Joaquim Travassos: o homem que aproximou os brasileiros de Kardec
Por Rita Cirne
Assim que a doutrina espírita deu os primeiros passos na França, suas sementes logo foram lançadas aqui no Brasil. E se inicialmente os livros escritos por Allan Kardec tinham de ser lidos em francês, foi a iniciativa de um médico brasileiro, dr. Joaquim Carlos Travassos, que tornou possível o acesso a essas obras na língua portuguesa. Em 1875, 18 anos depois do lançado na França, O livro dos espíritos já estava sendo traduzido e publicado no Brasil, através da editora B.L. Garnier, no Rio de Janeiro.
A doutrina enfrentava a resistência da igreja católica na França e no Brasil, mas os fenômenos espíritas já despertavam o interesse de muitas pessoas, que se reuniam em grupos familiares para estudar o fenômeno das mesas girantes. Também alguns médicos homeopatas já pesquisavam e experimentavam a ação do magnetismo através do passe.
As primeiras casas espíritas no Brasil
Quando O livro dos espíritos editado em francês chegou ao Brasil, começaram a surgir os primeiros centros espíritas. Na Bahia, foi fundado em 1865 o Grupo Familiar do Espiritismo e em 1873 foi criada a Sociedade Grupo Confúcio, considerada o primeiro centro espírita da capital do Império, que teve Joaquim Travassos como secretário. Foi lá também que ele começou a realizar os atendimentos como médico homeopata. Foi quando, conhecedor das línguas inglesa e francesa, percebeu que podia ajudar os grupos espíritas em formação, com a tradução das obras.
Além de O livro dos espíritos, em 1875, foi também publicada a tradução de O livro dos médiuns e O céu e o inferno. E em 1876, a versão em português de O evangelho segundo o espiritismo.
Como tradutor, Joaquim Travassos utilizou o pseudônimo Fortúnio em O livro dos espíritos, mas deixou as demais obras sem identificação. Em sua modéstia e simplicidade, apenas informou sobre o seu trabalho ao redator-chefe da Revista Espírita, em Paris, Pierre-Gaëtan Leymarie. Da edição de agosto de 1875 da Revista Espírita consta o trecho da carta que ele endereça a Leymarie, dizendo:
“Permitindo o Pai Celeste que eu fosse, com o nosso amigo sr. C. Lieutaud, um dos propagadores do espiritismo neste canto do mundo chamado Brasil, empreendi a tradução, para a língua nacional, das obras do Mestre. Graças ao auxílio dos bons espíritos, essas imortais obras estão sendo publicadas, apesar das dificuldades e da resistência que as grandes ideias geralmente encontram, sobretudo uma filosofia que visa extirpar os vícios de uma sociedade egoísta que resume toda a sua satisfação nos prazeres materiais”.
Portador das boas-novas ao Bezerra de Menezes
É a Joaquim Travassos que devemos o primeiro contato de Bezerra de Menezes com a doutrina espírita. Foi ele quem ofereceu um exemplar da tradução ao seu grande amigo, impulsionando-o à sua grande missão, como divulgador da doutrina dos espíritos e um incansável trabalhador.
Ao receber o exemplar de O livro dos espíritos, Bezerra de Menezes narra: “Deu-mo na cidade e eu morava na Tijuca, a uma hora de bonde. Embarquei com o livro e, como não tinha distração para a longa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno por ler isto... Depois, é ridículo confessar-me ignorante desta filosofia, quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Lia, mas não encontrava nada que fosse novo para mim. Parece que eu era espírita inconsciente, ou mesmo como se diz, de nascença”.
Um livre-pensador
Antes de se tornar espírita, Joaquim Travassos, nascido em Angra dos Reis, em 1839, era católico de formação. Mas também um livre-pensador, um estudioso que buscava uma compreensão superior da vida. Não se sabe qual foi o motivo que o levou a ingressar no espiritismo, mas logo se tornou não só adepto da doutrina, como um grande divulgador.
Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e, em 1862, casou-se com Maria Antônia de Oliveira, com quem teve duas filhas. Ao perder a sua esposa em grave acidente, Travassos deixa as filhas aos cuidados de sua cunhada e decide servir como cirurgião do exército na Guerra do Paraguai, em 1867. Voltando ao Brasil em 1869, casa-se com sua cunhada, Mafalda, com quem teve uma filha.
Assim como Bezerra, Travassos também teve atuação política. Com a Proclamação da República, foi eleito senador na primeira Legislatura do Estado do Rio de Janeiro, quando apresentou projeto de lei regulamentando a colonização e a imigração no Brasil. Travassos também se aprimorou no entendimento sobre a pecuária e a agricultura, por acreditar no desenvolvimento do Brasil através desses setores. Desencarnou em 6 de fevereiro de 1915, no Rio de Janeiro, com 76 anos, vitimado pela arteriosclerose.
Bibliografia
Grandes espíritas do Brasil, Zêus Wantuil, FEB.
Artigo: “Primeira tradução de O livro dos espíritos no Brasil”, Grupo Espírita Batuíra, de Ribeirão Preto, SP.
Artigo: “Joaquim Carlos Travassos”, Federação Espírita do Paraná.
Vida e obra de Bezerra de Menezes, Sylvio Brito Soares, FEB.
Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo, e do jornal Valor Econômico.