Terminou a corrida. Guardou a fé
Por Rita Foelker*
Tem espíritos que passam pela Terra deixando um rastro de grandes amizades, importantes realizações, exemplos de vida que inspiram quem com eles aqui conviveu. E por isso se tornam memoráveis.
Um deles retornou recentemente ao plano espiritual. Estou falando, já com saudades, do querido Herculano Ferraz Pires (10/1942-09/2025), sem dúvida uma alma muito especial. Quem o conheceu e teve a chance de passar algum tempo com ele, aqui na Terra, sabe que ele era assim.
Embora leitora de Herculano (pai)¹ desde a juventude, conheci pessoalmente Herculaninho – como era carinhosamente chamado – há cerca de uma década, quando comecei a trabalhar na Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires, em São Paulo.
Herculaninho é desses seres incríveis que fazem a gente logo se sentir ‘em casa’. Tudo com ele era muito simples e direto, como no relato do grande amigo Antonio Carlos Molina,² sobre aquele dia de 1971 em que se conheceram:
“Eu dirigia a área de informática de um banco e estava procurando um gerente de produção. Ele chegou para entrevista, me passou o currículo e eu, logo que vi, perguntei:
“– Você é parente do professor Herculano Pires?
“– É meu pai!
“– Admiro muito ele. Parabéns!
“Ele se levantou, pediu licença, foi ao telefone sobre a mesa, discou um número e disse:
– Mãe, tem um ‘cara’ aqui que conhece o pai…
“E me passou o telefone.
“Era a Dona Virgínia, que fez uma festa ao telefone e disse:
“– Venha tomar um café!
“Fui e nunca mais deixei de ir…”
Molina conclui dizendo que “foi um bom encontro, como diria Espinosa…”
A referência ao filósofo holandês levou minha mente pelas trilhas da filosofia, tão cara a Herculano (pai).
Para Baruch Espinosa (1632-1677), um “encontro” seria toda interação entre dois corpos, sejam eles objetos ou a natureza em si, sejam pessoas. Tudo que produz um afeto!
Afeto?... Ora, Espinosa explica isso também! Segundo ele, os corpos e as mentes são afetados pelas interações com o mundo, o que leva a um aumento ou diminuição da potência de agir de um indivíduo.
Sobre encontros que aumentam a “potência de agir”, ou seja, estimulam a capacidade de um indivíduo, de agir e de existir, sem sombra de dúvida Herculaninho tinha um jeito maravilhoso de nos alegrar e gerar profundo contentamento em sua presença. Ele certamente nos colocava em ação.
Da sua infância e juventude no lar dos Pires, a irmã, escritora e palestrante Heloisa Pires, recorda o quanto Herculaninho era gentil. Segundo ela, “um espírito que caminhava para a Luz tranquilamente!”.
Um de seus talentos era o de ter ideias, costurar pensamentos, colocar por escrito, buscar pessoas e gerar uma dinâmica de trabalho onde tudo acontecia com forte adesão dos envolvidos. Penso que a palavra correta para isso seria ‘entusiasmo’, que significa “inspirado por um Deus”. Perto dele era impossível ficar desanimado, “sem ânimo ou sem motivação para agir”.
Além das conversas, da afabilidade e da sua firmeza de princípios, o que mais me lembro é do seu compromisso com o trabalho – o “combater o bom combate” pela divulgação do espiritismo.
Para levar adiante esse ideal, organizou detalhadamente, desde 2018, todas as edições da Semana Maria Virgínia e J. Herculano Pires, promovidas pela Fundação. Escolhia a dedo expositores comprometidos em divulgar Allan Kardec e a doutrina em sua essência mais cristalina.
Nessas ocasiões, ele também nos trazia poemas do pai, para que jamais a poesia seja esquecida em nossos corações. Eles eram interpretados pela atriz e diretora Rosi Campos, na abertura de cada transmissão.
Como profissional, Herculaninho foi gerente do CPD da Prodesan (Progresso e Desenvolvimento de Santos, SP), do Investbanco, do Unibanco e do Bank of Boston, onde se aposentou. Assumiu a diretoria executiva da Editora Paideia, fundada pelos pais em 1976 e que segue publicando e se renovando, sem se distanciar dos princípios esposados por seus fundadores.
Junto com a companheira inseparável Maria Alice, foi o pai muito presente e especial da Tatiana, do Rogério, da Adriana e da Flávia.
Carla, a dinâmica sobrinha, recorda que o tio era muito ligado ao futebol desde jovem, o que gerava interações animadas na família! Era um ‘são-paulino roxo’.
De minha parte, sempre fiquei muito impressionada com a energia que ele trazia aos nossos encontros, às reuniões e, principalmente, aos preparativos das Semanas, que neste ano não aconteceu em razão da partida inesperada da filha Tatiana (CEO da Fundação e uma amiga muito querida) no primeiro semestre, seguida, há pouco, por Herculaninho, cuja lembrança e exemplos nos acompanharão para sempre.
Como todas as almas sinceras e idealistas, ele se foi e nos deixou imediatamente saudosos, mas principalmente com uma grande responsabilidade: manter acesa a chama do ideal de divulgação espírita, segundo as bases de Kardec.
¹ Filósofo, jornalista e escritor J. Herculano Pires.
² Colaborador da Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires.
* Rita Foelker é jornalista, mestre em filosofia e autora de dezenas de livros.