias de hoje foi facilitada pelos meios de comunicação. Na internet, não faltam artigos, blogs, publicações que nos fazem refletir sobre a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações com os homens. O cinema nos brinda com filmes sobre a vida de Chico Xavier e com obras como Nosso Lar. A TV nos traz novelas que mostram a ação dos espíritos em nossas vidas, como é o caso da novela A Viagem, em reprise atualmente na TV Globo.
Mas, na década de 1950, quando não contávamos com nenhuma dessas iniciativas e ainda havia muito preconceito contra a doutrina espírita e seus adeptos, o trabalho de uma médium fez a diferença, ao popularizar conceitos da doutrina através do romance espírita.
Quem não ouviu falar de Zibia Gasparetto e dos romances de autoria do espírito Lucius que ela psicografou, como O amor venceu, Laços eternos e Ninguém é de ninguém? Ao narrar a vida dos protagonistas através de reencarnações, esses livros mostram a conexão entre a vida espiritual e a terrena e os elos que nos unem tanto aos nossos afetos como aos nossos desafetos. Essas histórias permitem que vejamos como o ódio, o desejo de vingança, a mágoa e o ciúme podem nos levar a grandes adversidades, enquanto o amor, a fé e o perdão podem nos trazer paz e auxiliar a nossa evolução espiritual.
Esses livros conseguiram tocar o coração das pessoas e em pouco tempo se transformaram em sucesso editorial. Seu primeiro livro, o romance O amor venceu (1958), foi um fenômeno de vendas, com mais de meio milhão de cópias vendidas. Em 1980, a Correio Fraterno republicou a sua obra Entre o amor e a guerra, editada originalmente em 1975 pela editora Lake. No total, Zibia publicou 58 obras e vendeu 18 milhões de exemplares.
O início do trabalho mediúnico
De ascendência italiana, Zibia nasceu em Campinas em 29 de julho de 1926. Casou-se aos 20 anos com Aldo Luiz Gasparetto, com quem teve quatro filhos, dentre os quais os também médiuns Irineu e Luiz Antonio Gasparetto.
Zibia contava que, em 1950, mãe de dois filhos, teria acordado certa noite com um formigamento no corpo. Em seguida, teria se levantado e passado a andar pela casa como um homem, falando em alemão, idioma que desconhecia. Assustado, o marido recorreu ao auxílio de uma vizinha, que, ao chegar, teria feito uma oração que auxiliou Zibia. No dia seguinte, Aldo Luiz comprou O livro dos espíritos, iniciando ao lado da médium o estudo da doutrina.
Aldo começou a frequentar as reuniões públicas da Federação Espírita do Estado de São Paulo, mas Zibia não tinha como acompanhá-lo, por não ter com quem deixar as crianças. Semanalmente, entretanto, faziam juntos o estudo do Evangelho no lar. Nesse período, a médium começou a sentir uma dor forte no braço, dando início à psicografia do seu primeiro romance assinado por Lucius. Quando datilografado e pronto, o trabalho foi levado a um professor de história na USP, que, à época, dirigia um grupo de estudos na Federação Espírita. E o resultado foi a publicação dessa obra pela editora Lake.
A partir daí novos livros foram sendo psicografados, sempre alcançando grandes sucessos, chegando a 27 obras assinadas pelo espírito.
Mudança de rumo
Na década de 1990, a médium decidiu por novos caminhos e fundou a Editora e o Instituto Vida & Consciência, ambos ainda ativos. Enquanto a editora publicava seus livros psicografados, o instituto tinha como meta promover o desenvolvimento humano, trabalhando com inteligência emocional e técnicas para ativação da consciência.
Foi neste momento que os projetos da médium começaram a trilhar pelo universo mais espiritualista, distanciando-se do espiritismo, o que culminou no fechamento da Associação Cristã de Cultura Espírita Os Caminheiros, fundada em 1969 pela família Gasparetto.
Em entrevista à revista IstoÉ, em 2013, Zibia afirmaria já não ter religião, mas que não se incomodava de ser chamada de espiritualista. “A verdade é que eu não tenho interesse em limitar as minhas experiências, que são mais universais que as que eu tinha quando era espírita”. Manifestou também sua gratidão à Federação Espírita do Estado de São Paulo e ao espiritismo ‘kardecista’, explicando que frequentou e lá deu aulas por 27 anos na escola de médiuns. “O que eu aprendi lá serviu de base para todo o meu trabalho”.
Zibia desencarnou aos 92 anos, em outubro de 2018, após lutar contra um câncer de pâncreas, e deixou seu nome na história da divulgação das ideias espíritas.
Por mais desafios que possa ter passado, envolvendo as críticas que recebeu por suas escolhas no campo de sua mediunidade, uma coisa é certa: foi ela quem popularizou o romance espírita no Brasil, levando conceitos da realidade da vida após a morte, sobre as consequências de nossos atos, o porquê da vida e a perfeição das leis divinas.
Bibliografia
Revista Istoé, 30 de maio de 2013.
O Globo, 11 de outubro de 2018.
* Rita Cirne é jornalista e colaboradora do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo, e do jornal Valor Econômico.